Acórdão nº 78/14.0TBVFX-C.L3-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-05-25

Ano2023
Número Acordão78/14.0TBVFX-C.L3-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa


No presente incidente de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais que AA requereu contra BB, a requerente interpôs recurso do despacho proferido a 13 de junho de 2022, despacho esse do seguinte teor:
“Tendo em conta o valor auferido pelo requerido BB mensalmente, ponderando também que mensalmente contribui com €150,00 a título de prestação de alimentos para o seu filho CC, tal como o promovido, determina-se que o valor global de prestações de alimentos vencidas devidas seja liquidado em prestações mensais de € 50,00 a descontar no seu vencimento e em prestações de € 300,00 a descontar nos subsídios de férias e de Natal que lhe são processados.”
Na alegação de recurso, a recorrente pediu que seja revogado o despacho recorrido e que seja substituído por outro que determine que o desconto no vencimento do recorrido passe a ser de € 493,21 ou, assim não se entendendo, de € 343,21.
A recorrente formulou as seguintes conclusões:
«1.Vem o presente recurso interposto do douto despacho, que decidiu que “o valor global de prestações de alimentos vencidas devidas seja liquidado em prestações mensais de € 50,00 a descontar no seu vencimento e em prestações de € 300,00 a descontar nos subsídios de férias e de Natal que lhe são processados.”
2.In casu, a fundamentação do douto despacho recorrido limitou-se a transcrever a promoção do Ministério Público, promoção da qual foram as partes sequer notificadas para, querendo, se pronunciarem, tendo o Tribunal a quo imediatamente decidido, prejudicando o exercício do direito ao contraditório plasmado no art. 3.º, n.º 3, do CPC.
3.Sucede que, o Recorrido foi condenado a pagar, a título de alimentos aos filhos, a quantia de € 22.900,00, por decisão que se tornou efetiva em 25 de março de 2021.
4.Ao abrigo do disposto no art. 48.º do RGPTC, devem assim ser-lhe deduzidas no ordenado ou salário os montantes em dívida,
5.Sendo que o art. 738.º n.º 4 do CPC estabelece que, estando em causa a realização coerciva do direito a prestação alimentar de filhos menores, o referencial do rendimento intangível, para assegurar a subsistência do obrigado, é a quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo, a qual atualmente se encontra fixada em € 211,79.
6.Pelo que, auferindo o Recorrido € 705,00 mensais, e sendo o valor impenhorável de € 211,79, seriam penhoráveis € 493,21.
7.Ainda que a este valor seja retirada a pensão de alimentos que continua atualmente a pagar ao filho, no valor de € 150,00, sempre seriam penhoráveis € 343,21.
8.Todavia, postergando-se lei substantiva, determinou-se no douto despacho recorrido que “(…) o valor global de prestações de alimentos vencidas devidas seja liquidado em prestações mensais de € 50,00 a descontar no seu vencimento e em prestações de € 300,00 a descontar nos subsídios de férias e de Natal que lhe são processados.”,
9.Do assim decidido resulta que o desconto ordenado não cumpre o estabelecido nos arts. 48.º do RGPTC e 738.º, n.º 4 do CPC.
10.Considerando que em nenhum segmento do decisório se faz qualquer ilação, análise critica da situação ou se especifica os fundamentos, que levaram o Tribunal a quo a optar pela solução acolhida no despacho recorrido em detrimento de outra, designadamente da perfilhada pela Recorrente e prevista na lei, a decisão proferida está inquinada de nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c), padece de fundamentação de facto e de direito e afigurando-se obscura.
11.Normas jurídicas violadas: artigos 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, arts. 3.º, n.º 3, 154.º, 738.º, n.º 4, todos do CPC, e 48.º do RGPT.»
O requerido respondeu à alegação da recorrente, pugnando pela manutenção do despacho recorrido, tendo formulado as seguintes conclusões:
«IVem a Requerida, ora Recorrente, interpor recurso do douto despacho que decidiu “Tendo em conta o calor auferido pelo Requerido BB mensalmente, ponderando também que mensalmente contribui com € 150,00 a título de prestação de alimentos para o seu filho CC, tal como o promovido, determina-se que o valor global de prestações de alimentos vencidas devidas seja liquidado em prestações mensais de € 50,00 a descontar no seu vencimento e em prestações de € 300,00 a descontar nos subsídios de férias e de Natal que lhe são processados”
IIFoi proferida sentença no âmbito dos autos supra identificados, declarando-se o aqui Recorrente em incumprimento na Pensão de Alimentos estabelecida na Regulação das Responsabilidades Parentais, no total em atraso de 22.100,00 € (vinte e dois mil e cem euros)
IIIA Requerente, aqui Recorrente, solicitou o pagamento coercivo do montante em dívida através do desconto no salário do Requerido, aqui Recorrido, até ao limite máximo no artigo 738.º, n.º 4, do C.P.C.
IVO Requerido, aqui Recorrido, apresentou prova documental suficiente da sua precária situação financeira, inclusive da sua declaração de Insolvência, bem como, um requerimento entregue nos autos principais, onde requer que seja retirada tal quantia do acordo das Responsabilidades Parentais em vigor, por manifesta incapacidade do mesmo em conseguir cumprir com o referido pagamento.
VImporta referir que, apesar do tempo que, eventualmente, possa vir a ser necessário para o pagamento da quantia a que o Recorrido foi condenado a pagar, o douto tribunal “A Quo”, bem andou ao tomar a decisão que agora a Requerente, aqui Recorrente, interpôs recurso, tendo mesma sido fundamentada e fundada nas verdadeiras necessidades do menor CC e dois outros filhos em comum da Recorrente e Recorrido.
VIO que nos leva à questão que deveria ter sido mencionada pela Recorrente, de forma a este doutro tribunal possa estar munido de todos os elementos para a boa apreciação do presente recurso, nomeadamente e mais concretamente, tendo omitido, certamente por lapso, que o Recorrido procede ao pagamento mensal de 150,00 € (cento e cinquenta euros) a título de pensão de alimentos referente ao menor CC, bem como ao pagamento de igual quantia para o filho maior e ainda a estudar, DD, acrescido, ainda, de 80,00 € (oitenta euros) referente às propinas deste último e nunca deixou de proceder ao pagamento da pensão de alimentos dos seus filhos.
VIIAliás, nunca a aqui Recorrente procedeu ao pagamento de qualquer quantia para abatimento do empréstimo bancário referente à casa morada de família.
VIIIAssim, apreciando, de forma exata e correta, a matéria de facto dada como provada, o Tribunal “A Quo”, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova, tomou em linha de conta, quer o limite da legalidade, seu limite balizador, quer ainda as regras da experiência comum, a decisão proferida nos presentes autos não espelha, pois, todos os elementos e provas constantes no processo, correspondendo a uma cabal subsunção dos factos em causa aos normativos legais aplicáveis, devendo ser a mesma, objeto de confirmação por ser justa e acertada!»
São as seguintes as questões a decidir:
da nulidade do despacho recorrido; e
da efetivação da prestação de alimentos.
*

Com interesse para a decisão, importa ter presente que resulta dos presentes autos e do apenso E o seguinte:
1Por sentença proferida a 1 de setembro de 2019, foi declarado verificado o incumprimento por parte do requerido.
2Na fundamentação do acórdão proferido a 23 de fevereiro de 2021, que confirmou a sentença referida no ponto 1, pode ler-se:
«No caso em apreço, o objeto do incumprimento invocado pela requerente é a prestação de alimentos devida aos filhos do requerente e da requerida, numa dupla vertente:
a quantia destinada a solver o empréstimo bancário respeitante à casa onde as crianças habitam;
a quantia ajustada a título de alimentos devidos ao EE.
Ora, da factualidade provada resulta à saciedade que o requerido nunca
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