Acórdão nº 8013/19.2T9LSB.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 12-01-2023

Data de Julgamento12 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão8013/19.2T9LSB.L1-9
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, os Juízes que integram a 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
1. No Juízo Local Criminal de Lisboa (Juiz 1) do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, no âmbito do processo comum n.º 8013/19.2T9LSB, foi proferida sentença que absolveu o arguido A da prática de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1, 182.º, 183.º, n.ºs 1, alínea a), e 2 e 184.º, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal., que lhe era imputado.
2. Inconformado com a decisão, dela interpôs recurso o assistente B, formulando as seguintes conclusões:
1. «O Tribunal a quo, salvo o devido respeito, não valorou corretamente a prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento e, bem assim, não fez uma correta aplicação do Direito ao caso concreto.
2. Com efeito, entende o Recorrente que deveriam ter sido dados como provados os factos elencados nos pontos 1. e 2. da Matéria de Facto dada como não provada, por considerar ter sido produzida prova suficiente que demonstra que "ao escrever tais publicações, o arguido sabia que as mesmas continham expressões que não correspondiam à verdade e juízos de valor sobre a pessoa de B que o ofendiam, como ofenderam, na sua honra e consideração pessoal, profissional e pública, como Presidente de Junta de Freguesia que o arguido conhecia, sabendo ainda que tais comentários que visaram directamente o ofendido enquanto Presidente da Junta de Freguesia, dirigidos à comunidade de internautas, facilitando assim a sua divulgação por inúmeras pessoas como, de facto sucedeu. ", bem como que "bem sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punível por lei penal. ".
3. Resulta da prova produzida que o Arguido tinha consciência da ilicitude dos seus atos, por um lado, porque continuou a praticá-los mesmo depois de ter sido apresentada queixa contra si, e por outro, porque o próprio Arguido admite ter cometido os crimes em causa, propondo um acordo em que deixava de os cometer: estou disposto a não voltar a praticar crimes da mesma natureza e me comprometo a não efetuar mais publicações idênticas às que constam nos autos(...)", conforme resulta do e-mail enviado pelo Arguido ao Ministério Público, que consta do processo (fls. 252).
4. Resulta da prova produzida que as afirmações produzidas pelo Arguido, através das inúmeras publicações feitas na página de Facebook "Todos contra B Presidente da junta de freguesia de C" traduzem-se na imputação ao Recorrente de factos graves, ilícitos e criminosos.
5. Porquanto as imputações dirigidas ao Recorrente, bem como os juízos de valor proferidos pelo Arguido nos comentários e publicações feitas no Facebook, revestem-se de uma inequívoca e enorme gravidade, com o propósito de atingir diretamente o prestígio e honorabilidade do Recorrente, ultrapassando as meras suspeitas ou suposições, destinando-se a imputar factos e a formular juízos sobre supostas condutas ilícitas e mesmo sobre o caráter pessoal do Recorrente, através de afirmações caluniosas e difamatórias, que são falsas e ostensivamente ofensivas da honra, consideração, credibilidade, prestígio e confiança do Recorrente.
6. Face a todo o exposto, não existem dúvidas que o Arguido praticou, na forma consumada e com dolo direto, o crime de Difamação previsto no artigo 180.º do Código Penal, porquanto a consumação do crime de difamação basta-se com a imputação de factos ou de juízos mesmo que apenas sob o manto da suspeita,
7. Acresce ainda que o Arguido agiu de um modo particularmente grave, porque insidioso, recorrendo a suspeitas infundadas e não demonstradas para denegrir a imagem do Recorrente enquanto Presidente da Junta de Freguesia de C, o que logrou alcançar, tendo praticado os atos sempre com a perfeita consciência de que as suas imputações e comentários teriam uma forte repercussão na opinião pública, causando sérios danos à reputação do Recorrente, designadamente nos fregueses de C, sedimentando a ideia através da referida página de Facebook de que o ora Recorrente atua de forma incorreta, imoral e ilícita.
8. É hoje transversalmente aceite pela jurisprudência e doutrina que no crime de difamação não é exigido qualquer dolo específico ou elemento especial do tipo subjetivo que se traduza no especial propósito de atingir o visado na sua honra e consideração, e neste sentido, grosso modo, basta que o Arguido conheça e tenha consciência do teor ofensivo da imputação ou juízo formulados e atue conformando-se com ele (dolo eventual), para que se verifique preenchido o elemento subjetivo do tipo.
9. Ora, resulta cabalmente demonstrado que o Arguido praticou o facto com dolo direto, tal é a ostensiva intenção de atacar o bom nome, a honra, a reputação e a consideração do Recorrente e, bem assim, a sua credibilidade e prestígio enquanto Presidente da Junta e enquanto cidadão, não podendo desconhecer o teor ofensivo das imputações e juízos de valor formulados, tendo plena consciência de atingir o Recorrente na sua honra e consideração,
10. O Arguido sempre teve consciência, e não podia ignorar, o impacto que imputações de tal ordem têm na praça pública e consequentemente na vida do Recorrente.
11. Apesar disso, e disso se aproveitando, nunca se inibiu de reiterar os juízos de valor formulados relativamente à pessoa do Recorrente, o que fez por diversas ocasiões e recorrendo a meios privilegiados e facilitadores de divulgação, concretamente a rede social Facebook, resultando evidenciada a pretensão inequívoca do Arguido em criar um efeito generalizado e devastador da honra do Recorrente junto da opinião pública.
12. Pelo exposto, verificam-se também os pressupostos do agravamento previsto no previsto no artigo 183º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, porquanto as ofensas perpetradas pelo Arguido são praticadas por meios e em circunstâncias obviamente facilitadoras da sua divulgação,
13. Importa salientar que o Arguido não se limitou a formular meras considerações ou críticas no exercício do seu direito à liberdade de expressão, ao invés imputou factos e formulou juízos sobre o carácter e moralidade do Recorrente, que estão muito para além da liberdade de expressão de uma opinião ou de um simples ponto de vista.
14. Os direitos de personalidade têm proteção no Direito Internacional, designadamente nos artigos 6º, 12º e 15º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e no artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e a nível interno, no artigo 260 da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 70.º e seguintes do Código Civil.
15. Mostra-se basilar a proteção de direitos de personalidade como a honra, a privacidade e o bom nome, sendo certo que a fundamentabilidade destes princípios radicam na necessidade, demonstrada pela realidade social, de preservar, em todos os seus principais traços, a dignidade da pessoa humana, que é pedra angular de todo o sistema jurídico,
16. Sendo que o direito à liberdade de expressão não se pode sobrepor a outros direitos e valores, nomeadamente, o direito ao bom nome, à reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e ao desenvolvimento da personalidade.
17. Da prova produzida resulta que o Arguido sujeitou o Recorrente a uma verdadeira perseguição, que ofendeu a sua honra e consideração, e ao fazer tais insinuações demonstrou total desprezo pela honra, consideração, reputação e dignidade do Recorrente.
18. Discorda-se da Sentença recorrida, porquanto não se trata de publicações residuais que refletem o estado de alma de um cidadão, que tem o seu direito à critica, mas sim de uma verdadeira perseguição ao Recorrente, através de uma página pública onde, durante meses, são difundidos factos falsos e formulados juízos injuriosos e difamatórios acerca do Recorrente e que pela sua gravidade se repercutem negativamente na sua vida, a todos os níveis.
19. Note-se ainda que a regularidade e consistência das publicações revela uma estratégia premeditada, de pura maldade, que tem como único escopo desgastar, atacar e mesmo terminar com a imagem, reputação e autoestima do Recorrente, seja na sua esfera pessoal como na sua esfera pública.
20. Expressões tais como "racista", "corrupto", ou mesmo "fascista", estão intimamente ligadas à esfera íntima do individuo e afetam diretamente a sua honra, não apenas o político, mas também o cidadão, não estando somente em causa a sua atuação profissional.
21. Com a formulação de tais juízos, o Arguido ultrapassou, de forma excessiva, a imputação ao Recorrente de meros factos, emitindo verdadeiros juízos sobre o carácter do Recorrente, que não podem deixar de ser vistos como ofensivos da honra e consideração do Recorrente, o que o Arguido fez com dolo e consciência da ilicitude.
22. Razão pela qual não se acompanha a Sentença recorrida, na parte que absolveu o Arguido da prática de um crime de difamação agravada, mostrando-se verificados todos os pressupostos para a incriminação pelo respectivo tipo de ilícito criminal.
23. No que respeita à parte da decisão que julgou improcedente o pedido de indemnização civil formulado pelo Assistente, ora Recorrente, também não se acompanha a Sentença recorrida, porquanto se considera que o Tribunal a quo, uma vez mais, não valorou corretamente a prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento e, bem assim, não fez uma correta aplicação do Direito ao caso concreto.
24. Dispõe o artigo 484.º do Código Civil que "Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados.
25. A liberdade de expressão, seja qual for a forma da sua exteriorização, tem sempre como limite a salvaguarda de outros direitos fundamentais, designadamente dos direitos consagrados nos artigos 25.º e 26.º da CRP, entre os quais se incluem o direito ao
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