Acórdão nº 8/21.2BEPDL de Tribunal Central Administrativo Sul, 2022-02-03

Ano2022
Número Acordão8/21.2BEPDL
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
J...., com os sinais nos autos, no âmbito da Providência Cautelar que apresentou contra o Município de Ponta Delgada, tendente, em síntese e originariamente, ao “embargo da obra nova que os contrainteressados estão a executar (art.º 112.º, n.º 2, al. g) CPTA), a coberto da licença de construção titulada pelo alvará de obras de construção n.º 113/20” (construção de moradia e piscina), mais requerendo em momento ulterior a “abstenção de emissão de autorização de utilização para o prédio pertencente aos Contrainteressados, inconformado com a decisão proferida no TAF de Ponta Delgada em 29 de outubro de 2021, que julgou a Providência Cautelar improcedente, por não provada, veio em 17 de novembro de 2021 recorrer da decisão proferida, concluindo:
“I. O presente recurso tem como objeto a parte dispositiva da sentença que decidiu não decretar as providências cautelares requeridas de (i) embargo de obra nova e (ii) de abstenção de emissão de autorização de utilização para o prédio pertencente aos Contrainteressados, por parte da Entidade Requerida e ainda as (iii) custas em que foi condenado o recorrente.
II. O presente recurso abrange:
A) A impugnação da decisão sobre a matéria de facto (ART.º 640.º, 1 CPC, EX VI ART. º1.º CPTA);
B) O recurso sobre matéria de direito (ART.º 639.º, N. º2 CPC, EX VI ART. º1.º CPTA);
C) As custas em que foi condenado o requerente (ora recorrente).
III. Na sentença recorrida o Tribunal a quo considerou incorretamente julgados os factos D) e E) (pág. 11 e seguintes do documento da sentença).
IV. Com efeito, estes “factos” D) e E) dados como provados - que o Tribunal a quo se deu ao trabalho de transcrever integralmente no documento da sentença -, na verdade não são factos, mas antes meros pareceres, conclusões ou opiniões dos técnicos dos organismos públicos que os subscreveram, como facilmente se depreende da sua leitura e como, aliás, o próprio Tribunal a quo o reconheceu.
V. Por isso, não deveriam constar tal quale no capítulo da sentença relativo à matéria de facto dada por assente.
VI. Pelo que esses “factos” D) e E) não constituem factos no sentido jurídico-processual, mas meras conclusões de quem as subscreve e que, de resto, estão em oposição com o teor da posição assumida nos autos pelo requerente, tendo, nessa medida, sido objeto de impugnação especificada pelo requerente (aqui recorrente) – e também por esta razão não deveriam constar da matéria dada como provada.
VII. A este respeito e com todo o respeito que merecerão aqueles dois pareceres das Direções Regionais em causa (do Ambiente e dos Assuntos do Mar) e já que é de pareceres que falamos, é inexplicável ou incompreensível que o Tribunal a quo tenha, sem mais, omitido em absoluto o parecer de direito junto pelo recorrente, subscrito por Doutora em Direito do Urbanismo e Ordenamento do Território, e versando em detalhe a situação concreta em análise e todas as nulidades e anulabilidades alegadas.
VIII. Na sentença recorrida o Tribunal a quo também considerou incorretamente julgado o facto Q) (pág. 15):
IX. Se, na verdade, por um lado, em 20/01/2021 (data em que o requerimento inicial foi submetido ao Tribunal a quo), o recorrente entendia que a obra em construção (naquela altura, ainda numa fase inicial) cumpria a licença emitida pela Entidade Recorrida (cf. 108 do requerimento inicial) – porque era a própria licença de construção que estava inquinada e não a obra, que estava no seu início -, mais tarde, em 29/10/2021 (mais de 9 meses volvidos sobre aquela primeira data, quando é proferida a sentença), o recorrente já entendia que a construção (entretanto já quase concluída) violava também a própria licença, nos termos do teor dos requerimentos que, entretanto, apresentou em 13/07/2021 e em 04/08/2021, e do que neles alegou, designadamente, a ampliação do objeto do processo, ie, do pedido e da causa de pedir, com fundamento na ilegitimidade urbanística resultante da construção superveniente de parte da obra no domínio público.
X. Donde dúvidas inexistem que, na perspetiva do requerente (aqui recorrente), na data da prolação da sentença (é esta a data que interessa, pois é a sentença que está aqui a ser questionada) o edifício não cumpria a licença emitida pelo Município de Ponta Delgada.
XI. Fez assim o Tribunal a quo, em resultado do decurso do tempo, uma leitura enviesada do que tinha alegado o requerente, treslendo na sentença o que o mesmo referiu, não só no seu requerimento inicial, mas também nos demais e posteriores articulados remetidos aos autos (que desconsiderou), quando é certo que, entretanto, entre a data do requerimento inicial e a da prolação da sentença, decorreram mais de 9 meses e, naturalmente, a execução da obra prosseguiu, com as ilegalidades supervenientes que o requerente depois expressamente teve o cuidado de alegar nos autos e a própria requerida o confessou expressamente, em dois documentos que remeteu diretamente aos autos, como adiante se irá alegar especificamente e, a este respeito, o Tribunal a quo inclusivamente o reconheceu, quando deu por provados os factos X) e Y) (págs. 18 e 19 da sentença), embora depois, paradoxalmente, não tenha considerado e valorado tal confissão na sentença que proferiu.
XII. Por isso, esteve mal o Tribunal a quo quando julgou provado o facto Q), ao menos com o texto com que tal facto ficou redigido, e que isso inclusivamente constituía uma confissão feita pelo requerente (aqui recorrente), quando incorretamente, na pág. 20 da sentença, referiu que “Para efeitos da fundamentação dos factos atrás dados como indiciariamente provados o Tribunal teve por base (…) confissão feita pelo Requerente no artigo 108.º do requerimento inicial (…)”.
XIII. Na verdade, o alegado pelo recorrente em 108 do seu requerimento inicial de 20/01/2021 deveria ter sido atualizado pelo Tribunal a quo na análise que fez na sentença, uma vez que a 21/07/2021 e 04/08/2021, nos seus requerimentos de ampliação do pedido e causa de pedir, a obra estava já mais avançada, em resultado do que foram alegadas novas ilegalidades.
XIV. Na sentença recorrida o Tribunal a quo considerou ainda incorretamente julgado o facto V) (págs. 16 e 17), na parte em que dá por assente a seguinte passagem da informação dos serviços da recorrida Município de Ponta Delgada, datado de 20/07/2021:
XV. Na verdade, naquela data a obra não estava concluída, uma vez que, com o requerimento posterior de 04/08/2021, o ora recorrente juntou um auto da GNR que atesta que em 16/07/2021 se realizavam obras no local, onde se encontravam operários de uma concreta empresa de construção, que executavam trabalhos para os contrainteressados (doc. 1 junto com esse requerimento de 04/08/2021).
XVI. Com esse requerimento de 04/08/2021 o ora recorrente juntou um levantamento topográfico que identifica na planta e quantifica em 138m2 a área da apropriação do domínio público pelos contrainteressados.
XVII. Esses factos e os próprios documentos 1 e 3 juntos ao requerimento de 04/08/2021 não foram impugnados, nem pela requerida, nem pelos contrainteressados, quando os mesmos até foram instados para virem exercer o contraditório (em requerimentos que remeteram aos autos em 18/08/2021).
XVIII. Pelo que o Tribunal a quo não poderia ter dado a obra por concluída, ao menos e apenas considerando a informação restada pelos serviços da requerida em 20/07/2021.
XIX. Posto o que antecede, é incorreto o que o Tribunal a quo fez constar na página 20 da sentença recorrida, quando escreveu que “Para efeitos da fundamentação dos factos atrás dados como indiciariamente provados o Tribunal teve por base a análise dos documentos, não impugnados, juntos aos autos, do processo administrativo, bem como das versões vertidas nos articulados e da confissão feita pelo Requerente no artigo 108.º do requerimento inicial, tudo conforme foi referido em cada alínea dos factos assentes”.
XX. Nos autos encontram-se os seguintes meios probatórios que impunham decisão de facto diversa da sentença recorrida:
a. Documento 3 (levantamento topográfico) junto com o requerimento do ora recorrente datado de 03/08/2021, que atesta que os contrainteressados construíram 138 metros quadrados sobre a via pública, não tendo o teor deste documento sido impugnado, nem pela requerida, nem pelos contrainteressados;
b. Parecer técnico interno do Diretor do Departamento de Planeamento e Urbanismo da requerida Município de Ponta Delgada, datado de 20/08/2021, onde expressamente reconhece a ilegitimidade urbanística alegada, não tendo o teor deste documento sido impugnado, nem pela requerida, nem pelos contrainteressados;
c. Despacho interno da requerida Município de Ponta Delgada, datado de 26/08/2021 e assinado por J...., onde expressamente reconhece a legitimidade urbanística alegada, não tendo o teor deste documento sido impugnado, nem pela requerida, nem pelos contrainteressados.
XXI. Na decisão sobre a matéria de facto dada como provada, para além dos factos D), E), Q) e V) que devem ser suprimidos, conforme já alegado, deverá ser adicionado um novo facto com a seguinte redação ou texto, em resultado do que alegou o recorrente em 4 e 5 do seu requerimento de 13/07/2021 (Ref.ª Sitaf 48923) e em 26 e 28 a 30 do seu requerimento de 04/08/2021 (Ref.ª Sitaf 49070) e por tal não ter sido impugnado, nem pela requerida, nem pelos contrainteressados, quando para tal foram especialmente notificados (ónus da impugnação especificada):
“Os Contrainteressados refizeram o muro de pedra seca anteriormente existente a nascente (que demarca o limite do prédio), em toda a sua extensão (norte/sul), deslocando-o quase um metro para nascente, assim aumentando artificialmente em 138m2 a área do seu prédio, à custa da apropriação do caminho público”.
XXII. Ora, quanto à primeira...

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