Acórdão nº 77412/22.9YIPRT.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-11-09

Ano2023
Número Acordão77412/22.9YIPRT.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.–Relatório[1]


N– Gestão de Carreiras Desportivas, Unipessoal, Ldª, com sede em …, e nos autos melhor identificada, intentou procedimento de injunção contra S – Futebol, SAD, com sede em …, e também nos autos melhor identificada, procedimento de injunção esse que, em face da oposição deduzida, se transmutou em acção especial para cumprimento de obrigações emergentes de contrato. Peticionou a Autora a condenação da Ré a pagar-lhe €12.451,10, acrescidos de juros de mora, calculados à taxa legal em vigor, desde a data do vencimento até efectivo e integral cumprimento e a quantia de €150,00, respeitante a custos de cobrança do crédito.

Alegou, em síntese, que no exercício da sua actividade, a pedido e em representação da Ré, intermediou o contrato de trabalho celebrado entre esta e o jogador de futebol J. Em 1 de janeiro de 2020 foi celebrado entre as partes um contrato de intermediação desportiva, mediante o qual a Ré reconheceu a intermediação da Autora na contratação do identificado jogador enquanto representante daquela, e, bem assim que, nos termos desse contrato, a Ré lhe pagaria os seguintes valores: a)- €5.000,00, acrescido de IVA, caso o jogador permanecesse na Ré depois do dia 31.01.2020; b)- €10.000,00, acrescido de IVA, caso o jogador permanecesse na Ré depois do dia 31.08.2020 c)- €10.000,00, acrescido de IVA, caso o jogador permanecesse na Ré depois do dia 31.08.2021 e d)- €10.000,00, acrescido de IVA, caso o jogador permanecesse na Ré depois do dia 31.08.2022; que tais quantias seriam pagas em 1 de setembro de cada ano.

Mais alegou que o jogador J foi jogador da Ré na época desportiva de 2022/2023, mantendo-se como jogador da Ré para além do dia 31.08.2022 e, apesar disso, a Ré não pagou a quantia de €10.000,00 estipulada (conforme alínea d) supra) do contrato de intermediação que celebraram, pese embora ter sido interpelada para o efeito.
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Citada, a Ré deduziu oposição, impetrando a final a improcedência da acção.

Em síntese, sustentou que o aludido contrato padece de várias vicissitudes formais e materiais, que o tornam nulo e, logo, insusceptível de produzir efeitos jurídicos:
invocou a nulidade do contrato de intermediação desportiva, por o mesmo ter sido celebrado por um período de vigência superior ao legalmente permitido, o que determina que não haja lugar ao pagamento de qualquer quantia vencida para além do termo fixado no contrato [31.12.2021].
sustentou que são ilegais os pagamentos devidos pela manutenção da relação laboral, pois que a autora apenas prestou serviços de representação para a contratação do jogador, não tendo havido qualquer renovação/alteração contratual no decurso de várias épocas desportivas.

O contrato padece, ainda, de “multiplicidade de outros motivos que determinam a irregularidade e invalidade formal e substantiva”:
falta de previsão da habilitação, pelo clube, de intermediário para o representar;
omissão do envio do contrato à Liga Portuguesa de Futebol Profissional e à Federação Portuguesa de Futebol;
falta de previsão do número de registo de intermediário;
a cláusula 4.ª é nula porque o dever de confidencialidade implica a violação da exigência imperativa que àquele seja dada a devida publicidade, desde logo, por depósito junto dos organismos competentes.
Propugnou que a taxa de IVA aplicável é a de 16% e não de 23%, não sendo devidos quaisquer juros, uma vez que o pagamento só é devido com a emissão e apresentação da fatura, o que ainda não sucedeu.
Sufragou, por fim, a improcedência do pedido de condenação da ré no pagamento da quantia de €150,00, por as despesas de cobrança não terem sido minimamente concretizadas e, por tal valor, exceder o tecto máximo previsto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio.
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A Autora exerceu contraditório à matéria de excepção invocada pela Ré pugnando pela improcedência e pedindo a condenação da Ré em multa e indemnização como litigante de má-fé. Mais juntou o escrito particular subscrito entre as partes, denominado “contrato de representação” e lista dos intermediários registados junto da Federação Portuguesa de Futebol.

A Ré veio exercer contraditório ao pedido de condenação como litigante de má-fé.
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Por despacho de 30.01.2023, determinou-se a notificação da Federação Portuguesa de Futebol para certificar se a autora se encontrava inscrita, na qualidade de intermediária desportiva, nas épocas de 2020/2021, 2021/2022 e 2022/2023 e a notificação da Liga Portuguesa de Futebol para informar se o contrato em questão foi depositado junto de tais organismos.
As identificadas entidades vieram dar cumprimento ao determinado, juntando os documentos de fls. 47-49, cujo contraditório quanto ao seu teor foi facultado às partes.
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O tribunal considerou que “os factos invocados no requerimento/petição inicial, as questões invocadas em sede de oposição cingem-se a questões de direito, assente que, pela Ré ao invés de impugnar os factos alegados pela Autora, suscitou a invalidade do acordo que sustenta o pedido” e em consequência entendeu mostrarem-se reunidos os elementos necessários para decidir, do que as partes foram notificadas, tendo a Autora apresentado conclusões, pugnando pela condenação da ré no pedido e ainda, em multa e indemnização, no valor de € 3.000,00, com fundamento em litigância de má-fé, e não tendo a Ré emitido pronúncia.
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Foi proferido despacho saneador tabelar, foram identificadas as questões a decidir e, proferida decisão sobre a matéria de facto e aplicado o direito, foi proferida sentença do seguinte teor dispositivo:

Face ao exposto, e ao abrigo das disposições legais citadas, decide-se julgar parcialmente procedente a presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias e, consequentemente, decide-se:
1.- condenar a Ré S - FUTEBOL, SAD, a pagar à Autora N – GESTÃO DE CARREIRAS DESPORTIVAS, UNIPESSOAL, LDA., a quantia de €10.000,00 [dez mil euros], acrescida de IVA, à taxa legal em vigor …, contra a simultânea apresentação/entrega por esta da correspondente factura.
2.- Absolver a Ré do demais peticionado.
3.- Não condenar a Ré S - FUTEBOL, SAD como litigante de má-fé.
Mais se decide condenar a Autora e a Ré nas custas do processo, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 20 % para a Autora e em 80% para a Ré.
Nos termos do disposto no artigo 306.º, n.º 1 e 297, n.º 1, 1.ª parte, ambos do CPC, fixo à presente causa o valor de €12.451,10 (…)”.
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Inconformada, a Ré interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
A.O presente recurso é interposto da douta Sentença proferida em 08.05.2023, a qual julgou a presente ação parcialmente procedente, condenando a Ré no pagamento do valor de €10.000,00, acrescido do IVA aplicável à taxa legal em vigor.
B.Com efeito, entende modestamente a Recorrente que houve errada apreciação e interpretação do direito aplicável, sendo que a remuneração peticionada não é legalmente devida, até porque, disso se apercebendo agora a aqui Recorrente, sempre seria nula a disposição do contrato que obrigaria ao pagamento à Autora.
C.Isto porquanto, sabe agora a Ré, a Autora não se registou nem se matriculou na F.P.F. para a época desportiva 2022/2023, conforme a lei imperativamente lhe impunha (e só já depois de prolatada a sentença tomou conhecimento de tal facto principal – pois que a listagem dos intermediários registados na época 2022/2023 apenas foi publicada e conhecida após 26.05.2023).
D.E não se mostrando a Autora devida e necessariamente licenciada para o exercício daquela atividade para a época desportiva 2022/2023 (cf. facto provado n.º 6 a contrario sensu), mister é reconhecer-se que nunca poderia almejar qualquer direito remuneratório pelo facto de o atleta permanecer ao serviço da Ré após 31/08/2022 (data que está inteiramente inserida na época desportiva 2022/2023),
E.Da mesma forma que, não estando devidamente licenciada para todo o período de execução do contrato de intermediação desportiva celebrado com a Ré, tal como a lei expressamente postula, e só de si se pode queixar por tal facto (sibi imputet) – pois apenas de si dependia o cumprimento de tal obrigação, obviamente que também não estão verificados os pressupostos do direito à remuneração pelo facto de o atleta ter permanecido ao serviço da Ré depois de 31/08/2022.
F.Na verdade, o direito de remuneração da Autora estava inextricavelmente dependente da sua válida matrícula, registo e cadastro (licenciamento) junto dos organismos do futebol profissional (maxime, F.P.F.) para todo o período de duração ou vida do referido contrato de intermediação desportiva,
G.E neste sentido a douta sentença recorrida merece efetiva censura dado que não cuidou de saber (cf. facto provado n.º 6) se a Autora esteve registada como intermediária para todo o período de execução/duração do contrato em crise, até porque uma parcela da remuneração concerne ao facto verificado após 31.08.2022 (inequivocamente época desportiva 2022/2023) – donde ocorre manifesto erro de julgamento.
H.Não podendo, naturalmente, o intermediário desportivo registar-se junto da F.P.F. e depois deixar de estar registado (inscrição e matrícula deve ser renovada todos os anos, cumprindo-se com os apertados requisitos e pressupostos exigidos por lei a cada nova inscrição/registo) durante parte do contrato, sob pena de exercício ilícito de atividade (porque não licenciada).
I.Embora possa entender-se que se trata de questão nova erigida em sede do presente recurso, constitui inequivocamente matéria de conhecimento oficioso do tribunal (além de que o tribunal a quo também analisou, perscrutou e sindicou o registo da Autora junto da F.P.F. como intermediária desportiva – pelo que não é verdadeiramente questão inovatoriamente introduzida na lide 5 6),
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