Acórdão nº 792/19.3T8PVZ.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-09-26

Ano2022
Número Acordão792/19.3T8PVZ.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 792/19.3 T8PVZ.P1
Comarca do Porto
Juízo Central Cível de Póvoa de Varzim (Juiz 3)


Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
Em 30 de Abril de 2019, “R..., L.da” intentou no Juízo Central Cível de Póvoa de Varzim acção declarativa sob a forma de processo comum (distribuída ao Juiz 3) contra “J..., L.DA”, peticionando a sua condenação a pagar-lhe a quantia de €67.543,00, acrescida de despesas e juros de mora.
A pretensão formulada está assim substanciada:
No âmbito da actividade que constitui o seu objecto social (actividade de despachante) ajustou com a ré a prestação, por esta, de serviços de coordenação, planeamento e controlo de uma expedição, por via aérea, de mercadorias, avaliadas em €59.850,00, da sua cliente “F...”, desde as suas instalações em S. João da Madeira até às instalações da “K...”, em Dongguan, Guangdong, na China, ou seja, um transporte “porta a porta”.
Solicitou à ré que assegurasse a contratação de um seguro que garantisse a mercadoria durante todo o processo de transporte, desde as instalações da “F...” até às instalações da “K...”.
Acertados os termos do contrato, a mercadoria foi entregue à ré, que a expediu e cobrou à autora o preço orçamentado e acordado pelo seguro, frete de despacho na origem/destino e ainda das despesas com transferência de Hong-Kong para Dongguan.
Porém, a mercadoria desapareceu do aeroporto de Hong-Kong, alegadamente, por ter sido entregue a terceiro não identificado cuja identidade se desconhece por uma sociedade subcontratada pela ré, a “X..., Ltd.”, ou seja, não chegou a ser entregue no destino, as instalações da “K...”.
Sucede que, devido a erro grosseiro de um funcionário da ré, o contrato de seguro entre a Ré e a sua seguradora não foi celebrado nos termos acordados com a autora, pois foi contratado um seguro que mencionava como local de início de risco as instalações da “F...” e como local de término do risco o aeroporto de Hong-Kong.
As seguradoras contratadas declinaram qualquer responsabilidade por consideraram que a mercadoria chegou ao destino contratado (aeroporto de Hong-Kong) sem qualquer percalço e, uma vez que ninguém assumia a responsabilidade pelo sucedido, a “F...” demandou a aqui autora no Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim, no qual, sob o n.º 1662/15.0 T8PVZ, correu acção judicial, na qual foi chamada a intervir, a título acessório, a aqui ré.
Na sentença aí proferida, a ré, aqui autora, foi condenada a pagar à “F..., Lda.” a quantia global de €67.543,00, pagamento que já efectuou.
Na fundamentação da sentença condenatória, é-lhe reconhecido direito de regresso contra a “J..., L.DA” e é esse direito que aqui vem exercer.
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Citada, a ré apresentou contestação, defendendo-se por excepção e por impugnação.
Na defesa por excepção, invoca a prescrição do direito da autora.
Exercendo a actividade transitária, regulada pelo Decreto-Lei nº 255/99, de 7 de Julho, nos termos do disposto no artigo 16.º deste diploma legal, o direito de indemnização resultante da responsabilidade do transitário prescreve no prazo de 10 meses a contar da data da conclusão da prestação de serviço contratada, prazo que, há muito, estava esgotado quando foi citada, pois o serviço que prestou à autora foi concluído em 28.03.2015.
Na defesa por impugnação, alega que o contrato de seguro foi celebrado por intermédio de uma plataforma electrónica que, por defeito, nas expedições para a China, só aceita como destino Hong Kong e apenas descobriu isso após o que ocorreu neste caso, tendo o proprietário da mediadora “A..., L.da”, a posteriori, informado que para as expedições para a China continental o destino final deve ser inserido manualmente por ele e após a elaboração do certificado electrónico.
Alega, ainda, que, verificado o lapso, acionou, de imediato, o seu seguro de responsabilidade civil junto da sua seguradora U..., mas ainda não recebeu desta qualquer resposta.
Requereu a intervenção acessória de “A..., L.da” e de “U...”, com representação para a área dos sinistros em Portugal assegurada por “S...” porque, se vier a ser condenada, terá direito de regresso sobre elas, a primeira, porque o serviço de utilização da sua plataforma informática de celebração de contratos de seguro de cargas que disponibiliza apresenta, reconhecidamente, deficiências de funcionamento no destino “China”, a segunda, porque havia transferido para ela a sua responsabilidade civil decorrente da sua actividade transitária, contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...-....
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A autora apresentou articulado de resposta à contestação, pronunciando-se quanto à matéria da excepção da prescrição, que diz não ocorrer, e opondo-se à intervenção acessória provocada, pois considera que a ré não terá o direito de regresso que reclama.
A ré, por seu turno, apresentou articulado de resposta à resposta da autora, reafirmando os seus pontos de vista expressos na contestação, designadamente a verificação dos requisitos da intervenção acessória que requereu.
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Por despacho de 24.10.2019, foi admitida a requerida intervenção e, citadas as chamadas, ambas vieram apresentar articulado próprio.
A chamada A..., L.da” alega que, realmente, criou uma Plataforma Informática denominada AWTRANS, que permite aos seus clientes, que acordaram aderir à mesma, celebrarem online os seguros de mercadorias transportadas por conta dos seus clientes, exclusivamente, na seguradora “O..., SA”, sendo que os clientes que acordaram obter o acesso a essa plataforma sujeitaram-se aos respectivos termos que dela constam.
Nega, por isso, qualquer responsabilidade no que aconteceu com a mercadoria expedida.
Por seu turno, a chamada “U...”, admite ter celebrado o contrato de seguro invocado pela ré, o qual estava em vigor no ano de 2015, mas secunda a sua segurada quanto à prescrição do direito que a autora aqui quer fazer valer.
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Tendo dispensado a realização de audiência prévia, a Sra. Juiz fixou o valor da causa (em €72.045,04), proferiu despacho saneador tabelar, fixou o objecto do processo e enunciou os temas de prova, sem reclamações, admitiu a produção dos meios de prova indicados pelas partes e foi logo designada data para a audiência final.
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Em 15.09.2021, realizou-se a audiência final, em uma só sessão, após o que, com data de 18.10.2021, foi proferida sentença[1] que julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido.
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Inconformado com a sentença, em 22.11.2021, a autora dela interpôs recurso de apelação, com os fundamentos explanados na respectiva alegação, que condensou nas seguintes conclusões:
«A – O presente Recurso incide apenas sobre questões de Direito.
B – É incontestável a matéria de facto dada por provada, sendo certo que, para enquadramento das alegações da Recorrente importará notar os seguintes pontos:
“16. (29.ª) A chamada J..., L.DA foi contratada pela 1ª ré para providenciar serviços de transitário no planeamento e controlo de operações relacionadas com a expedição a mercadoria da autora, tendo sido solicitado serviço adicional de seguro de carga; 25. A R. foi citada na presente acção a 6/05/2019; 26. A R. foi citada como interveniente acessória no Processo supra id. em 15) em 31/05/2016.”.
C – Lê-se na fundamentação da decisão o seguinte: “Porque assim, enquanto credora do serviço de transporte da mercadoria e de celebração de contrato de seguro correspondente, à A. cabia exercer o seu direito indemnizatório sobre a R., enquanto transitária, no prazo de 10 meses contados desde a data da conclusão do serviço contratado, pelo que, não o tendo feito nem tendo nesse período manifestado esse propósito nos termos do art. 323.º, n.º 1 do CC, é forçoso concluir pela prescrição de tal direito”.
D – Contudo, como se pode ler no Sumário do Ac.STJ de 14-01-2014, processo 2896/04.TBSTB.L2.S1, Relator Ana Paula Boularot, “I. A actividade transitária vem definida no artigo 1º, nº2 do DL 255/99 de 7 de Julho como sendo aquela que «consiste na prestação de serviços de natureza logística e operacional que inclui o planeamento, o controlo, a coordenação e a direcção das operações relacionadas com a expedição, recepção, armazenamento e circulação de bens ou mercadorias,(…)”, pelo que “III. As empresas transitárias respondem perante os clientes que consigo contratam, como se fossem elas próprias as transportadoras que tivessem incorrido em incumprimento, empresas estas por si contratadas para efectuarem o transporte, (…).”.
E – E também se pode ler no Sumário do recente Ac. TRL de 01-07-2021, processo 28983/18.7T8LSB.L1-2, Relator Inês Moura, “1 - De acordo com o disposto no art.º 15.º n.º 1 do Decreto Lei 255/99 de 7 de julho, diploma que rege sobre a atividade transitária, a R. enquanto empresa transitária contratada, responde perante a A. sua cliente, não só pelo incumprimento das suas obrigações enquanto tal, mas também pelo das obrigações contraídas pelo terceiro com quem outorgou o contrato de transporte (…)”, pelo que “3 - (…) tudo se passa como se tivesse sido ela a transportar a mercadoria, não havendo que excluir a aplicação do art.º 32.º da Convenção CMR relativo ao regime da prescrição”, aplicando-se pois o “(…) o prazo especial previsto no art.º 32.º da Convenção CMR, que por ser especial afasta também o prazo ordinário da prescrição de 20 anos estabelecido no art.º 309.º do C.Civil.”.
F - Sendo certo, ainda, que tendo sido convencionado, in casu, o transporte aéreo de mercadorias, sempre se deverá ler, mutatis mutandis, que será aplicável o regime previsto na Convenção de Varsóvia, aplicável ao transporte internacional de mercadorias por via aérea.
G - Dispõe o Artigo 26.º da citada Convenção de Varsóvia: “1 – A acção de responsabilidade deve ser intentada, sob pena de prescrição, no prazo de dois anos a contar da chegada ao destino ou no dia em que a aeronave deveria ter chegado ou da interrupção do transporte.”.
H - Prazo que foi respeitado no caso em
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