Acórdão nº 768/21.0T8CVL.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2022-02-15

Ano2022
Número Acordão768/21.0T8CVL.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO LOCAL CÍVEL DA COVILHÃ DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:[1]

I - A) - 1) - AA e mulher BB, intentaram, em 15/6/2021, acção sob a forma de processo comum, contra CC e mulher DD, terminando o articulado inicial do modo que ora se transcreve:

«… deve a presente acção ser julgada totalmente procedente, por provada, e em consequência:

a) Serem demarcados os prédios identificados nos artigos 1º e 3º deste articulado na estrema em que confinam um com o outro, ou seja, na estrema poente do primeiro e nascente do segundo, em conformidade com os respectivos títulos de aquisição e com o levantamento topográfico;

b) Serem os réus condenados a reconhecer que a parcela de terreno do logradouro, com a área total de 64,12 m2, que separa os prédios identificados nos artigos 1º e 3º, faz parte integrante do prédio adquirido pelos autores, em toda a sua extensão.

c) Serem os réus condenados a concorrer para a demarcação das estremas do seu prédio, fixando-se uma linha divisória entre os dois prédios, de acordo com os respectivos títulos e com o levantamento topográfico;

d) Serem os réus condenados a desocupar a dita parcela de terreno correspondente ao logradouro, daí retirando todos os objectos colocados e a absterem-se, de praticar, por si ou por interposta pessoa, atos ou factos que impeçam, prejudiquem ou obstem o exercício do direito de propriedade dos autores sobre aquela parcela de terreno que faz e sempre fez parte integrante do prédio dos autores, seja a que título ou por que forma for;

e) Serem os réus condenados a numa sanção pecuniária compulsória no montante de € 100,00 por cada dia que violem a sentença que vier a ser proferida na presente ação. (…)».

Sustentaram, em síntese, que:

- Eles, AA, são donos e legítimos proprietários do prédio urbano com a área total de 150,00 m2, o qual se encontra inscrito a seu favor, por compra 1 de Abril de 2019, tendo os RR registada a aquisição a seu do prédio urbano, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...;

- Estes dois prédios são contíguos entre si, sendo que o prédio dos autores confina a poente com o prédio dos réus, e o dos réus a nascente com o dos autores;

- O logradouro que separa os dois prédios confinantes, faz parte do prédio dos AA, tendo estes como assente que a área desse prédio que adquiriram é de 150 m2;

- Contudo, os RR têm utilizado tal logradouro, aí depositando mercadorias, designadamente vasilhame, grades, caixas e lenha, e recusam-se a desocupá-lo, uma vez que sustentam que o mesmo, em toda a sua extensão, faz parte integrante do seu prédio;

- As estremas dos prédios não se encontram bem definidas, pois não existe qualquer vedação a separar os dois prédios;

- As áreas resultantes da descrição predial e do levantamento topográfico que foi feito, não são coincidentes;

- Autores e réus, proprietários confinantes, estão em desacordo quanto aos limites dos seus prédios;

- Divergindo quanto às áreas e quanto à linha divisória entre os dois prédios.

2) - Contestaram os réus, que, para além de impugnarem, parcialmente, os factos articulados na petição inicial, vieram invocar a ineptidão desta, pelo facto de os AA. aí cumularem causas de pedir e pedidos, substancialmente incompatíveis, uma vez que na petição é formulado um pedido de demarcação e, simultaneamente, um pedido de reivindicação/reconhecimento do direito de propriedade.

Pugnaram, entre o mais, ante a cumulação ilegal e a ineptidão daí resultante, pela “declaração de nulidade insuprível da petição inicial”.

3) – No exercício do contraditório, determinado por despacho de 12-10-2021, os RR negaram que se verificasse a apontada ineptidão, sustentando: “Os pedidos formulados não são substancialmente incompatíveis, porquanto nada impede o Tribunal de proceder à demarcação dos prédios confinantes, reconhecendo os autores como proprietários do prédio na extensão reclamada, e, em simultâneo, determinar que os réus sejam condenados a reconhecer essa mesma delimitação, onde se inclui a parcela de terreno que ocupam.”.


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B) - No saneador, proferido em 27/10/2021, a Mma. Juiz do Juízo Local Cível da Covilhã, fixando o valor da acção em 5.000,01 €, decidiu absolver os RR da instância, dado entender que, sendo os pedidos cumulados, de demarcação e de reivindicação, sendo substancialmente incompatíveis entre si, geram ineptidão da petição inicial e nulidade de todo o processo (artigo 186º, nºs 1 e 2, alínea c), do NCPC), ineptidão essa que não poderia ser suprida pelos AA, a convite do Tribunal, mediante a escolha de um desses pedidos cumulados.

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C) –1) - Os AA, em 11/11/2021, vieram reclamar a verificação de uma nulidade processual, sustentando, em síntese:

- O Tribunal, apesar do requerimento dos AA contrariando a verificação da ineptidão da petição, decidiu-se pela “…absolvição de instância, omitindo na sua fundamentação os argumentos invocados pelos autores naquele requerimento, tendo optando por uma decisão que desvaloriza em absoluto os princípios gerais subjacentes à actual redação do C.P.C.”;

- “…a sentença proferida traduziu uma verdadeira decisão surpresa para os autores, sendo ainda omissa acerca da pronúncia apresentada por estes.”.

Terminaram assim “…deve a nulidade ora arguida ser declarada, e consequentemente, anular-se todos os actos subsequentes, designadamente a sentença proferida, nos termos do disposto no artigo 195º nº 2 do C.P.C.”.

2)- A Mma. Juiz do Tribunal “a quo” por despacho de 26/1/2021, indeferiu a nulidade reclamada.


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D) Os AA, em 30/11/2021, interpuseram recurso do saneador-sentença, tendo, a finalizar a respectiva alegação, apresentado as seguintes conclusões:

«I. O presente recurso é interposto da sentença proferida em primeira instância que julgou verificada a excepção dilatória de nulidade do processado por ineptidão da petição inicial, atenta a cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis, absolvendo os réus da instância.

II. Previamente, e perante o juiz da causa, os autores arguiram uma nulidade processual, nos termos previstos no artigo 195º nº1 do C.P.C., consubstanciada na omissão de um acto que a lei prescreve, por requerimento datado de 11/11/2021;

III. Os autores foram confrontados com uma decisão que não poderiam antecipar face ao conjunto do sistema jurídico ou do regime processual aplicável, isto é, com uma decisão surpresa;

IV. A proibição de decisões surpresa tem como fundamento essencial o princípio do contraditório, pedra angular do processo civil;

V. Salvo o devido respeito, a decisão proferida, que decidiu o objecto da causa, e que motiva o presente recurso, violou o princípio do contraditório previsto no nº3 do artigo 3º do C.P.C;

VI. Sem prescindir, os autores pediram a condenação dos réus a concorrerem para a demarcação dos prédios de acordo com os títulos de aquisição e com o levantamento topográfico e, bem assim, a reconhecerem que a parcela do logradouro que os separa, integra em extensão o prédio dos autores, dada a indefinição quanto aos seus limites;

VII. O Tribunal decidiu que os pedidos eram substancialmente incompatíveis, omitindo totalmente os argumentos apresentados pelos autores, tendo optado por uma decisão que desvaloriza em absoluto os princípios gerais subjacentes à actual redação do C.P.C.

VIII. Em rigor, só existe incompatibilidade substancial entre pedidos quando as pretensões produzirem efeitos jurídicos contraditórios e opostos entre si;

IX. Os autores alegam a titularidade dos prédios confinantes, a contiguidade dos mesmos e a indefinição dos seus limites, sendo esta a causa de pedir, coincidente com uma acção de demarcação;

X. As acções de reivindicação e de demarcação têm a particularidade de se tocarem nalguns pontos, pois só se pede a fixação das estremas no caso de haver violação do direito de propriedade pelo uso, em extensão, que o dono do prédio confinante está a dar aquela parcela de terreno;

XI. Ou seja, tanto na acção de reivindicação como na acção de demarcação se discute uma questão de domínio relativamente a uma determinada faixa de terreno;

XII. O critério para distinguir as duas acções reside em definir se as partes discutem o título de aquisição – acção de reivindicação – ou se discutem a extensão do prédio que possuem – acção de demarcação;

XIII. Com efeito, e em face da alegação feita na petição inicial, os autores discutem apenas a extensão do prédio que possuem, pretendendo definir as estremas do seu prédio e em conformidade com essa definição obter a entrega da área ocupada;

XIV. Em face dessa alegação é legítimo afirmar que o Tribunal fica impossibilitado de decidir, invocando desconhecer a verdadeira pretensão dos autores?

XV. Ou deveria o Tribunal ter convidado os autores a esclarecer qual dos pedidos pretendia ver apreciado?

XVI. Entendem os recorrentes que as pretensões formuladas não se excluem mutuamente, nem a procedência de uma inviabiliza o exercício da outra.

XVII. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não seguiu o entendimento predominante na doutrina - José Lebre de Freitas - A Acção Declarativa Comum Coimbra Editora 2013 - e na jurisprudência mais recente - Tribunal da Relação de Guimarães em acórdão datado de 31/10/2019; Acórdão da Relação de Évora datado de 21.05.2020; Acórdão da Relação de Évora datado de 17.06.2021 -, e que melhor se ajusta ao espírito do actual C.P.C.

XVIII. À luz dos princípios gerais do Processo Civil, deveria ter prevalecido o entendimento de pugnar pelo aproveitamento dos articulados e da instância, convidando os autores a saná-la, ao abrigo do dever de gestão processual;

XIX. O Tribunal a quo extinguiu a instância sem antes facultar aos autores a possibilidade de optarem pelo pedido com o qual o processo deveria prosseguir;

XX. Antecipando um cenário de incompatibilidade de pedidos, mas em que a descrição fáctica aponta para a demarcação dos prédios, o Tribunal a quo, através do...

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