Acórdão nº 7920/19.7T8VNF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18-01-2024

Data de Julgamento18 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão7920/19.7T8VNF-A.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- RELATÓRIO

AA e mulher BB instauraram, em 30/12/2019, ação especial de insolvência contra EMP01..., Lda., com sede na Rua ..., ... ..., pedindo que esta fosse declarada insolvente.
Por sentença proferida em 16/06/2020, transitada em julgado, declarou-se a requerida EMP01..., Lda. insolvente.
O administrador da insolvência emitiu parecer no sentido de que a insolvência fosse qualificada como culposa e fosse afetado por essa qualificação CC, sócio e gerente da sociedade devedora.
Para tanto alegou, em suma, que a sociedade devedora, desde o ano de 2017 apresenta um saldo de ativo não corrente nulo.
Na transição de 2017 e 2018, foi transmitido grande parte do ativo da empresa devedora, em que o valor alcançado serviu para fazer face à liquidação de grande parte das dívidas existentes até então, mas foram prejudicados outros credores que reclamaram os seus créditos e que viram reconhecidos créditos sobre a insolvência no montante global de 243.771,88 euros.
A devedora foi condenada a pagar duas indemnizações, no montante global de aproximadamente 150.000,00 euros, em janeiro de 2018 e setembro de 2019, respetivamente, sem que tivesse incluído essa dívida na sua contabilidade, o que a torna enganosa e fictícia por ocultar valores relevantes e contrariar o princípio da verdade do balanço.
Pelo sócio gerente da devedora e o genro deste foi constituída uma nova sociedade, denominada EMP02..., Lda., para a qual foram transferidas maquinarias, carrinhas, trabalhadores e obras em curso que a devedora detinha, o que indica a ocultação de bens e atos de delapidação do património desta.
A devedora devia apresentar-se à insolvência em 2017, uma vez que, em junho de 2016, foi constituída uma dívida de 82.325,29 euros para com o Condomínio do edifício ...; existe uma dívida de 86,12 euros por contribuições não pagas à Segurança Social dos anos de 2014 e 2015; em janeiro de 2018 e setembro de 219 foi constituída uma dívida para com AA e BB no montante de 158.453,47 euros; em junho de 2020 foi constituída uma dívida para com DD; e foi constituída uma dívida de 17,00 euros para com a Autoridade Tributária.
Não há qualquer informação referente à contabilidade da devedora do ano de 2020, sendo que a última prestação de contas apresentada e registada foi a do exercício do ano de 2018.
Nos três anos anteriores à declaração da insolvência foi vendido o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...49, pelo preço de 100.000,00 euros, e o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...05..., pelo preço de 118.500,00 euros.
Existem cerca de 374,59 euros em caixa, dos quais se desconhece o destino e 50.000,00 euros referentes ao cliente AA.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido de que a insolvência fosse qualificada como culposa e fossem afetados pela qualificação CC, gerente de direito e de facto da sociedade devedora, e EE, gerente de facto desta.
Como fundamento desse parecer alegou, em síntese, que a devedora tem como único gerente de direito, desde a sua constituição, CC, mas era gerida por este e por EE, sendo os dois que decidiam os negócios a encetar pela sociedade devedora e os termos desses negócios, acordavam as relações comerciais que a devedora mantinha com terceiros, com quem tratavam, emitiam cheques, contactavam bancos e geriam, administravam e representavam toda a atividade da sociedade devedora.
Desde pelo menos 30 de junho de 2019, os identificados CC e EE deixaram de entregar os elementos contabilísticos da sociedade devedora necessários para que fosse elaborada a contabilidade e inexiste contabilidade organizada respeitante ao exercício do ano de 2020.
Ambos os gerentes foram condenados pela prática de um crime de abuso de confiança na qualidade de gerentes da sociedade devedora por factos ocorridos no ano de 2012.
Por decisões transitadas em julgado em 06/04/2018 e 30/10/2019, a sociedade devedora foi condenada a pagar a AA e BB as quantias de 17.379,00 euros e 137.586,10 euros, respetivamente, e o balancete geral acumulado daquela relativo ao exercício económico do ano de 2019 não só não reflete essas dívidas, como regista precisamente o oposto, ou seja, que a devedora é credora dos identificados AA e BB.
Desde 31/12/2015, a devedora não tem qualquer trabalhador ao seu serviço e apresentava uma dívida de 82.325,19 euros, pelo que, a partir do encerramento do exercício do ano de 2016 mostrava-se incapaz de gerar riqueza, estando apenas a acumular prejuízos.
Após aquela data, constituiu-se a descrita dívida de 137.586,10 euros da sociedade devedora para com AA e BB.
Face à inércia de CC e EE em adotarem medidas de contenção de prejuízos acabaram por ser reconhecidos créditos sobre a insolvência no montante global de 243.771,88 euros, parte significativa dos quais foram constituídos e venceram-se a partir de 01/01/2017.
Procedeu-se à notificação da sociedade devedora e citou-se CC e EE para deduzirem, querendo, oposição.
A sociedade devedora e CC deduziram oposição, defendendo-se por impugnação, sustentando que EE nunca foi gerente de facto da sociedade devedora e impugnando grande parte da facticidade alegada pelo administrador da insolvência e pelo Ministério Público.
Concluíram pedindo que a insolvência fosse qualificada como fortuita; subsidiariamente, a considerar-se a insolvência como culposa, se declarasse afetado por essa qualificação apenas o gerente de direito, CC.
EE deduziu oposição, defendendo-se por impugnação, impugnando grande parte da facticidade alegada pelo administrador da insolvência e pelo Ministério Público.
Concluiu pedindo que fosse absolvido da proposta de afetação pela qualificação da insolvência como culposa.
Os credores AA e BB responderam às oposições alegando que a oposição apresentada por EE é extemporânea.
Pugnaram no sentido de que a insolvência fosse qualificada como culposa e afetados pela qualificação CC e EE.
Concluíram pedindo que se ordenasse o desentranhamento dos autos da oposição apresentada por EE, se condenasse este como litigante de má fé em multa e em indemnização e se julgasse procedente o incidente de qualificação da insolvência como culposa e afetados por essa qualificação CC e EE.
Proferiu-se despacho saneador tabelar, fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova e conheceu-se dos requerimentos probatórios apresentados pelo administrador da insolvência, Ministério Público, oponentes e pelos credores AA e BB.
Realizada a audiência final, em 15/06/2023, proferiu-se sentença em que se qualificou a insolvência como culposa e afetados pela qualificação CC e EE, a qual consta da seguinte parte dispositiva:
“Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decido:
a) Qualificar como culposa a insolvência de EMP01..., Lda. declarando afetados pela mesma CC e EE.
b) Fixar em 7 (sete) anos o período da inibição de CC e de EE para o exercício do comércio, ocupação de cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa;
c) Fixar em 7 (sete) anos o período da inibição de CC e de EE para o exercício do comércio, ocupação de cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa;
d) Determinar a perda de CC e de EE de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por eles e condená-los na restituição de eventuais bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos;
e) Condenar, ainda, os requeridos CC e EE a pagar aos credores o montante de € 30.000,00, cada um, de indemnização aos credores dos créditos reconhecidos na lista apresentada pelo Administrador da Insolvência nos autos principais.
Fixo o valor do incidente em €30.000,01.
Custas pelos afetados CC e EE - artigo 526º, nº1 e 2 CPC ex vi artigo 17º CIRE”.

Inconformados com o decidido os credores AA e BB interpuseram recurso, em que formularam as seguintes conclusões:

A) A apelação circunscreve-se apenas ao montante da condenação imposta aos gerentes de direito e de facto, aqui apelados CC e EE, enquanto pessoas afetadas pela insolvência, para indemnizar os credores da devedora/insolvente nos termos da al. e) do n.º 2 do art.º 189.º do CIRE;
B) É vasta (e desigual) a panóplia de situações suscetíveis de levar à qualificação duma insolvência como culposa, como é vasta (e também desigual) a panóplia de atuações dos afetados sujeitos à condenação/indemnização do art.º 189.º, n.º 2 al. e) do CIRE;
C) Conforme sustenta a Jurisprudência dos Tribunais Superiores e do próprio Supremo Tribunal de Justiça, apesar de os tribunais estarem sujeitos aos princípios da proporcionalidade e proibição do excesso, e o próprio dever de indemnizar ter os seus “limites”, o “quantum” indemnizatório tem de alguma forma que se relacionar com o grau de culpa das pessoas afetadas e/ou com a gravidade da ilicitude, isto é na exata medida em que o comportamento das pessoas afetadas contribuíram para a criação ou agravamento da insolvência, não podendo as mesmas deixar de ser responsabilizadas com o devido rigor (aresto do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. 439/15.7T8OLH-J.E1.S1, datado de 22/06/2021, disponível em www.dgsi.pt);
D) São as circunstâncias do caso em concreto (tudo o que está provado no processo: o que levou à qualificação e o que os afetados alegaram e provaram em sua defesa) que os tribunais devem tomar em consideração para fixar as indemnizações, nomeadamente o grau de culpa e a gravidade da ilicitude da pessoa afetada (da contribuição do comportamento da pessoa afetada para a criação ou agravamento da insolvência);
E) No caso subjudice, todos os atos que conduziram à situação de insolvência da sociedade insolvente transbordam “má-fé” e má índole dos Requeridos/Apelados, os quais até são...

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