Acórdão nº 7874/19.0T9LSB.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 24-01-2023

Data de Julgamento24 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão7874/19.0T9LSB.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


1–Relatório


No processo nº 7874/19.0T9LSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 10, foi proferida sentença, datada de 24/06/2022, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
1. Condenar o arguido A pela prática de 1 (um) crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, previsto e punido pelas disposições conjugadas nos artigos , 107°, n.º 1, 105°, do RGIT e artigo 30º, n.º 2 do C. Penal., na pena de 2 (dois) ano e 6 (seis) meses de prisão;
2. Ao abrigo do disposto nos artigos 50º, 51º, n.º 1, alínea a), 53º e 54º do CP, 14º, n.º 1 do RGIT, decido suspender a execução da pena aplicada ao arguido A, por igual período, sujeita a regime de prova e sob condição de o arguido pagar 100€ (cem euros) mensais à demandante, por conta da indemnização em que vão condenados, até ao termo do período de suspensão;
3.– Condenar a sociedade B, pela prática de um 1 (um) crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social na forma continuada, previsto e punido pelos artigos , , n.º 3, 105º e 107º do R.G.I.T., aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/06, em conjugação com os artigos 30°, n.º 2 e 79°, do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de 5€ (cinco euros), perfazendo 1.000€ (mil euros);
4.–Julgar parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização civil deduzido contra os demandados A e B, e consequentemente, condena-los a pagar à demandante a quantia de 63.610,54€ (sessenta e três mil seiscentos e dez euros e cinquenta e quatro cêntimos), acrescida dos juros vencidos e vincendos, calculados, à taxa legal, desde a data da notificação dos demandados para contestarem o pedido de indemnização civil, até efetivo e integral pagamento. (…)”
*

Inconformado com esta decisão veio o Instituto da Segurança Social, I. P., na qualidade de demandante civil, recorrer da mesma, formulando as seguintes conclusões:
1- O objeto do recurso prende-se com a seguinte questão: O(a) Meritíssimo(a) Juiz do Tribunal " a quo " ter condenado os demandados B. e A, a pagarem ao demandante a quantia de € 63.610,54, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, mas, calculados à taxa legal, prevista na Portaria n.° 291/03, de 08.04, desde a data da notificação dos demandados para contestarem o pedido de indemnização civil, até efetivo e integral pagamento.
2- Não tem aplicação ao caso concreto, a doutrina constante do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.° 4/2002, de 27.06.2002, publicado no DR n.° 146, série I-A, uma vez que, esta apenas visa as situações em que tenha existido atualização da indemnização, quer por aplicação da correção monetária ao pedido inicial, quer por avaliação atualizada do desvalor do dano, o que não é desde logo o caso.
3- A doutrina daquele acórdão tem particular incidência nos casos em que se considerou a atualização até á data da sentença e se coloca a questão de, em aplicação do artigo 805.° n.° 3 do Código Civil, contar os juros desde a citação; se assim fosse, o titular do direito à indemnização beneficiaria de uma duplicação relativamente ao tempo que mediou entre a citação e a sentença: acumularia juros e atualização monetária.
4- Por outro lado, o Tribunal "a quo" parece entender que, por a mora ser resultante de um facto ilícito a taxa de juros aplicável é a legal, prevista no Código Civil e não a prevista nos termos do artigo 3.° n.° 1 do Dec. Lei n.° 73/99, de 16 de março.
5- Ora, salvo o devido respeito pelo entendimento sufragado pela decisão recorrida, entendemos que o Tribunal "a quo" fez uma errada interpretação da lei substantiva e processual aplicável ao caso em apreço.
6- Na verdade, é consabido que a lei geral não revoga a lei especial, exceto se outra for a inequívoca intenção do legislador (cf. artigo 7.° n.° 3 do Código Civil) e a Segurança Social beneficia de legislação especial, sendo aplicável ao caso sub judicie, o n.° 1 do artigo 16.° do Dec. Lei n.° 411/91, de 17/10 e o n.° 1 do artigo 3.° do Dec. Lei n.° 73/99, de 16/03.
7- O citado Dec. Lei n.° 73/99, regula em geral os regimes dos juros de mora das dívidas ao Estado e outras entidades públicas, qualquer que seja a natureza dessas dívidas, e existindo lei especial, não pode a mesma ser derrogada pela Lei Geral, designadamente pelo Código Civil e Portarias que fixam as taxas de juros previstas naquele Diploma Legal.
8- De resto, a alínea c) do art.° 3.° do RGIT, aprovado pela Lei n.° 15/2001, de 5 de junho, expressamente estipula que se aplicam subsidiariamente (às infrações fiscais não aduaneiras), quanto à responsabilidade civil, "as disposições do Código Civil e legislação complementar", sendo precisamente essa legislação complementar que tem aqui aplicabilidade como, de resto, foi intenção inequívoca do legislador (cf. exórdio do Dec. Lei n.° 73/99, de 16/03).
9-Deste modo, ao pedido de indemnização civil deduzido pela segurança social, em processo comum fundado na prática de crime de abuso de confiança contra a segurança social, aplica-se, a taxa de juros de mora de 1% ao mês, aumentando uma unidade por cada mês de calendário ou fração, se o pagamento se fizer posteriormente ao mês a que respeitarem as contribuições, nos termos do artigo 3.° n.° 1 do Dec. Lei n.° 73/99, de 16/03.
10- A partir de 31 de Dezembro de 2010, por força da entrada em vigor em 1 de janeiro de 2010, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.° 110/2009, de 16/09, as contribuições para as instituições de segurança social devem ser pagas até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que disserem respeito (artigo 43.°), sendo devidos juros de mora por cada mês de calendário ou fracção, pelo não pagamento das contribuições nos prazos legais (artigo 211.°), sendo a taxa de juros de mora igual à estabelecida no regime geral dos juros de mora para as dívidas do Estado e outras entidades públicas e, aplicada nos mesmos termos (artigo 212°).
11- Por sua vez, o artigo 3.° n.° 1 do Dec. Lei n° 73/99, de 16 de Março, com a alteração introduzida pela Lei n.° 3-B/2010, de 28 de Abril, passou a ter a seguinte redacção: "A taxa de juros de mora tem vigência anual com início em 1 de Janeiro de cada ano, sendo apurada e publicitada peio Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, I. P. (IGCP, I. P.), através de aviso a publicar no Diário da República, até ao dia 31 de Dezembro do ano anterior."
12-Daí que, a matéria relativa aos juros em causa não seja enquadrável no artigo 805.° n.° 3 do Código Civil, uma vez que, este preceito regula as situações de responsabilidade por facto ilícito se o crédito for ilíquido.
13- Importa sublinhar que, nos termos das alíneas a) e b) do n.° 2 do artigo 805.° do Código Civil, se a obrigação tiver prazo certo e se a obrigação provier de facto ilícito, há mora do devedor independentemente de interpelação. E recorde-se que a condenação no pedido civil assentou na responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, ou delitual, com consagração expressa no artigo 483.° do Código Civil.
14- Significa isto que há lugar à aplicação do n° 2 do artigo 805° do C. Civil e não, do seu n° 3, existindo mora independentemente de interpelação do devedor, quer porque se trata de obrigação com prazo certo, quer porque ela provém de facto ilícito.
15-A matéria específica da Segurança Social está regulada no Decreto-Lei n.° 73/99, de 16 de março, sendo a taxa de juro a prevista no artigo 3.°, n.° 1 desse mesmo diploma legal.
16-No caso do pedido de indemnização cível formulado pelo Demandante subjaz uma obrigação legal (a obrigação jurídica contributiva), que nasce no ato de pagamento de salários, e de cujo incumprimento resultará a violação ilícita do direito das Instituições da Segurança Social receberem, nos prazos fixados por lei, os respetivos montantes descontados nos salários dos trabalhadores.
17- No caso sub judice temos dois regimes aplicáveis à taxa de juros: a regra geral e a especial, prevista no Dec. Lei n,° 73/99, de 16/03, aplicável às dívidas ao Estado e, por força do disposto no artigo 16.° do Dec. Lei n.° 411/91, de 17/10, às dívidas ao demandante.
18- Nenhuma disposição legal aponta no sentido do direito penal tributário, e muito menos, de forma inequívoca, afastar a aplicação das taxas de juro moratórias que se encontram previstas na legislação especial a que aludimos.
19- Por outro lado, o artigo 129.° do Código Penal, quando alude à «lei civil», não pode ser interpretado no sentido de excluir a aplicação da lei tributária quando esteja em causa a prática de um crime tributário do qual resultou responsabilidade civil.
20- Incontornavelmente, a interpretação e aplicação do direito que a douta sentença proferida pelo(a) Meritíssimo(a) Juiz do tribunal a quo fez da lei, conduziria (caso transitasse em julgado esta decisão), a um claro benefício ao infrator.
21- Com efeito, a nosso ver não é compaginável com uma sã aplicação da justiça que a taxa de juro devida a uma pessoa coletiva pública por responsabilidade civil decorrente da prática de crime de abuso de confiança contra a segurança social seja mais "generosa", mais baixa, e por maioria de razão, diferenciada daquela que normalmente decorre de um qualquer incumprimento prestacional ou tributário.
22- A propósito do ora sufragado no presente recurso, cita-se os seguintes acórdãos: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.06.2012, proferido no âmbito do Processo n.° 10987/05.1TDLSB.L1.SI - 5a Secção, em que foi relator o Exmo. Senhor Conselheiro Rodrigues da Costa, in www.dqsi.pt, e;
23- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22.02.2017, proferido no âmbito do Processo n.° 599/14.4TACBR.C1 JTRC, em que foi relator o Exmo. Senhor Juiz Desembargador Vasques Osório.
24- Como decorre do
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