Acórdão nº 795/23.3 BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 2023-11-23

Ano2023
Número Acordão795/23.3 BELRA
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo, Subsecção Social, do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
O Ministério da Administração Interna, no âmbito de Providência Cautelar apresentada por L........, Agente da PSP, tendente, em síntese, à suspensão da decisão daquela Entidade, de 29.05.2023, pela qual lhe foi aplicada a pena disciplinar de demissão no âmbito de processo disciplinar contra si instaurado, com o n.º .......6DIS, inconformado com a Sentença proferida 8 de setembro de 2023, que julgou procedente o presente processo cautelar, veio em 29 de setembro de 2023 interpor recurso jurisdicional da referida decisão, proferida em primeira instância no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria.
Formula o aqui Recorrente/MAI nas suas alegações de recurso, as seguintes conclusões:
“A. A douta Sentença recorrida julgou «totalmente procedente o presente processo cautelar e, em consequência, suspendeu a eficácia da decisão do Ministro da Administração Interna, datada de 29.05.2023, pela qual foi aplicada ao Requerente a pena de demissão, até ao trânsito em julgado da ação principal».
B. Porém, salvo melhor e douta opinião, o Tribunal a quo incorreu em erro sobre os pressupostos de facto e de direito e em erro de julgamento.
C. Na verificação do requisito do fumus boni iuris, o Tribunal a quo incorreu em erro de apreciação dos factos e do direito, na medida em que a competência dos superiores hierárquicos abrange sempre a competência dos subordinados, nos termos do artigo 58.°, n.ºs 1 e 2 do EDPSP, podendo aqueles determinar a reformulação ou anulação de qualquer ato dos seus subordinados. Isto significa que, in casu, o Diretor Nacional da PSP, por ser o órgão máximo da cadeia hierárquica de comando, pode ordenar a reformulação do relatório final do procedimento disciplinar sem que tal constitua uma violação dos princípios da independência e isenção do instrutor.
D. Mesmo que assim não se entenda, o que por mera hipótese académica se admite, in casu, independentemente da verificação deste vício, o conteúdo do despacho suspendendo seria o mesmo.
E. Efetivamente, a pena disciplinar que era proposta antes da reformulação do relatório final era a suspensão agravada, sendo competente para aplicá-la o Diretor Nacional da PSP. Nesse momento, confrontado com os factos praticados pelo ora Recorrido, proporia, em despacho fundamentado, a aplicação de uma pena expulsiva, primeiramente para apreciação no Conselho de Deontologia e Disciplina da PSP e, posteriormente, para decisão do Ministro da Administração Interna.
F. Assim, uma vez que o vício de violação de lei gera a anulabilidade do ato, estando provado que o conteúdo do ato seria o mesmo, nos termos da alínea c) do n.º 5 do artigo 163.° do CPA, não se verifica o efeito anulatório.
G. Quanto à não realização da perícia psiquiátrica médico-legal, bem como à ausência de despacho do instrutor a indeferi-la, consideramos que não é suscetível de gerar nulidade procedimental, por não poder ser considerada uma diligência essencial. Com efeito, o Recorrido já tinha sido submetido a este meio de prova no processo criminal, onde se deram como provados todos os factos que estão na base da acusação disciplinar.
H. Ademais, a Administração encontra-se vinculada aos factos dados como provados no processo crime, por força do caso julgado material e da unidade superior do Estado, não havendo qualquer obrigatoriedade de repetição das diligências probatórias realizadas no processo criminal.
I. No caso vertente, verifica-se que o instrutor mencionou no relatório final que o, então, Arguido já havia sido submetido à perícia psiquiátrica médico-legal no processo crime, tendo-se concluído, conforme a sentença penal transitada em julgado, que a imputabilidade do Recorrido era ligeiramente diminuída.
J. Assim, salvo melhor e douta opinião, entendemos que a douta Sentença recorrida padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, na análise do requisito do fumus boni iuris.
K. Quanto aos requisitos do periculum in mora e da ponderação de interesses, o Tribunal a quo fundou a sua decisão com base na situação financeira alegada pelo agora Recorrido, nomeadamente na perda de rendimentos.
L. Contudo, o Recorrido apenas juntou prova do montante mensal que despende para pagamento do seu crédito à habitação, não tendo junto qualquer comprovativo de rendimentos do agregado familiar, nem da composição do mesmo.
M. Assim, a douta Sentença recorrida incorreu em erro sobre os pressupostos de facto, por a situação financeira alegada pelo Recorrido não estar devidamente provada.
N. Uma vez que o Tribunal a quo fundamentou a verificação dos requisitos do periculum in mora e da ponderação de interesses na alegada dificuldade financeira em que o Recorrido iria ficar se o ato suspendendo fosse executado, e não estando esta provada, concluímos pela não verificação destes requisitos.
O. Pelo que fica exposto, fica provado e demonstrado que a douta Sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por erro sobre os pressupostos de facto e de Direito, pelo que deve ser anulada.
P. Assim, este Venerando Tribunal Central, enquanto Tribunal de última instância que é, em regra, deve anular a douta Sentença recorrida, substituindo por outra mais conforme à Lei e ao Direito, constituindo uma orientação correta para os tribunais de primeira instância no julgamento destas matérias.
Termos em que, com o mui douto suprimento dos Venerandos Desembargadores, deve este Tribunal Central julgar procedente o presente recurso, por provado, anulando, em consequência, a douta Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 8 de setembro de 2023, substituindo-a por outra que seja mais conforme com a Lei e o Direito, fazendo-se, assim, a acostumada Justiça.”

O aqui Recorrido/L....... veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 16 de outubro de 2023, nas quais concluiu:
“1. O presente recurso não deve sequer ser admitido;
2. O acórdão proferido Pelo Tribunal administrativo e Fiscal de Leiria é intocável e prima por uma clareza jurídica e superior fundamentação irrefutáveis.
3. A sentença deve manter-se inalterável, fazendo-se dessa forma justiça.
Nestes termos e nos melhores de direito. deve o recurso interposto pelo recorrente não ser admitido, ou se assim, não se entender deve ser negado provimento ao mesmo e a douta sentença recorrida ser mantida inalterável, fazendo, Vs. Exas., dessa forma, sã, serena e objetiva Justiça!”

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 20 de outubro de 2023, veio a emitir Parecer em 24 de outubro de 2023, no qual, a final, conclui que “Somos do parecer que deve ser negado provimento ao recurso apresentado, mantendo- se na íntegra a sentença a recorrida, por a mesma não padecer dos vícios que lhe vêm assacados, nem de qualquer outro que cumpra conhecer.”
Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), cumpre decidir.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, onde se suscitou, designadamente, que “Tribunal a quo incorreu em erro sobre os pressupostos de facto e de direito e em erro de julgamento”.

III – Fundamentação de Facto
Dá-se por reproduzida a matéria de facto fixada em 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 .
Em qualquer caso, sem prejuízo do referido, para permitir uma mais fácil e intuitiva avaliação da matéria controvertida e verificação do objeto do Processo, infra se transcrevem alguns dos factos fixados:
“(…)
30. Em 24.06.2021 o instrutor do processo disciplinar n.º .......6DIS elaborou acusação contra o Requerente no âmbito do referido processo, com o seguinte teor (cf. acusação a fls. 214 e seguintes do processo instrutor):
“(…)
Artigo 1.°
No dia .. de .. de 2017, entre as ..H.. e as ..H.., o arguido, introduziu- se nas instalações da messe do Comando Distrital da PSP de Santarém, sitas na Avenida do Brasil, n.º 1, Santarém, com o propósito de se apoderar de bens que ali viesse a encontrar.
Artigo 2º
Para ali se introduzir, o arguido forçou a fechadura da porta que dá acesso a tais instalações, inutilizando-a, provocando um dano no valor de 7,95€ (sete euros e noventa e cinco cêntimos).
Artigo 3.º
O Arguido entrou na messe, percorreu o respetivo interior e dali retirou e levou consigo, fazendo suas, duas garrafas de sumo da marca «C.», no valor total de € 1,11 (um euro e onze cêntimos).
Artigo 4.º
Pelo exposto foi o Arguido condenado como autor material de um crime de furto simples - conforme decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, relativa ao NUIPC 11/17.7 PESTR, transitada em julgado a 14 de janeiro de 2021, tendo sido condenado com a pena de 40 (quarenta) dias de multa, à taxa diária de 7,00 € (sete euros) e ao pagamento da taxa de justiça no valor de 2 (duas) Unidades de Conta.
Artigo 5.º
As condutas descritas constituem assim infração disciplinar nos termos do Artigo 3.o do EDPSP, tendo o arguido infringido o Dever de Aprumo previsto no Artigo 19.o, n.ºs 1 e 2, alíneas a)e f) do mesmo estatuto.
Artigo 6.º
O arguido não goza de nenhuma das circunstâncias dirimentes da responsabilidade disciplinar previstas no Artigo 38J do EDPSP.
Artigo 7.
O arguido...

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