Acórdão nº 831/20.5T8GRD.1.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 12-09-2023
Data de Julgamento | 12 Setembro 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 831/20.5T8GRD.1.C1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Coimbra |
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra
I – AA, interpôs execução para pagamento da quantia de 67.980,00€, acrescida de juros de mora, contra BB, dando à execução sentença transitada em julgado, proferida nos autos apensos.
Estando em causa execução de sentença sem despacho liminar, foram penhorados saldos bancários no valor total de € 17.077,01.
Notificada da execução, veio a executada requerer o indeferimento liminar da mesma, referindo que, na acção declarativa de que emergiu a sentença dada à execução, esteve em causa a determinação do valor das benfeitorias efetuadas pelo casal que formou com o exequente num lote de terreno que era propriedade dela, tendo em vista o apuramento do direito de crédito daquele sobre o património comum do casal, pela quota-parte do valor das referidas benfeitorias, acção que teve lugar, porque, em inventário pendente, as partes foram remetidas para os meios comuns, «para apurar as eventuais benfeitorias, o seu custo e quem as suportou», tendo sido suspensos os autos de inventário. Acrescenta que na sequência do trânsito em julgado do acórdão que confirmou a decisão proferida nos autos principais, deu dela imediato conhecimento ao processo de inventário, tanto mais que assume ali funções de cabeça de casal, apresentando relação de bens atualizada, que foi notificada ao Exequente. Entende que, «constando da referida ação declarativa que estava a correr o processo de inventário onde já se discutia o crédito referente às “…benfeitorias realizadas…”, e uma vez que esta execução é posterior e diz respeito ao mesmo crédito, ocorre a exceção da litispendência, que, por ser de conhecimento oficioso, deve conduzir ao indeferimento liminar da execução».
Pedida informação ao processo de inventário, foi informado que tais autos haviam retomado o seu curso, constando já deles a decisão apensa e que a mesma seria tida em consideração na conclusão dos mesmos.
Foi então proferida decisão julgando verificada e procedente a exceção de litispendência, absolvendo a Executada da instância, tendo procedido à condenação do Exequente em taxa sancionatória excepcional de 4 (quatro) UC.
II – Do assim decidido, apelou o exequente, que concluiu as suas alegações do seguinte modo:
I -Nos autos de execução de sentença aqui em causa, a executada foi notificada para, “no prazo de 10 dias, deduzir, querendo, oposição à penhora, nos termos do art.º 784.º e 785,º do C.P.Civil”, mas, no referido prazo legal, não deduziu nenhum incidente de oposição à penhora (nem nenhum incidente de oposição à execução baseada em sentença), limitando-se a apresentar o requerimento avulso com a referência Citius 439571152, onde invocou a alegada excepção de litispendência e pediu a final que “deve esta execução ser liminarmente indeferida.” Pelo que, o referido expediente processual (requerimento avulso) consubstancia a prática de um acto que a lei não permite e, como tal, trata-se de um acto inútil – art.º 130.º do C.P.Civil – logo, ilegal e proibido. Pelo que, ao pronunciar-se sobre o referido acto inútil, deve a douta sentença recorrida ser declarada nula e de nenhum efeito, ao abrigo do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte, e ser revogada e substituída por outra que ordene o desentranhamento e devolução à executada do requerimento com a referência Citius 439571152e o prosseguimento dos autos até seu ulterior fim.
II. Ante as questões complexas, emergentes da relação de bens, e mormente da Reclamação à Relação de Bens no processo de inventário instaurado para partilha subsequente ao divórcio das partes, aqui intervenientes como exequente e executado, que “quer pela sua natureza e complexidade, extravasam os termos e os meios probatórios inerentes ao processo de inventário”, o senhor notário titular do inventário, escusou-se de as apreciar e conhecer, e determinou a suspensão dos autos de inventário, e remeteu as partes para os meios comuns. Até ao momento apenas as questões suscitadas quanto às benfeitorias se mostram resolvidas nos meios comuns por via da acção principal a que estes autos de execução correm por apenso. Daí que: a) não foi proferido nenhum despacho, pela Senhora Notária, a ordenar o prosseguimento dos autos; b) mas, a mesma Notária mandou desentranhar a “relação de bens aperfeiçoada” apresentada pela executada, conforme despacho que ora se junta por certidão como doc. 1.
III. As benfeitorias discutidas nos meios comuns, nunca integraram a relação de bens do processo de inventário. De facto, tratou-se de uma verba cuja falta foi acusada na reclamação à relação de bens pelo interessado, e cujo conhecimento o Notário remeteu para os meios comuns. Pelo que, quando for determinado o levantamento da suspensão dos autos de inventário, o seu prosseguimento será efectuado sem a referida verba de benfeitorias, que nunca foi incluída na relação de bens do inventário. Aliás,
IV. Se assim não fosse, a douta sentença recorrida violaria o disposto no referido n.º 2 do art.º 36.º do R.J.P.I.. e o efeito de caso julgado, pois que, da forma como Tribunal, no processo n.º 831/20.... julgou a acção, resolveu, de forma definitiva e transitada em julgado, as questões suscitadas pelo senhor Notário no processo de inventário quanto às benfeitorias, pois, tal sentença, que é a aqui título executivo, condenou a R., aqui executada, a reconhecer: a) que, na constância do casamento, o então casal comum introduziu no lote de terreno propriedade da Ré/executada (por ser bem próprio dela) benfeitorias no valor global de 135.960,00€, correspondentes à construção da casa de morada de família, b) que, as mesmas benfeitorias, em virtude da sua natureza e estrutura, não podem ser levantadas do referido lote de terreno onde foram executadas, sem detrimento das mesmas; e c) que, o autor, aqui exequente, é credor da ré, aqui executada, no montante de 67.980,00€, que tem que lhe pagar, sob pena de enriquecimento sem causa desta à custa daquele, assim, pondo termo à comunhão do ex-casal quanto às benfeitorias introduzidas por ambos, em lote de terreno próprio da ex-mulher, com a construção da casa de morada de família. Pelo que,
V. Quanto a tal questão (das benfeitorias), que se mostra definitivamente resolvida, nada mais há a partilhar no processo de inventário. De momento, só falta a executada proceder ao respectivo pagamento, que só poderá ser coercivo, por via dos presentes autos, uma vez que não efectuou o pagamento voluntário no prazo que lhe foi fixado para o efeito. Pelo que, o douto despacho recorrido ao entender que nos autos de inventário se fará “a partilha propriamente dita”, viola o princípio do caso julgado e o disposto no n.º 2 do art.º 36.º do R.J.P.I.
VI. O Tribunal fez errada interpretação do requisito da causa de pedir dos presentes autos e não atendeu ao dos autos de inventário, nem ao requisito da identidade do pedido, dos quais depende a excepção de litispendência que julgou verificada. Assim: a) existe identidade de sujeitos uma vez que o exequente e a executada nos presentes autos de execução e são os interessados no processo de inventário. b) não existe identidade da causa de pedir, porquanto nos autos de inventário, a causa de pedir é a partilha de bens comuns subsequente ao divórcio, in casu, as benfeitorias que o casal comum introduziu em lote de terreno da executada, com a construção da casa de morada de família, e nos presentes autos de execução, a causa de pedir é a falta de pagamento voluntário, por parte da executada do crédito de que o exequente é titular sobre ela, emergente da sentença proferida na acção declarativa que condenou a executada nos termos plasmados atrás, em II, cujo teor aqui se dá por reproduzido. Em suma, dito de outro modo, a partilha que o Tribunal fez das aludidas benfeitorias. c) também não existe identidade de pedido, porquanto, nos autos de inventário, o efeito jurídico que se pretende obter é pôr termo à comunhão entre o casal das benfeitorias pagas pelo casal com a construção da casa de morada de família e nos presentes autos de execução, o efeito jurídico que se pretende obter é o pagamento coercivo por parte da executada do crédito de que o exequente é titular sobre ela correspondente a metade daquele valor de benfeitorias; Pelo que,
VII. Deve o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que declare não verificada a invocada excepção de litispendência com as suas legais consequências, mais ordenando o prosseguimento dos presentes autos de execução até seu ulterior fim.
VIII. Sendo o presente recurso julgado procedente e declarado o prosseguimento dos presentes autos de execução, nos termos e com os fundamentos referidos nos pontos anteriores, tem que ser dada sem efeito a condenação do recorrente no pagamento de taxa sancionatória excepcional fixada em 4 UCs. Sendo certo que,
IX. Ainda que por mera hipótese académica, o presente recurso não viesse a ter provimento, o certo é que, pelos motivos que o recorrente deixou explanados supra, demonstrou que, de uma forma ponderada e fundamentada do ponto de vista dos factos e do Direito, lançou mão dos presentes autos de execução, ou pelo menos, de uma forma que não é manifestamente despropositada ou contrária às regras e ditames da boa-fé e da prática jurídica. Pelo que, jamais o recorrente poderia ser condenado no pagamento de uma qualquer taxa de justiça sancionatória.
X. A douta sentença recorrida violou o disposto nos arts. 130.º, 531.º, 580.º e 581.º do C.P.Civil e no art.º 36.º, n.º 1 e 2 do R.J.P.I..
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e em consequência ser a douta sentença recorrida declarada nula e de nenhum efeito e ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos presentes autos de execução de sentença até seu ulterior fim.
A Executada ofereceu contra-alegações, que...
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