Acórdão nº 79/23.7YLPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2024-02-29

Ano2024
Número Acordão79/23.7YLPRT.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: AA e BB
Recorrido: CC.
Tribunal Judicial da Comarca ..., V.Castelo - JL Cível – Juiz ...
Espécie: BNA - Acção Especial de Despejo

CC apresentou requerimento de despejo junto do Balcão Nacional do Arrendamento contra AA e BB, pedindo a desocupação e restituição do locado e ainda o pagamento das rendas em dívida no valor de € 9.130,00 (nove mil, cento e trinta euros), o pagamento de valor indemnizatório correspondente ao dobro das rendas respeitantes aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2022 e Janeiro de 2023, no total de € 3.600,00 (três mil e seiscentos euros), acrescidos dos juros de mora, calculados à taxa legal.

Os requeridos apresentaram uma oposição nos termos constantes do acto com a referência ...84.

Atenta a oposição deduzida, o Balcão Nacional do Arrendamento apresentou os autos à distribuição.

Nos presentes autos foi proferido o seguinte despacho:
Assim sendo e perante o exposto, não tendo os requeridos procedido ao pagamento da caução imposta pelo artigo 15º-F, nº 3 do NRAU, não se admite a oposição deduzida, tendo-se a mesma por não deduzida nos termos do nº 4 do artigo 15º-F do referido diploma legal.

Inconformado com esta decisão, dela interpuseram recurso os Réus, sendo que, das respectivas alegações de recurso extraíram, em suma, as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso da decisão proferida em 10-07-2023 que não admitiu a oposição deduzida pelos ora recorrentes, por inobservância do pagamento da caução previsto no n.º 4 do art. 15º-F do NRAU.

2. Não concordam os recorrentes nem podem concordar com a posição e interpretação firmada, motivo pelo qual recorrem.

3. Os ora recorrentes apresentaram tempestivamente oposição ao procedimento especial de despejo apresentado, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 15º-F da Lei, 6/2006, de 27 de fevereiro, procedendo ao pagamento de taxa de justiça e caução.

4. Entendeu o Tribunal que os recorrentes não observaram o disposto no nº 3 do referido art. 15º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro pois “não procederam ao pagamento da caução devida”.

5. Entendem os recorrentes que a decisão enferma de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. b) do CPC, porquanto não especifica os fundamentos de facto que justificam a decisão e ainda que tal posição foi assumida por erro de interpretação de direito, como se explanará.

6. Mais entendem que o Tribunal a quo deveria, em uso do dever de gestão processual deveria ter convidado os recorrentes, enquanto requeridos a suprir a falta, ou seja, a proceder ao eventual pagamento da caução remanescente.

7. Entendem os recorrentes por nula a decisão porquanto esta não especifica os fundamentos de facto que fazem o Tribunal afirmar que “Os requeridos deduziram oposição, porém não procederam ao pagamento da caução devida e a que alude o art. 15.º-F, n.º 3 da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro.”

8. A motivação é gravemente insuficiente, senão mesmo absolutamente em falta, em termos tais que não permitem ao destinatário, os recorrentes, a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial, restando aos recorrentes para o exercício da sua defesa ter de tentar conjecturar o entendimento do Tribunal.

9. Os recorrentes vêem assim a sua defesa coarctada em duas ocasiões, primeiro pela inadmissão da oposição deduzida e depois na reacção possível, através do presente recurso.

10. Posto isto, importa reflectir sobre o erro de interpretação e aplicação do direito no caso em concreto que se entende ter ocorrido.

11. O pedido deduzido de desocupação do locado tem como fundamento o não pagamento das rendas, sendo que a oposição apresentada e não admitida versa precisamente sobre o fundamento, que se advoga como inexistente, discutindo-se, precisamente, os montantes em dívida, que se documentam.

12. Atente-se à enunciação do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, designadamente o n.º 3:
”3 - Com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos n.os 3 e 4 do artigo 1083.º do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.” – sublinhado e negrito nossos.

13. A oposição que não foi admitida sindica o valor reclamado como correspondente a rendas em dívida e documenta o seu raciocínio, apurando um montante efectivamente em dívida e do qual presta caução através de depósito autónomo com o DUC refª ...12 no valor de €130,00 (cento e trinta euros).

14. O Tribunal a quo limita-se a relatar que a caução não se demonstrou paga.

15. Assumem os recorrentes que o entendimento do Tribunal foi o de que por não corresponder o valor reclamado pelo requerente ao prestado em caução nem corresponder ao máximo de seis rendas, implicou uma inobservância, pela parte dos requeridos ora recorrentes, da disposição legal.

16. O que se tem por incorrecto. Enfermou o douto Tribunal a quo de erro de interpretação da norma legal porquanto a disposição do n.º 3 do referido artigo 15.ºF dispõe que o requerido deve pagar uma caução no valor das rendas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas.

17. Nesta fase inicial, ainda de exercício do contraditório, princípio basilar do nosso ordenamento jurídico, previsto no art. 15º-F do NRAU e 3º do CPC e ainda o princípio de igualdade das partes, previsto no artigo 4º do CPC.

18. Inexiste, nesta fase, factualidade dada como assente pelo que por força dos elementos de interpretação da lei, designadamente o caracter normativo, o disposto no art. 9º do Código Civil e situando-nos numa orientação objectivista, somos a dizer que

19. O art.9º/1 CC, ao impor que o intérprete reconstitua o pensamento legislativo a partir do texto da lei, mostra que pode haver oposição entre o elemento literal e os elementos não literais, mas não entre cada um destes últimos. Assim, deve o intérprete escolher a interpretação que, dentro dos limites impostos pela correspondência mínima com a letra da lei e com o apoio na justificação histórica da lei, melhor se integrar no sistema jurídico e melhor se adequar às necessidades sociais.

20. Posto isto, a lei refere expressamente “valor das rendas em atraso” que nesta fase não estão dadas como assentes pelo que é entendimento dos recorrentes que, sindicando os requeridos o valor em dívida e cumprindo com a sua obrigação de caucionar “o valor das rendas em atraso”, observaram a disposição legal do n.º 3 do art. 15º-F do NRAU.

21. Não se crê que a interpretação que parece ter sido feita pelo Tribunal a quo, de que o valor das rendas em atraso que a lei exara deva corresponder ao valor reclamado pelo requerente pois que se fosse tal o pensamento do legislador, assim o teria exarado na previsão legal, numa derradeira obrigatoriedade de o requerido caucionar o valor demandando como correspondendo, in casu, a rendas em atraso, até um máximo correspondente a seis rendas.

22. O que não fez.

23. Os recorrentes liquidaram a taxa de justiça devida e liquidaram a caução, o valor das rendas em atraso, em estrito cumprimento do que a lei prevê.

24. Não existia fundamento para a decisão que veio a ser proferida.

25. A interpretação que terá acontecido pelo Tribunal enferma de erro de interpretação e atenta contra os princípios da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP e coarcta o direito de defesa previsto no artigo 20.º da CRP.

26. Mostra-se satisfeita a caução, razão pela qual terá de ser revogada a decisão proferida e substituída por uma que admita a oposição deduzida, seguindo a tramitação os autos os seus ulteriores termos.

27. Por fim, entendem os recorrentes que mal andou o Tribunal quando proferiu a decisão de que se recorre, sem observar o dever de gestão processual, legalmente previsto no art. 6.º do CPC, designadamente no seu n.º 2.

28. Deste preceito legal resulta uma verdadeira incumbência para o Tribunal e não um poder discricionário dependente do critério do juiz.

29. Estamos perante uma situação em que o Tribunal se limitou a alegar que a caução não se mostra paga.

30. Contudo, existe pagamento de caução.

31. Poderá o montante liquidado não corresponder ao correto, situação em que se entende que deveria o Tribunal diligenciar por convidar a parte a corrigir o seu erro, tal como acontece quando a parte não líquida a taxa de justiça ou comprova o apoio judiciário requerido ou concedido.

32. Não estender a mesma cortesia à caução e no caso concreto, considerando que efectivamente houve pagamento de caução, é um desserviço da justiça e seus valores, designadamente o da igualdade de tratamento.
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O Apelado não apresentou contra-alegações.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II – Delimitação do objecto do recurso.

Sendo certo que, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, pode ser enunciada a seguinte questão a decidir:
- Analisar da existência ou não das nulidades e da inconstitucionalidade invocadas.
- Se existe fundamento legal para revogar a decisão...

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