Acórdão nº 768/21.0T8VIS.C2 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2024-03-05

Ano2024
Número Acordão768/21.0T8VIS.C2
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU)
Adjuntos: Catarina Gonçalves
Arlindo Oliveira

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

A... Unipessoal Lda, intentou ação declarativa contra Companhia de Seguros B... Plc sucursal em Portugal, pedindo a condenação da ré, em consequência de acidente de viação imputável a culpa exclusiva da condutora do veículo seguro na R., no pagamento do total de 60.496,89 € (35.000,00 pela perda do veículo pesado + 8.000,00 pela perda total do semi-reboque + 12.177,12 pela paralisação de ambos os veículos até à data em que foram considerados pela seguradora como sem reparação + 5319,77 pela perda da carga não recuperada, mais o lucro visado com a mesma) e juros desde a citação até integral pagamento, mais indemnização a título de privação do uso, no valor mínimo diário (fora os domingos) de 253,69 €, para cada um dos 2 veículos, desde 22.1.2021 (data em que a R. declinou a responsabilidade da sua segurada pelo acidente) até à disponibilização do equivalente pecuniário necessário para a substituição destes veículos, acrescida de juros de mora, a liquidar em execução de sentença.

Contestou a seguradora ré, dizendo desconhecer os termos em que ocorreu o acidente, bem como os prejuízos sofridos pela autora, mas pugnando por ter sido a sua segurada a ser embatida na sua mão de trânsito, sendo que o atraso na peritagem não lhe é imputável e que a autora nunca esteve a aguardar pela reparação, mas sim pelo ressarcimento pecuniário, tanto que nunca solicitou veículo de substituição.

A final, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, pelo que condenou a R. no pagamento à A. das seguintes quantias:

1- 13.000 €, a título de perda total do veículo articulado (tractor e semi-reboque);

2- 2.500 €, a título de paralisação do veículo;

3- 5.319,77 €, a título de perda da carga transportada;

4- juros, à taxa legal, sobre cada uma das referidas quantias, desde a citação quanto às quantias mencionadas em 1 e 3, e desde a data desta decisão quanto ao demais, referido em 2, sempre até integral pagamento; e absolveu a R. de tudo o mais pedido, designadamente da indemnização pela privação do uso relativa ao período que decorreu desde 22.01.2021, data em que a R. declinou a responsabilidade pelo sinistro participado, até à data do pagamento da indemnização pela perda total dos veículos.

A A. interpôs recurso da sentença e, por acórdão de 08.03.2022, foi decidido julgar a apelação parcialmente procedente e em consequência, modificou-se a parte 2- do segmento decisório, fixando-se o valor indemnizatório em 4.800 € (relativamente ao período de paralisação dos veículos entre a data do sinistro e as datas em que foi considerada a sua perda total) e condenando-se, ainda, a R. a pagar à A., desde 22.1.2021, o valor que se liquidar em sentença, a título de privação do uso, até à disponibilização do equivalente pecuniário necessário para a substituição dos veículos da A.

Posteriormente, A... Unipessoal Lda instaurou incidente de liquidação contra B... Plc sucursal em Portugal, pedindo a fixação do valor a pagar pela ré no montante de € 85.493,53 ou, subsidiariamente, € 80.880,00.

Justificou o pedido, por, no primeiro dos casos, ele corresponder ao período de privação dos veículos acidentados, de acordo com os valores fixados pelo acordo celebrado entre a Associação Portuguesa de Seguradores (APS), da qual a requerida é associada e a Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM),e, no segundo caso, por ser esse o valor que resulta da multiplicação do valor 120,00 para cada veículo perdido (valor esse considerado no acórdão que julgou parcialmente procedente a apelação para indemnizar a requerente no período decorrido entre a data do acidente e a data em que foi reconhecida a sua perda total), multiplicado pelos 337 dias (403 dias, menos domingos e feriados) em que os veículos não puderam ser utilizados pela A., desde a data em que a requerida declinou a responsabilidade pelo seu pagamento (22.01.2021) até ao efetivo pagamento da indemnização pela perda dos veículos (01.03.2022) e por ter sido esse o valor que a autora deixou efetivamente de auferir pela paralisação dos mesmos veículos, face à estimativa dos lucros médios que a requerente não obteve, por ter sido privada do uso dos seus veículos para transportar os bens que comercializou durante os referidos 337 dias, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.

Contestou a requerida, alegando que os valores peticionados corresponderiam, em pouco mais de um ano, a um rendimento de 657% sobre o valor dos veículos, proporcionando-lhe um enriquecimento ilegítimo.

Após produção de prova foi proferida sentença que liquidou a quantia a pagar pela requerida à requerente, R. à A., no montante de € 44.986,05.

Ambas as partes interpuseram recurso.

A requerente, A..., Unipessoal, Lda., conclui as suas alegações do seguinte modo:

(…).

E a Companhia de Seguros B... concluiu as suas alegações do seguinte modo:

(…).

II – Objeto do recurso

Tendo em atenção as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, as questões a decidir são as seguintes:

Da apelação da requerente

. se a indemnização pela privação do uso dos veículos relativa ao período entre 22.01.2021 e 01.03.2022, deve ser aumentada para 85.493,53, ou, no mínimo 80.880,00 em vez 44.986,05 como foi liquidada na sentença recorrida.

Da apelação da requerida

. se a indemnização deve ser diminuída para o montante de 6.500,00, com base na equidade, atento o valor venal dos veículos à data do sinistro.

III - Fundamentação

Na primeira instância, no incidente de liquidação, foram considerados provados e não provados os seguintes factos (aos quais se atribuiu a numeração que lhes coube nos articulados do incidente):

I – Factos provados

.7. A R pagou o valor da indemnização referente à perda destes dois veículos à A.

.8. Fê-lo em 01-03-2022.

.16. (…) Entre a ANTRAM e APS foi celebrado acordo, denominado, “acordo de paralisação”, o qual obriga os representado das segunda, em caso de acidente de viação, a liquidar, aos associados da primeira, as importâncias constantes do Anexo I deste acordo pela paralisação dos seus veículos afetos ao transporte rodoviário de mercadorias.

.17. O valor diário para a paralisação de um veículo pesado superior a 26 até 40 toneladas, afeto a serviço internacional, é de € 253,69.

.21. A R é uma representada pela APS.

.23. A A não é associada da ANTRAM.

.25. O peso bruto do conjunto dos veículos da A é de 37,5 toneladas.

II – Factos não provados

.7. Só por força da condenação na 1ª Instância, e pendente o recurso, nesta parte, (…).

.16. A fim de uniformizar critérios sobre o custo de paralisação desta categoria de veículos (…).

.33. Valor que a A deixou de realizar na sua atividade económica em virtude da privação do uso dos seus veículos.

.38. A margem bruta do negócio em cada carga é de € 1639,77 (5.139,77 -3.500)

.39. Os custos médios do transporte são de € 500 para combustível e pneus e da mão-de-obra de embalagem e peso no seu armazém e sacos são de € 380 para mão de obra + € 120 para os sacos.

.40. A A obtém em cada carga um lucro médio líquido de € 639,77 (1639,77 – 1000,00).

.41. Comercializando por semana duas cargas, a A obtém um lucro médio de € 1278,54 (639,27 x 2).

.42. A A obtém um rendimento (lucro) líquido médio mensal de € 5.114,16 (1278,54 X 4).

Está apenas em causa no incidente de liquidação fixar o valor da indemnização pela privação do uso dos veículos da requerente – trator e semi-reboque - entre 22.01.2021 (data em que a requerida declinou a responsabilidade da sua segurada) e 01.03.2022 (data em que acabou por pagar a indemnização pela perda dos veículos).

Nos termos do artº 609.º, n.º 2, do CPC, se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.

A interpretação desta norma não tem sido uniforme, sobretudo quando não é formulado um pedido genérico.

A condenação em montante a liquidar posteriormente tem como pressuposto a prova da existência do direito, mas a impossibilidade de, na audiência de discussão e julgamento, se apurar o objeto ou a quantidade do concretamente devido.

O entendimento dominante jurisprudencial é no sentido da condenação genérica ter lugar sempre que esteja apurada a existência de danos, mas não haja elementos para concretizar a prestação devida, ainda que tenha sido formulado um pedido específico, entendimento que sufragamos e foi seguido no acórdão de 08.03.2022.

Nos termos do nº 2 do artº 378º do CPC o incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do nº 2 do artigo 661º do CPC, como se verificou no caso em análise, e, caso seja admitido, a instância extinta considera-se renovada.

O incidente de liquidação destina-se pois a tornar líquido o montante de determinada obrigação que alguém foi condenado a suportar. Neste incidente não há que discutir se o requerente teve ou não determinados prejuízos e qual a sua origem, mas apenas é permitido alegar e provar o montante dos...

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