Acórdão nº 8/19.2PTVIS.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 06-03-2024

Data de Julgamento06 Março 2024
Número Acordão8/19.2PTVIS.C1
Ano2024
Órgão Tribunal da Relação de Coimbra


Relator: João Abrunhosa
Adjuntos: Maria José Matos
Maria José Guerra
*

Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

No Juízo Local Criminal ..., por sentença de 09/10/2023, foram o Arg. [1] AA e a Demandada “A... – Companhia de Seguros de Ramos Reais, S.A.”, com os restantes sinais dos autos, condenados, para além do mais, nos seguintes termos:

“... Tudo ponderado, julgo totalmente procedente, por totalmente provada, a acusação deduzida pelo Ministério Público e, em consequência:

a) condeno o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física grave por negligência, p. e p. pela disposição conjugada dos arts.15.º, 148.º, n.ºs 1 e 3, por referência ao artigo 144.º, al. b), todos do Código Penal, em concurso aparente com a prática de uma contra-ordenação p. e p. pelos arts.º25º, n.º 1, a), artº103º, n.º 1, e art.º 145º, nº1, i) todos do Código da Estrada (da qual é absolvido nesta parte), na pena de multa de duzentos e dez (210) dias à taxa diária de sete euros (€7,00) por dia, o que perfaz a quantia de mil quatrocentos e setenta euros (€1.470,00);

b) condeno o arguido AA na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor de qualquer categoria pelo período de 12 (doze) meses, nos termos do disposto no art.º 69.º, n.º1, al. b) do Código Penal;

c) condeno o arguido nas custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC’s - arts. 513.º, n.º1 e 514.º, n.º1 do Código de Processo Penal e art.º8.º, n.º9 do Regulamento das Custas Processuais, sem prejuízo do eventual beneficio de apoio judiciário que beneficie.


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Na parcial procedência do pedido de indemnização civil formulado pela demandante civil BB, (cujo valor fixo em € 201.227,98, nos termos do preceituado no art.297.º, n.º1 do Código de Processo Civil):

- condeno a demandada civil a pagar á demandante civil:

a) a título de compensação pecuniária dos danos patrimoniais por esta sofridos:

- Indemnização respeitante aos objetos danificados com o embate no montante global de €933,00 (€40,00 + €40,00 + €40,00 + €40,00 + €150,00 + €623,00 = €933,00);

- Indemnização a título de montantes despendidos pela demandante civil, no pagamento de despesas medicamentosas/de farmácia no valor de €1.537,00 (€954,00 +€583,00);

- Indemnização respeitante á adaptação da casa de banho ao estado de saúde da demandante, mormente substituição da banheira por poliban no valor de €800,00;

- Indemnização relativa a ajuda doméstica temporária, o que comporta €2.680,00 (4horasx5,00€x134dias);

- Indemnização relativa ao tempo de incapacidade temporária absoluta.2.680,00€ (4 meses (120dias) x 600 + 14dias ( €2.680,00);

acrescendo a tais montantes juros de mora contados desde a data da notificação da demandada civil para contestar o pedido de indemnização civil contra si deduzido, calculados à taxa legal fixada para os juros civis, até efetivo e integral pagamento.

b) a título de compensação pecuniária do dano biológico sofrido, indemnização no montante de €30.000,00 (trinta mil euros), sendo igualmente devidos juros de mora, calculados à taxa legal fixada para os juros civis, contados desde a data da presente sentença até efetivo e integral pagamento;

c) a título de compensação pecuniária dos danos não patrimoniais sofridos pelo demandante civil, no pagamento de indemnização no montante de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), sendo igualmente devidos juros de mora, calculados à taxa legal fixada para os juros civis, contados desde a data da presente sentença até efetivo e integral pagamento;


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Custas do pedido de indemnização civil pela demandante civil e pela demandada civil na proporção do respetivo decaimento - art.º 527.º, n.ºs1 e 2 do Código de Processo Civil. ...”.

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Não se conformando, o Arg. interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação, com as seguintes conclusões:

“... 1 – O Tribunal da Relação é competente para apreciar o presente recurso – artigo 428º do CPP.

2 – O arguido foi condenado como autor material de um crime de ofensa à integridade física grave por negligência previsto e punido pelos artigos 15º, 148º nºs 1 e 3, por referência ao artigo 144º, alínea b), todos do Código Penal, na pena de multa de 210 (duzentos e dez dias) dias à taxa diária de € 7 (sete) euros, perfazendo a quantia total de € 1.470,00 (mil quatrocentos e setenta euros).

3- O recorrente foi ainda condenado na pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 12 (doze) meses, nos termos do artigo 69º, nº 1, alínea b) do Código Penal.

4 – A pena concretamente aplicada ao arguido não se revela adequada ao grau de ilicitude da sua conduta.

5 – Tendo decidido condenar o recorrente pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave por negligência previsto e punido pelos artigos 15º, 148º nºs 1 e 3, por referência ao artigo 144º, alínea b), todos do Código Penal, sem ter obedecido aos critérios traçados pelo artigo 71º do mesmo diploma, o Tribunal a quo violou essa norma.

6-O arguido tem família, é primário, está plenamente motivado para orientar e reger a sua vida segundo os ditames do direito e do respeito pelos valores da sociedade e está social e profissionalmente integrado na sociedade.

7- Os critérios de escolha e determinação da medida da pena impostos pelas normas dos artigos 70º e 71º do Código Penal, não foram a nosso ver devidamente ponderados pelo Tribunal a quo.

8-O Tribunal deve, assim, atender a todas as circunstâncias que depõem a favor do arguido e que sejam dadas como provadas.

9- De facto, no modesto entender do arguido a pena de multa aplicada, excede os princípios inerentes à aplicação da mesma, que são os da prevenção geral e de prevenção especial, de ressocialização.

10-No caso concreto, foi aplicada ao arguido pena de multa de 210 (duzentos e dez) dias à taxa diária de € 7 (sete) euros, perfazendo a quantia total de € 1.470,00 (mil quatrocentos e setenta euros), que com o devido respeito, é excessiva não apenas face à ilicitude como à medida da culpa.

11- Aliás, pese embora o arguido estar social e familiarmente integrado, não ter antecedentes criminais, a pena de multa aplicada situa-se muito próxima dos seus limites máximos (210 dias), devendo a nosso ver, e em face das circunstâncias do caso concreto fixar-se nos 140 (cento e quarenta) dias.

12- Ora, e não questionando, nem pondo em crise, o quantitativo diário fixado no montante de €7,00 (sete euros), deveria ser este condenado a uma pena de multa ascendendo esta ao montante total €980,00 (novecentos e oitenta euros).

13 – Como ensina o Magister Figueiredo Dias, a medida da culpa condiciona a própria medida da pena, sendo assim um limite inultrapassável desta. Pelo que,

14- De facto, é jurisprudencial e doutrinalmente pacífico que a pena a aplicar em concreto ao arguido deve resultar da actuação de exigências de prevenção especial, numa moldura de prevenção geral, respeitando o limite máximo consentido pela culpa.

15- Aliás, um dos princípios basilares do Código Penal reside na compreensão de que

toda a pena tem de ter como suporte axiológico, normativo com culpa concreta, como desde logo pronuncia o artigo 13º ao dispor que só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.

16- Tal princípio de culpa significa, como já se disse, não só que não há penas sem culpa, mas também que a culpa decide da medida da pena, ou seja, a culpa não constitui apenas o pressuposto fundamento da validade da pena, mas firma-se também como limite máximo da mesma pena.

17- O princípio que a doutrina tem denominado de necessidade das penas, ou da máxima restrição das penas, afirma que a legitimidade das penas criminais depende da sua necessidade, adequação e proporcionalidade, em sentido estrito, para a protecção de bens ou interesses constitucionalmente tutelados.

18- Por outro lado, a aplicação das penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artigo 40º nº 1 do Código Penal.

19- “ 1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial.

2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa.

3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

20-A moldura de prevenção, comporta ainda abaixo do ponto óptimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos “é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar–se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico – abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos“.

21- Efectivamente, o ponto de partida das finalidades das penas com referência à tutela necessária dos bens jurídicos reclamada pelo caso concreto e com significado prospectivo, encontra–se nas exigências de prevenção geral positiva ou de integração, em que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal.

22-O ponto de chegada está nas exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização, ou, porventura a prevenção negativa relevando de advertência...

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