Acórdão nº 8276/19.3T8LSB.L1-4 de Tribunal da Relação de Lisboa, 24-04-2024

Data de Julgamento24 Abril 2024
Número Acordão8276/19.3T8LSB.L1-4
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os juízes da 4.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório
A Mapfre – Seguros Gerais, S.A. apresentou participação de acidente de trabalho, ocorrido no dia 12 de setembro de 2016, em que foi sinistrada AA, dando início à presente ação especial de acidente de trabalho.
Na fase conciliatória foi realizado exame médico singular no qual o Sr. perito concluiu que a sinistrada se encontrava afetada de uma incapacidade permanente parcial (doravante IPP) com o coeficiente de 10,6%.
Frustrada a conciliação por a sinistrada não aceitar a incapacidade, foi iniciada a fase contenciosa mediante apresentação, por aquela, de requerimento para junta médica.
Iniciada a junta médica em 09/03/2022, os srs. peritos médicos solicitaram que ficasse junta aos autos a ficha de aptidão para o trabalho apresentada em mão pela Sr.ª perita que interveio em representação da sinistrada, o que foi deferido, e solicitaram a realização de juntas médicas da especialidade de ortopedia e psiquiatria, opondo-se a Sr.ª perita que interveio em representação da seguradora à realização de junta de psiquiatria.
Foi entretanto, junto aos autos parecer solicitado pelo tribunal ao IEFP com vista ao esclarecimento sobre se a sinistrada se encontrava afetada de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (doravante IPATH), no qual se concluiu que a sinistrada está impossibilitada de exercer em pleno a maioria das tarefas da sua atividade profissional.
A seguradora requereu a prestação de esclarecimentos relativos ao parecer do IEFP, o que foi indeferido por despacho de 25/06/2022, do qual não foi interposto recurso.
Em 18/07/2022, foi realizada junta médica da especialidade de psiquiatria que, por unanimidade, concluiu pela inexistência de sequelas psicopatológicas resultantes de forma inequívoca do acidente.
Em 26/08/2022 foi realizada a junta da especialidade de ortopedia, na qual, por unanimidade os srs. peritos médicos concluíram que a sinistrada está afetada de IPATH com uma IPP de 22,5%, correspondente a IPP de 15% bonificada pela aplicação do fator 1,5, admitindo a não reconversão da sinistrada no posto de trabalho, não só pelas sequelas físicas, mas também pelos efeitos secundários da medicação analgésica e psicotrópica.
A sinistrada requereu a prestação de esclarecimentos sobre quais as lesões tomadas em consideração, sobre se as lesões verificadas no auto de exame singular de 30/07/2021 persistem ou não, sobre qual o motivo de tais sequelas não terem sido consideradas e sobre o cálculo da IPP de 22,5% considerada.
Em resposta a tal requerimento, a seguradora declarou concordar na íntegra com o teor do resultado da junta médica da especialidade de ortopedia, requerendo apenas a retificação de um lapso de escrita.
Deferida a prestação de esclarecimentos, foram os mesmos prestados em 31/01/2023, sem alteração das conclusões anteriores.
Em 02/03/2023, a seguradora veio requerer a prestação de esclarecimentos pelos srs. peritos, nomeadamente se, na avaliação de 26/08/2022, consideraram, o impacto que as patologias de neoplasia e de tromboembolia pulmonar, e os respetivos tratamentos tiveram na situação clínica da sinistrada e especificamente no quadro álgico sequente ao acidente, em que medida a interrupção dos tratamentos que a sinistrada vinha fazendo teve impacto na sua recuperação, atraso na recuperação ou mesmo agravamento clínico no seu quadro sequelar resultante do acidente sobretudo se se atender aos concretos períodos em que tal interrupção de tratamento se processou e se a discrepância entre o exame singular e o resultado da junta se deve apenas e só a distinto enquadramento em sede dos Capítulos da TNI, se possível, em tão pouco espaço de tempo, o diagnóstico quanto às sequelas e sua repercussão ser tão díspar e, em caso afirmativo, por que razão e se para tal situação contribuiu ou não algum tratamento médico ou medicamentoso levado a cabo pela sinistrada neste período, ainda que não diretamente relacionado com as sequelas do acidente.
A sinistrada opôs-se ao requerido pela seguradora.
Em 14/04/2023 foi proferido despacho indeferindo a pretensão da seguradora, do qual não foi interposto recurso.
Finalmente em 24/05/2023 foi concluída a junta médica iniciada em 09/03/2022, na qual os Srs. peritos médicos foram unanimes quanto à identificação das lesões e das sequelas e ao seu enquadramento na TNI, tendo por maioria concluído que a sinistrada está afetada de IPATH com IPP de 22,5%, correspondente a 15% x 1,5, discordando a Sr.ª perita que interveio em representação da seguradora da atribuição de IPATH e consequentemente da atribuição do fator de bonificação de 1,5, pretendendo que fosse solicitado à junta de ortopedia esclarecimentos sobre se as sequelas ao nível da mobilidade são idóneas a produzir IPATH, sobre se as sequelas do tratamento da neoplasia afetam a capacidade de deambulação, ortostatismo e sedestração e que seja tida em consideração a ficha de aptidão para o trabalho, sua data de emissão e razão do pedido.
A sinistrada apresentou requerimento opondo-se à pretensão da Sr.ª perita que interveio em representação da seguradora e a seguradora, em resposta ao requerimento da autora reiterou a posição da Sr.ª perita, tendo-se a sinistrada pronunciado, opondo-se à pretensão da seguradora.
Em 05/09/2023 foi proferido despacho no qual a Mm.ª Juiz, pronunciando-se sobre os requerimentos apresentados pela sinistrada e pela seguradora após a conclusão da junta médica, afirmou que “Por o requerido ser matéria objecto de decisão final, pronunciar-nos-emos nessa sede sobre a eventual IPP a fixar e respectivo grau”.
De seguida foi proferida sentença que considerou a sinistrada afetada de IPATH, com uma IPP de 22,5%, condenando a seguradora nas prestações devidas.
Inconformada a seguradora interpôs recurso desta decisão, por não concordar com os fundamentos que sustentam a douta sentença proferida, no que concerne à fixação da incapacidade da recorrida para o trabalho, bem como atribuição de IPATH, entendendo que a sentença deve ser revogada e a seguradora absolvida de todos os pedidos, apresentando as seguintes conclusões:
«1. O Meritíssimo Tribunal a quo fixou à Recorrida a IPP de 22,5% com IPATH.
2. A Seguradora Recorrente considera que o Mmo. Tribunal a quo, para além de operar uma desadequada apreciação da prova pericial, incorrendo em verdadeiro erro de julgamento, também não se mostrava, em rigor, dotado de prova suficientemente esclarecedora para proferir a douta decisão em análise.
3. O Tribunal a quo criou a sua convicção “na análise concatenada da Junta Médica (que não foi objeto de reclamação) com o teor das perícias da especialidade e parecer do IEFP junto."
4. Ora, o exame por junta médica constitui uma modalidade de prova pericial, cuja força probatória está sujeita à regra da livre apreciação pelo juiz, no entanto, há que notar que, nessa decisão, o mesmo não se pode afastar dos princípios legais inerentes ao apuramento e ressarcimento de danos, designadamente o dano real que se pretende acautelar e a sua consequente valoração jurídica e, para tanto, é absolutamente essencial que esteja dotado de todos os elementos necessários à aferição dessa desvalorização funcional apresentada pelo sinistrado, por forma a que não haja qualquer margem de dúvida quanto à mesma.
5. Sem esquecer que, sendo a Junta Médica nos termos do artigo 139.° do Código Processo do Trabalho, presidida pela Meritíssimo Juiz, no caso de existirem obscuridades ou imprecisões na fundamentação ou elementos em avaliação, assiste à Meritíssimo Juiz, o poder-dever de suscitar junto dos Exmos. Senhores Peritos os esclarecimentos a respeito do seu juízo técnico que entendesse pertinentes ou mesmo que aqueles viessem apresentar fundamentos adicionais inerentes ao seu parecer.
6. Ora, o Tribunal a quo criou a sua convicção da fixação do IPP com IPATH das conclusões da Junta Médica de 26/05/2023, em que, por sua vez, os Senhores Peritos, tal como transcrito supra remeteram a questão da quantificação da desvalorização para a Junta Médica da especialidade de Ortopedia.
7. Sucede que, relativamente à atribuição de IPATH, a Junta Médica da especialidade de Ortopedia teve em consideração o relatório do IEFP.
8. Isto posto, sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, a Recorrente entende o Mmo. Tribunal a quo criou a sua convicção em pareceres (Junta Médica de 24/05/2023, Junta Médica de Ortopedia e relatório IEFP) que não se mostram cabalmente fundamentados e/ou explicados ou que sofrem de obscuridades e ou imprecisões, e Tribunal a quo considerou essencial para a fixação da incapacidade da Recorrida, bem como a atribuição de IPATH.
9. Por seu turno, atento o teor dos pareceres médicos vertidos nos autos, e da sua exiguidade de fundamentos, fica-se, pois, sem saber qual a concreta e efetiva razão que subjaz à sua divergência entre os registos clínicos nos autos e o relatório pericial de ortopedia ou entre relatórios periciais (perícia singular, perícia na especialidade de ortopedia e perícia na especialidade de psiquiatria) e, bem assim, qual é a real situação clínica do sinistrado para efeitos de fixação da sua desvalorização funcional.
10. Assim, no contexto dos autos, perante o conspecto fáctico e probatório emergente dos mesmos, não deveria a decisão recorrida, reafirma-se, ter concluído pela fixação à Recorrida de IPP de 22,5% com IPATH, resultante da aplicação do fator de 1,5 sobre a incapacidade de 15%, sendo a alta reportada a 20-04-2021.»
A sinistrada apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido com efeito suspensivo mediante a prestação de caução pela seguradora.
*
Recebidos os autos neste tribunal, o Ministério Público, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
Delimitação do objeto do recurso
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT