Acórdão nº 7705/21.0T8VNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2024-01-16

Ano2024
Número Acordão7705/21.0T8VNG.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação nº 7705/21.0T8VNG.P1

Relator: João Ramos Lopes
Adjuntos: Alexandra Pelayo
Ana Lucinda Cabral
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
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Apelante: AA (autor).
Apelada: A..., Ld.ª (ré).
Juízo de comércio de Vila Nova de Gaia (lugar de provimento de Juiz 6) – Tribunal Judicial da Comarca do Porto.
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Intentou o autor a presente acção comum pedindo se declare a anulabilidade das deliberações sociais tomadas na assembleia geral extraordinária da ré de 27 de Setembro de 2021, alegando factualidade em seu entender demonstrativa de que, para lá de não ter sido regularmente convocado para a mesma e de lhe não ter sido prestada a informação que lhe deveria ter sido disponibilizada, deliberaram os sócios sobre matéria que lhes estava vedada, utilizando a gerência mecanismo abusivo e ilegal, pretendendo diminuir os suprimentos prestados pelo autor, violando os preceitos legais concernentes à elaboração do relatório de gestão e contas (deliberaram proceder à substituição do Modelo 22 de IRC e o IES referente ao exercício de 2019, com a justificação que a despesa da empresa B... - factura nº 2019/15, no valor de 61.500,00€ - havia sido imputada erradamente à sociedade, decidindo com tal fundamento retirar tal despesa da rubrica onde se encontrava, passando-a para a conta de valores acumulados a débito do autor, alteração das contas que contraria os princípios contabilísticos da continuidade e da periodização económica).
Contestada (concluindo a ré pela sua improcedência), prosseguiu a causa os legais trâmites e, realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e absolveu a ré do pedido.
Inconformado, pretendendo a revogação da sentença e sua substituição por decisão que julgue a acção procedente, apelou o autor, terminando as alegações formulando as seguintes conclusões:
1- Sempre com o devido respeito por opinião contrária, na modesta opinião do subscritor o Tribunal a quo apreciou a prova de forma errada e, em consequência disso, a decisão da matéria de facto deverá ser alterada, nos termos infra preconizados;
2- Como decorre da motivação do Tribunal recorrido, foi dada relevância ao depoimento de parte dos sócios-gerentes da ré, sem que tais depoimentos tivessem sido sustentados por outros meios de prova, o que acarreta a ilegalidade de tais depoimentos como meios de prova;
3- Pelos motivos acima aduzidos, que se dão aqui integralmente por reproduzidos, deve ser dada como provada a seguinte factualidade, com a redação que se sugere:
“1- Na negociação encetada para aquisição dos lotes de terreno o Autor foi auxiliado pelo representante da sociedade imobiliária “B..., Lda.”, BB.
2- O BB, na qualidade de representante da sociedade de mediação imobiliária “B..., Lda.”, e o Autor acordaram que caso aquele conseguisse baixar o preço dos três lotes de terreno para a quantia de €5.500.000,00 (cinco milhões e quinhentos mil euros), auferia uma comissão de €50.000,00, acrescida do respetivo IVA à taxa em vigor.
3- Foi no contexto e nas condições referidas nos itens anteriores que foi subscrito o contrato promessa de compra e venda datado de 10 de janeiro de 2019.”
4- No que concerne à matéria dada como provada, deve ser suprimido o segmento “Em maio de 2021” vertido no item 18 da matéria dada como provada passando tal quesito a ter a seguinte redação:
“18- Os sócios tiveram conhecimento que foram efetuados dois pagamentos à B..., Lda.: um no montante de €25.000,00, em 01 de agosto de 2019 e outro de €36.500,00, em 8 de novembro de 2019.”
5- O item 19 deve ser eliminado, uma vez que a prova de tal factualidade apenas se baseia nas declarações de parte dos legais representantes da Ré, as quais como não podem consubstanciar-se em mais nenhum outro meio de prova, designadamente do contabilista, necessariamente terá que ser dada como não provada.
6- Deve ser eliminada do item 22 a alusão ao número 18, uma vez que as despesas aludidas neste item, eram do conhecimento e foram autorizadas, na altura, pelo único sócio-gerente da Ré. Aliás, nesta parte, para fundamentar a sua motivação, o Tribunal a quo volta a basear-se ilegalmente nas informações prestadas pelo contabilista, quando isso lhe estava vedado por não ter sido quebrado o seu sigilo profissional.
7- Por fim, deve dar-se como provado, aditando-se um outro item a seguinte factualidade:
- As despesas referidas em 18 foram determinadas pelo A., com o conhecimento e anuência do legal representante da Ré (CC).
8- Alterando-se a matéria de facto dada como provada e não provada, nos termos supra aludidos, o Tribunal ad quem estará em condições de considerar procedente o pedido formulado pelo recorrente, declarando a anulação das deliberações tomadas na Assembleia-Geral Extraordinária de 16 de setembro de 2021.
9- No caso do Tribunal ad quem não comungar das alterações à matéria de facto dada como provada e não provada, o que se admite por mero dever de patrocínio, inexiste quaisquer dúvidas que o Autor, mesmo que se considere que não tinha autorização e agiu em nome próprio (mandato sem representação), não vinculando, assim, a sociedade, mesmo assim a decisão aqui sob escrutínio deveria ser diferente.
10- Como foi suprarreferido e resulta da decisão recorrida, não restam quaisquer dúvidas que o preço final foi fixado na quantia de €5.500.000,00, devido ao acordo realizado entre o Autor e o legal representante da sociedade B..., Lda., BB. Com o seu auxílio, o preço acordado foi reduzido em €100.000,00.
11- De tal redução beneficiou a sociedade ré, na quantia de €50.000,00 e a B..., Lda., numa quantia correspondente.
12- Depois da fixação do preço de aquisição dos lotes de terreno, foi acordado entre o Autor e o legal representante da B..., Lda. que, caso esta lograsse alcançar uma redução no preço do terreno, a diferença daí resultante seria dividida em partes iguais para cada uma das partes. Assim, como o legal representante da B... conseguiu uma redução no preço final de €100.000,00, a sociedade economizou a quantia de €50.000,00 e teria de pagar o valor de €50.000,00 acrescido de IVA.
13- Como veio efetivamente a suceder, agindo o Autor como mandatário da sociedade sem representação.
14- Sucede que, devido aos conflitos, entretanto, ocorridos entre os sócios – vide item 25 da matéria dada como provada – os sócios-gerentes da sociedade não ratificaram a decisão que o A. tinha tomado.
15- Vindo a invocar factos que são manifestamente inverosímeis, como acima foi consignado, uma vez que não faz qualquer sentido afirmar que apenas em maio de 2021 os sócios-gerentes tiveram conhecimento dos pagamentos efetuados à B..., Lda., quando os movimentos da conta bancária, para além de serem muito residuais, não é minimamente credível que os sócios-gerentes, através do sistema online disponibilizado pelo banco não consultassem regularmente os movimentos da conta, o que é reforçado com o desaguisado existente com o Autor, quase dois anos depois, por ignorância, segundo alegam, não tendo, assim, conhecimento de tais movimentos, tendo aprovados as contas do exercício do ano de 2019 em erro!!!
16- O Tribunal a quo, impressionou-se negativamente com o facto de a sociedade imobiliária receber comissões tanto da parte vendedora, como da compradora, o que viola a Lei que regula a atividade de mediação imobiliária e, por isso, entendeu considerar que tal matéria apesar de ter acontecido não podia ser dada como provada.
17- Como está devidamente demonstrado, a sociedade ré deixou de desembolsar a quantia de €50.000,00.
18- Sem a intervenção do Autor e do legal representante da sociedade B..., Lda., a sociedade ré teria pago a mais €100.000,00 pela aquisição dos lotes de terreno.
19- Através do estratagema perpetrado pelos sócios-gerentes da ré, depois de terem aprovado as contas respeitante ao exercício do ano de 2019, o que implica, pelo menos, que capearam as contas bancárias da empresa e, passando mais de um ano, lembram-se que afinal desconheciam a que se deviam dois movimentos na conta bancária titulada pela empresa no Banco 1..., para convocarem uma assembleia geral extraordinária e alterarem as contas, imputando tal montante na conta do sócio AA, conseguindo, assim, duplicar a poupança à custa deste sócio.
20- Seria, assim, preferível e muito menos oneroso, que o sócio AA nada fizesse, nem acordasse, o que acarretaria que a sociedade pagasse pela aquisição dos lotes de terreno a quantia de €5.600.000,00, em vez do montante que efetivamente veio a pagar.
21- O sócio AA preocupado com os interesses da sociedade e concomitantemente com os interesses dos seus sócios, diligenciou uma redução do preço.
22- Os restantes sócios não satisfeitos com a redução, de forma vil e incompreensível, aproveitando-se de alguma ingenuidade do Autor (as cautelas exigiam que tudo que acordou, designadamente com o sócio-gerente CC, fosse reduzido a escrito), pretendem agora, à custa do património deste, duplicar o valor da redução, impondo, assim, que o pagamento da comissão efetuada à B..., Lda. seja suportada pelo Autor.
23- Deste modo, sempre com o devido respeito por opinião diversa, a decisão adotada pelo Tribunal a quo afasta-se de forma incompreensível dos limites aceitáveis pela boa fé, revelando-se manifestamente injusta.
24- Estamos, pois, perante um caso de manifesto abuso de direito, na modalidade suprarreferida, tendo em conta os comportamentos que a ré assumiu.
25 - Choca a consciência jurídica que a ré possa, através da deliberação em causa, receber uma quantia que manifestamente não tem direito.
26- Estamos, assim, perante uma situação em que o abuso de direito impede, paralisa, o seu exercício por parte da ré.
27- Por via disso, deve ser revogada a decisão que julgou improcedente o pedido formulado pelo Autor, substituída por outra que julgue procedente tal pedido.
Contra-alegou a ré, concluindo pela improcedência do recurso e
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