Acórdão nº 801/21.6T8OER-B.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 28-04-2022

Data de Julgamento28 Abril 2022
Ano2022
Número Acordão801/21.6T8OER-B.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

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1.Relatório:


AC veio, por apenso à ação executiva que ARES LUSITANI STC, S.A. lhe move, deduzir oposição à execução por embargos, tendo invocado a nulidade da citação e alegado, em suma, a falsidade da assinatura constante da livrança dada à execução, a falta de título executivo, a ineptidão do requerimento executivo, a ilegitimidade da exequente, a prescrição da livrança, a incerteza e inexigibilidade da obrigação exequenda e requereu a suspensão da execução.
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Os embargos foram liminarmente recebidos, nos termos do despacho de 02-06-2021.
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A exequente contestou, concluindo pela improcedência dos embargos e pelo prosseguimento da execução.
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Após exercício de contraditório pela embargante, em 26-11-2021 foi proferido o seguinte despacho:
“(…) A presente execução para pagamento de quantia certa foi instaurada em 3-III-21 por “Ares Lusitani – Stc, S.A.” contra AC, MC, e JC – sendo apresentado como título executivo uma “Livrança” (com vencimento em 26-I-21, e valor de 5.824,20€).
Por despacho de 2-VI-21 foram liminarmente admitidos os embargos deduzidos pela 2ª executada – tendo a exequente deduzido contestação.
(…)
Tendo em conta as regras dos artigos 732º/2, 593º/1, 591º/1d) e 595º/1 do CPC, dispensa-se a realização da audiência prévia.
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e estão devidamente representadas - fixando-se o valor da causa em 5.866,09€.
(…)
A embargante alega não existir título executivo, por não ter sido apresentado com o requerimento executivo o pacto de preenchimento – sem razão, conforme resulta da simples leitura do artigo 703º do CPC: um “título de crédito”, como uma livrança, é um “título executivo”.
Motivo por que se julga improcedente a excepção.
A embargante invoca ineptidão do requerimento executivo, por não ter sido alegada a “relação controvertida subjacente” – sem razão, conforme resulta da simples leitura do artigo 724º do CPC (aliás, referido no artigo 37º da petição de embargos): “1 – No requerimento executivo, (…), o exequente: (…) e) Expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo, (…).”.
No caso dos títulos de crédito, atento o princípio da literalidade, não é necessário alegar qualquer “relação subjacente”.
Motivo por que se julga improcedente a excepção.
(…)
A embargante excepciona a ilegitimidade da exequente, alegando o crédito que a “C.E.M.G.” detinha sobre a subscritora da livrança (‘Prazeres & Caetano Lda’) foi vendido à “Hefesto STC, S.A.” em 31-X-15 – pelo que tal crédito não pode ter sido vendido à “Mimulus Finance DAC” em 27-XII-18 pela ‘C.E.M.G.’, nem por aquela à ora embargada em 12-IV-19.
Respondeu a embargada que foi habilitada como cessionária no processo …/…, relativamente a uma operação que constituirá a dos presentes autos.
Por depender de produção de prova, relega-se para a sentença a apreciação desta excepção.
(…)
A embargante demonstra que a subscritora da livrança foi declarada insolvente por sentença de 21-IX-16, data em que se venceu a obrigação de pagamento da livrança (C.I.R.E. 81º); assim, decorridos três anos sobre aquela data, a livrança prescreveu (L.U.L.L. 70º), sendo o preenchimento de I-21 um acto ilegal (uma vez que não pode ser o credor a fixar a data do vencimento), ou “abusivo”.
Face às regras do artigo 91º do C.I.R.E., não há dúvida que a obrigação de pagamento da subscritora da livrança (e, consequentemente, da avalista ora embargante) se venceu na data do trânsito em julgado da sentença que decretou a insolvência – pelo que, ao escolher outra data para preencher a livrança, a sua portadora agiu ilicitamente.
O preenchimento abusivo (que só assim pode ser qualificado) importa a inexigibilidade do título – verificando-se que, caso tivesse sido aposta a data de vencimento correcta, a livrança estaria prescrita, como alega a embargante.
Conclui-se, assim, pela inexistência de título executivo válido.
Fica, assim, prejudicada a apreciação da impugnação da “liquidação da obrigação”, bem como da nulidade da citação (que dependeria de produção de prova quanto à qualidade e legibilidade dos documentos entregues com a citação) e de ilegitimidade.
(…)
Estabelece o nº 1 do artigo 733º do CPC que “O recebimento dos embargos só suspende o prosseguimento da execução se: (…) c) Tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução.”
Face à decisão supra, justifica-se, nesta fase, suspender o prosseguimento da execução até ao trânsito em julgado do presente saneador-sentença.
Decisão
Pelo exposto, julgam-se os embargos procedentes, e declara-se extinta a execução relativamente à ora embargante.
Custas pela embargada.
Registe e notifique – e dê conhecimento ao Agente de Execução (…)”.
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Não se conformando com esta decisão, dela apela a embargada, pugnando pela revogação da mesma e substituição por outra que determine a improcedência dos embargos, formulando as seguintes conclusões:
1.Verificou-se o incumprimento de várias formalidades legalmente prescritas e que, em boa verdade, influenciam o exame e a decisão da causa.
2.Decidiu o Tribunal “a quo” sem Audiência Prévia, entenda-se, sem dar a possibilidade às partes de exercerem o contraditório, proferindo uma decisão surpresa.
3.Desta forma, violou o Meritíssimo Juiz “a quo” as formalidades da Audiência Prévia e prescrita na al. a) do n.º 1 do artigo 591.º e 593.º, ambos do CPC, bem como o Princípio do Contraditório previsto no artigo 3.º n.º 3 do CPC.
4.E assim sendo, a não realização da Audiência Prévia, aqui em apreço é nula atenta a preterição de formalidades essenciais legalmente consignadas.
5.No seguimento do que supra melhor se mencionou, os fins da Audiência Prévia são os de, em contraditório, determinar a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, proferir o despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova e programar os actos a realizar na audiência final.
6.Acontece que, o Meritíssimo Juiz “a quo”, entendeu que os autos já possuíam todos os elementos necessários à decisão sobre o mérito da causa e, como tal, proferiu o respectivo despacho saneador, proferindo decisão no âmbito dos presentes autos.
7.Porém, ao arrepio da lei, designadamente, ao abrigo do disposto no artigo 591.º, n.º 1, al. b) do CPC, o Tribunal Recorrido decidiu sobre o mérito da causa sem facultar às partes a discussão da matéria de facto e de direito.
8.Ora, a audição das partes quanto à matéria de facto e de direito constitui uma formalidade legalmente imposta pelo supra mencionado preceito legal, cuja violação acarreta a nulidade da decisão o que, desde já se invoca, com todas as consequências legais que daí advêm.
9.Deste modo, violou o Meritíssimo Juiz “a quo” um dos mais elementares princípios processuais, nomeadamente, o princípio do contraditório consagrado no artigo 3.º n.º 3 do CPC.
10.Entendeu o Tribunal “a quo” que as partes através dos respectivos articulados cumpriram suficientemente com o contraditório, pelo que não agendou a Audiência Prévia e procedeu à prolação do saneador-sentença, não dando às partes, todavia, oportunidade para se pronunciarem sobre questões suscitadas.
11.Não se pode entender que o princípio do contraditório se possa concretizar apenas e só através dos articulados apresentados pelas mesmas, caso contrário, o nosso Legislador não exigia, como exige, que as partes tenham que estar presentes na respectiva audiência prévia.
12.A prolação da decisão final é proferida com preterição de uma formalidade essencial e, que se encontra prescrita na lei, ou seja, foi a mesma efectuada sem que as partes tivessem oportunidade de se pronunciar em relação às questões de facto e de direito.
13.Verificando-se a omissão do prévio exercício do contraditório, a sentença é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1 d) do CPC, nulidade que ora se deixa invocada.
14.O nosso Legislador não fixou um limite temporal ao preenchimento da livrança em branco, pelo que a ausência de previsão legal quanto a tal limitação implica a estrita validade da data de Vencimento que o portador inscreve no título, desde que não se mostre infringido o pacto de preenchimento, o qual confere força e eficácia cambiária ao título emitido em branco, sendo essa a base, caso exista, para a reconstituição da vontade dos que nele intervieram.
15. O artigo 91.º, n.º 1, do CIRE permite ao credor do devedor insolvente reclamar no próprio processo de insolvência esse seu crédito ainda não vencido, sendo certo que, por força do princípio da par conditio creditorum e como resulta do artigo 90.º do CIRE, os credores da insolvência terão de exercer os seus direitos em conformidade com os termos previstos neste código e durante a pendência do processo, sob pena de a satisfação dos mesmos se mostrar prejudicada.
16.Perante isto, é questão isenta de dúvidas que o decretamento da insolvência da subscritora da livrança emitida em branco, ou seja, da obrigada principal, importou o imediato vencimento da obrigação que para a mesma emergia da relação subjacente perante o credor.
17. No entanto, sucede que o nosso Legislador não fixou um limite temporal ao preenchimento da livrança em branco.
18. Por isso, a jurisprudência portuguesa tem vindo a perfilhar, de forma que se crê ser unânime, o entendimento de que o prazo prescricional previsto no artigo 70.º da LULL corre a partir do dia do vencimento inscrito pelo portador desde que não se mostre infringido o pacto de preenchimento.
19. Tal como se decidiu no Acórdão da Relação do Porto de 07.01.2019, Processo n.º 1025/18.5T8PRT.P1 (Jorge Seabra), in
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