Acórdão nº 768/21.0T8VIS.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 08-03-2022
Data de Julgamento | 08 Março 2022 |
Ano | 2022 |
Número Acordão | 768/21.0T8VIS.C1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU) |
I – Relatório
1. F... Unipessoal Lda., com sede em ..., intentou acção declarativa contra C... Plc sucursal em Portugal, com sede em ..., pedindo a condenação da ré no pagamento do total de 60.496,89 € (35.000 pela perda do veículo pesado + 8000 pela perda total do semirreboque + 12.177,12 pela paralisação de ambos os veículos + 5319,77 pela perda da carga, mais o lucro visado com a mesma) e juros desde a citação até integral pagamento, mais indemnização a título de privação do uso, no valor mínimo diário (fora os domingos) de 253,69 €, para cada um dos 2 veículos, desde 22.1.2021 (em que declinou a responsabilidade pelo acidente) até à disponibilização do equivalente pecuniário necessário para a substituição destes veículos, acrescidos de juros de mora, a liquidar em execução de sentença.
Tudo como consequência de acidente de viação que se ficou a dever a culpa exclusiva de uma condutora de veículo seguro na ré.
Contestou a seguradora ré, dizendo desconhecer os termos em que ocorreu o acidente, bem como os prejuízos sofridos pela autora, mas pugnando por ter sido a sua segurada a ser embatida na sua mão de trânsito, sendo que o atraso na peritagem não lhe é imputável e que a autora nunca esteve a aguardar pela reparação mas sim pelo ressarcimento pecuniário, tanto que nunca solicitou veículo de substituição.
*
A final, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, pelo que condenou a R. no pagamento à A. das seguintes quantias:
1- 13.000 €, a título de perda total do veículo articulado (tractor e semi-reboque);
2- 2.500 €, a título de paralisação do veículo;
3- 5.319,77 €, a título de perda da carga transportada;
4- juros, à taxa legal, sobre cada uma das referidas quantias, desde a citação quanto às quantias mencionadas em 1 e 3, e desde a data desta decisão quanto ao demais, referido em 2, sempre até integral pagamento;
e absolveu a R. de tudo o mais contra ela pedido.
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2. A A. recorreu, concluindo que:
I. Responsabilidade ilícita e culposa pelo acidente
(… conclusões sobre matéria agora indiscutida).
II. Perda total dos seus veículos ... (trator) e semirreboque ...
3ª Veículos que foram declarados como totalmente perdidos (não reparáveis) em 12-01-2021 pela R seguradora em consequência do acidente.
4ª Em caso de perda total, o valor venal do veículo há-de corresponder ao valor de substituição antes do acidente. Ou seja, um valor suficiente e necessário que permita ao lesado adquirir outro bem do mesmo valor económico e uso concreto equivalente ao bem danificado (artigo 41º do DL 291/2007, de 21/08 e 562º e 566º do CC).
5ª A decisão recorrida fixou o valor que proposto pela R seguradora, € 9.500,00 para a ... e € 3.500,00 para o semirreboque ... para a recorrente poder adquirir outros veículos do mesmo género em substituição destes.
6ª Está provado que o veículo de ... foi objeto de reparações ao motor e incorporação de peças de substituição entre julho de 2018 a setembro de 2020 no valor de € 34.055,00 (pontos 46 a 52 dos factos provados).
7ª Está provado também que o semirreboque ..., em agosto de 2020, foi objeto de reparação (reforço e pinturas de chassi e substituição de madeiras) no valor de € 3.933.61 e levou umas lonas novas no valor de € 984,00, que soma uma despesa de € 4.917,61.
8ª Estas despesas realizadas nestes veículos diferenciam-nos de outros veículos semelhantes à venda no mercado e como tal não poderão deixar de ser contabilizadas para efeito de apuramento do seu valor venal e comercial.
9ª Só a indemnização peticionada pela autora (€ 35.000 pela perda do ... e € 8.000,00 pela perda do semirreboque), contida dentro dos limites que se tiveram como provados (artigo 566º, 3 do CC), lhe permitirá adquirir no vasto mercado de automóveis usados, veículos da mesma marca, tipologia, antiguidade e estado de conservação e funcionamento idênticos aos veículos sinistrados.
III. Um veículo articulado ou um conjunto de veículos [reboque (matrícula ...-NA- ...) e semirreboque (matrícula L-.........)] material e juridicamente autónomos;
10ª A respeito da paralisação e privação do uso destes veículos, a recorrente alegou que se deveria considerar a privação de dois e não de um só veículo uma vez que cada um deles pode produzir rendimentos separadamente.
11ª Na decisão recorrida entendeu-se que a autora apenas sofreu privação do uso de um veículo articulado mesmo que os dois veículos estejam sem utilização, não havendo lugar a uma indemnização em duplicado.
12ª Esta questão foi apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Ac. de 18-11-2004, relatado pelo senhor Juiz Conselheiro Lucas Coelho, onde se decidiu o seguinte:
(… transcrição de texto do acórdão).
13ª Mesmo que o artigo 111º, 3 do Código da Estrada ficcione que o conjunto de veículos é equiparado a veículo único fá-lo apenas no âmbito restrito da circulação deles.
Tal ficção legal já não vale para o caso da paralisação destes veículos por força do embate
de que a condutora segurada na R ilicitamente deu causa.
14ª Tal entendimento não foi acolhido pela decisão recorrida contrariando assim a referida jurisprudência seguida pelo STJ.
IV. Quanto à paralisação dos veículos da autora entre a data do acidente e a data em que eles foram considerados como totalmente perdidos pela R seguradora
15ª A decisão recorrida atendendo às deslocações e à quantidade dos produtos comercializados, que se provaram e a juízos equitativos, fixou o valor de € 2.500,00 mensais para tal entre o dia do acidente e o da declaração da perda dos veículos.
16ª Peticionou aqui a autora o valor de € 12.177,12, tendo em conta o valor diário (€253,69) estabelecido pela APS e ANTRAM para a paralisação de veículos pesados de
mercadorias internacionais e o número de dias de tal paralisação (21+27 = 48).
17ª O valor mensal que foi arbitrado é escasso pois se o dividirmos por 48 dias (fora os domingos) (dado que a autora transporta e comercializa os seus produtos também aos sábados) obtém-se um resultado diário € 52,08, muito aquém do valor constante nas referidas tabelas.
18ª (… transcrição de texto de acórdão) (V. Ac. da RC de 06-02-2018).
19ª Assim, ponderado o exposto, entendemos que, em juízo de equidade, nos termos do artigo 566º, nº 3 do Código Civil, será de arbitrar pela paralisação diária dos veículos tal valor por cada um deles, o que, no caso, tendo em conta aqueles dias de paralisação (48 dias) e aquele valor diário (253,69) referido nas tabelas, nos dá aquele valor peticionado de € 12.177,12.
V. Quanto à privação uso dos veículos entre a data em que R declinou a responsabilidade pelo acidente até à disponibilização da indemnização do valor dos veículos
20ªFicou provado que a autora utilizava a ... e o semirreboque para transportar batata e cebola que compra em Espanha na terça, quinta e sexta-feira, comportando cada carga 25 toneladas, para, depois de embalar e pesar no seu armazém em ... (...), a transportar e vender no mercado abastecedor do ..., na segunda e quarta-feira.
21ª Ora em face desta factualidade provada, verificado o dano, não sendo possível quantifica-lo, podia e devia ter considerado o valor diário da tabela referida pela autora como um valor referencial a considerar no juízo de equidade a fazer nos termos do nº 3 do artigo 566º do CC.
22ª Pediu aqui a autora a título de privação de uso dos seus veículos uma indemnização no valor diário (fora os domingos) de € 253,69 para cada um dos veículos desde a data 22-01-2021 (em que a R declinou a responsabilidade pelo acidente) até à disponibilização do equivalente pecuniário necessário para a substituição destes veículos.
23ª A decisão recorrida entendeu que (… transcrição de texto da sentença).
24ª Porém, constitui entendimento pacífico que, no caso de perda total do veículo, operando-se uma indemnização ou restituição por equivalente, traduzida na entrega de uma quantia em dinheiro, a privação do uso subsiste até ao momento em que ao lesado seja satisfeita a indemnização correspondente, pois só neste momento é que o lesado ficará habilitado a adquirir um veículo que o substitua.
25ª (… transcrição de texto de acórdão) (Ac. STJ de 15/11/2011, proc. 6472/06.2TBSTB-E1.S1, Rel. Moreira Alves, in www.dgsi.pt).
26ª Ora a R seguradora por carta de 22-01-2021 declarou que não assumia qualquer responsabilidade pelo acidente uma vez que a condutora do veículo segurado dele não era culpada – Doc. 24 junto à petição inicial e artigos 84,88 e 89 deste articulado.
27ª E como tal, e até hoje, não disponibilizou à A o equivalente em dinheiro daquela perda total dos seus veículos.
28ª Assim, autora não esteve nem está à espera pela contabilização dos prejuízos.
Apesar de ter reclamado uma reparação provisória do sinistro em 23-12-2020 - doc. 24., intentou esta ação em 23-02-2021. É sobre a R seguradora que recai o dever de reparar os danos que até à data não fez para mitigar os prejuízos deste acidente, devendo por pois arcar com as consequências do deixar “arrastar esta situação para ver no que dá”.
29ª Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente e como tal revogar-se a decisão recorrida, proferindo-se uma outra que condene a R seguradora a indemnizar a autora pelo valor dos prejuízos sofridos com a perda total dos seus dois veículos pesados (€ 35.000 para a ... e € 8.000 para semirreboque), com a paralisação destes desde a data do acidente até à declaração da perda total destes (€ 12.177,12), e ainda com a privação do seu uso desde esta última data até à disponibilização do equivalente pecuniário necessário para a substituição destes veículos (no valor diário de € 253,69 para cada um deles), por si peticionados, e a liquidar em execução de sentença, se necessário, assim se repondo a acostumada Justiça
3. A R. contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
II – Factos Provados
-petição:
1 No dia 09-12-2020, por volta das...
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