Acórdão nº 809/06.1BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 14-07-2022

Data de Julgamento14 Julho 2022
Ano2022
Número Acordão809/06.1BESNT
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

Ministério Público, autor nos autos de acção administrativa especial instaurados contra o Município de Cascais e as contra-interessadas T…, S.A. e L…, Lda., inconformado, veio interpor recurso jurisdicional do acórdão, proferido em 16.12.2015, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a presente acção e, em consequência, absolveu Entidade Demandada e os Contra Interessados do pedido.
Nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem: «
I. Por Deliberação da Câmara Municipal de Cascais, tomada na reunião de 19.12.1997 foi aprovado o loteamento do prédio em causa.
II. A Câmara Municipal de Cascais, em 22.9.1999, aprovou uma rectificação à anterior deliberação de aprovação do loteamento, e que consistiu, designadamente, na junção num único lote dos lotes 1 e 2, que passaram a lote 1/2
III. Em 14.12.1999, foi emitido o respectivo alvará, com o n° 1.115/1999, a favor da firma requerente da operação urbanística.
IV. O alvará de loteamento teve também uma rectificação posterior, aprovada por despacho da autoria do Presidente da Câmara Municipal de Cascais, de 22.02.2000.
V. Relativamente ao lote 1/2 do loteamento foi depois aprovado um projecto de construção, por despacho do Presidente da Câmara Municipal de Cascais de 20.04.2001.
VI. Aprovação essa titulada pelo alvará de licença n° 433/2001, prevendo a construção de edifício para centro comercial, que veio a ter a designação de Cascais Villa - Shopping Center, com 4 pisos acima da cota de soleira, e também 4 pisos abaixo da cota de soleira.
VII. Face ao Regulamento do Plano Director Municipal de Cascais (aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n° 96/97, DR, Iª Série-B, de 19.06.1997, e doravante referido como PDM) o prédio loteado encontra-se inserido em Categoria de Espaço Canal e ainda em Categoria de Espaço de Desenvolvimento Singular (art. 44°, do PDM).
VIII. Integrando-se num Espaço de Reestruturação Urbanística da área envolvente à estação ferroviária de Cascais (ponto 2.7, do indicado art. 44°, do PDM).
IX. Pelo que as novas construções naquela zona deveriam respeitar os parâmetros urbanísticos estabelecidos para a categoria de espaços urbanos de alta densidade, bem como o disposto no Ponto IV, n° 14, do anexo ao DL 302/90, de 26 de Setembro.
X. Atento o disposto nos arts. 29°, n° 1, e 34°, n° 1, ambos do PDM, as operações de loteamento não integradas em plano de pormenor, como foi o caso, só seriam permitidas desde que, e de entre o mais, fosse cumprido o requisito segundo o qual “...as novas construções dêem continuidade aos planos de fachada e às características morfológicas das malhas urbanas em que se integram.”.
XI. Enquanto a condição a que alude a alínea a) do art° 29° n° 1 se mostra satisfeita, já que o prédio a lotear confinava com arruamento já existente, não se afigura estar reunido o requisito da al. b) na medida em que as construções aprovadas pelos actos impugnados apresentam cércea muito superiores à cércea das construções existentes em qualquer rua ou quarteirão contíguo, excedendo também em número de pisos a média dos existentes nos prédios pré-existentes com que confinava e confina, alterando profundamente e em termos negativos as características morfológicas da malha urbana em que se insere.
XII. Dado o PDM não fornecer o conceito legal de malha urbana, afigura-se carecer completamente de fundamento o entendimento, ao que parece sufragado pelos técnicos da Câmara Municipal de Cascais, sem qualquer base legal, segundo o qual malha urbana significaria quarteirão.
XIII. O Decreto Regulamentar n° 9/2009 de 29 de Maio veio fixar os conceitos técnicos nos domínios do ordenamento do território e do urbanismo a utilizar pelos instrumentos de gestão territorial - cfr. art° 1º daquele diploma.
XIV. Dele também não consta, porém, a definição de malha urbana.
XV. O conceito de malha urbana é muito mais amplo que o de quarteirão, pretendendo abranger todo um conjunto urbano, com características morfológicas sedimentadas, numa determinada zona, devendo ser densificado em função de cada caso concreto, já que os núcleos urbanos são de índole muito diversa, mesmo dentro de um mesmo concelho.
XVI. O legislador pretendeu acautelar, por via do preceituado no art° 29° n° 1 PDM, foi a proibição de edificações que rompessem com os planos de fachada e as características morfológicas dos aglomerados urbanos em que se situassem, introduzindo factores de perturbação da harmonia dos conjuntos edificados pré-existentes.
XVII. Contrariamente ao sustentado na decisão impugnada, não se pode admitir a existência de normas contidas em regulamentos públicos cujo conteúdo e valoração estejam unicamente cometidos à Administração, como sustenta a decisão recorrida.
XVIII. Isso significaria que toda a área do urbanismo sujeita aos Planos Directores Municipais - in casu, o PDM de Cascais - estaria fora da sindicância dos Tribunais, com o inaceitável fundamento de que a terminologia ou os conceitos utilizados só seriam perceptíveis para os técnicos municipais, que não para os Peritos do Tribunal e para o próprio Tribunal.
XIX. Face à garantia constitucional da tutela jurisdicional efectiva, não pode o Tribunal esquivar-se a julgar, com o fundamento na natureza mais ou menos técnica dos conceitos, sob pena de violação do disposto nos art°s 20°, 202° n° 2 e 286° n° 4 CRP, que os art°s 2º CPTA e 2º CPC densificam.
XX. O mesmo se diga quando a decisão impugnada refere que “(...) ainda que se concordasse com o Autor quando afirma que o que o legislador pretendeu acautelar, por via do n° 1 do artigo 29° do Regulamento do PDM, foi a proibição de edificações que rompessem com os planos de fachada e as características morfológicas dos aglomerados urbanos que se situassem, introduzindo factores de perturbação da harmonia dos conjuntos edificados pré-existentes, uma coisa é certa o juízo valorativo aqui implícito - perturbação da harmonia dos conjuntos edificados pré- existentes - não pode ser pedido ao Tribunal”.
XXI. É que, novamente aqui, a decisão impugnada escusa-se a julgar, com o argumento, que se nos afigura inaceitável, de que só os técnicos autárquicos estão habilitados a ajuizar da perturbação ou não criada pelo novo edificado.
XXII. Trata-se, novamente, de clara violação da garantia constitucional da tutela jurisdicional efectiva e da sindicabilidade pelos Tribunais dos actos da Administração.
XXIII. Nas ruas, contíguas ou circundantes, do prédio loteado, o que existia, à data, eram construções com um máximo de 2 ou 3 pisos acima da cota de soleira, aprovadas em harmonia com o regime urbanístico do PUCS (aprovado pelo DL 37.251de 28.12.1948) - Plano de Urbanização da Costa do Sol - que disciplinou o urbanismo no local até à entrada em vigor do PDM.
XXIV. Nos termos do Plano de Urbanização da Costa do Sol (PUCS), a área da Quinta das Loureiras integrava, em parte, a Zona HC, cuja tipologia de construção correspondia a moradia isolada ou geminada, para habitação, com o máximo de 2 pisos acima da cota de soleira.
XXV. E, na parte restante, em Zona C, nela se prevendo, designadamente, comércio, serviços, pequena industria, habitação, com um máximo de 3 pisos acima da cota de soleira.
XXVI. As edificações aprovadas pelos actos impugnados assumem-se como elemento dissonante da envolvente local, não dando continuidade aos planos de fachada e às características morfológicas da malha urbana em que se integram.
XXVII. A CCDR-LVT (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo), solicitada a pronunciar-se em sede de procedimento inspectivo tutelar aberto pela IGAT (Inspecção-Geral da Administração do Território), também entendeu que as construções aprovadas não dãocontinuidade aos planos de fachada e às características das malhas urbanas em que se integram”.
XXVIII. Consequentemente, o referido acto de licenciamento da operação de loteamento, datado de 19.12.1997, e o posterior acto de rectificação de 22.09.1999, são nulos e de nenhum efeito por não respeitarem as condições fixadas pelo PDM para o licenciamento de construção no local.
XXIX. Igual vício afecta o acto de aprovação do licenciamento de construção, de 20.04.2001, porque consequente a actos nulos - art. 134°, n° 1 CPA.
XXX. Porque viola as mesmas normas do PDM que os demais actos administrativos impugnados.
XXXI. Foi infringido o disposto no art. 29°, n° 1 PDM de Cascais, e o Ponto IV, n° 14, do anexo ao DL 302/90, de 26 de Setembro (ex vi do art. 44°, ponto 2.7, do PDM).
XXXII. Também foi violado o disposto no Ponto IV, n° 14, anexo ao DL 302/90, de 26 de Setembro, que também impunha o respeito pela cércea mais corrente na rua ou quarteirão, de modo a não criar situações dissonantes.
XXXIII. De acordo com o art. 56°, n° 2, do DL 448/91, de 29 de Novembro (com a redacção dada pela Lei 26/96, e que estabeleceu o regime jurídico do licenciamento das operações de loteamento) são nulos os actos administrativos que violem o disposto em planos municipais de ordenamento do território, como é o caso do PDM.
XXXIV. O art. 52°, n° 2, alínea b), do DL 445/91, de 20 de Novembro (com a redacção dada pelo DL 250/94, e que estabeleceu o regime de licenciamento de obras particulares), comina com a nulidade os actos administrativos que decidam pedidos de licenciamento que estejam em desconformidade com planos municipais de ordenamento do território.
XXXV. A qual se verifica, nos casos mencionados.
XXXVI. Termos em que os actos impugnados são nulos, o que se pretende seja declarado judicialmente (art. 133°, n° 1, do CPA) por via da procedência da presente acção.
XXXVII. A decisão impugnada violou as normas e preceitos legais atrás referidos.».

O Recorrido contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
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