Acórdão nº 7605/19.4T8LSB.L2-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-02-28

Ano2023
Número Acordão7605/19.4T8LSB.L2-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
Spt – Empresa de Trabalho Temporário move ação declarativa de simples apreciação negativa sob a forma de processo comum contra Lusitânia – Companhia de Seguros, SA, pedindo ao Tribunal que declare a inexistência do direito ao pagamento da cláusula de ajustamento de prémio, no valor de 46.169,54 Euros, por:
a) exclusão das cláusulas contratuais gerais relativas à inclusão da Cláusula de Ajustamento de Prémio, em virtude da sua não comunicação e esclarecimento;
E, subsidiariamente por:
b) remissão da obrigação de pagamento do acerto de prémio, mediante a diminuição significativa da taxa de sinistralidade no ano seguinte, fixando-se abaixo dos 45%;
Ou por
c) acordo quanto ao pagamento do acerto de prémio, mediante a diminuição significativa da taxa de sinistralidade no ano seguinte, fixando-se abaixo dos 45%;
Ou por
d) inexistência do direito de exigir o acerto do prémio por aumento da sinistralidade no ano de 2016, por ineficácia da alteração contratual, uma vez que não foi efectuado o pagamento até à data do seu vencimento, em conformidade com o n.º 4 da cláusula 16.ª das Condições Gerais.
Ou por
e) Violação da cláusula 17.º do sobredito contrato, precisamente da obrigatoriedade de emissão do acerto no ano seguinte.
O Réu contestou pugnando pela improcedência da acção e apresentando por via reconvencional o pedido de condenação da Autora no pagamento da quantia de €16.235,79 (dezasseis mil, duzentos e trinta e cinco euros e setenta e nove cêntimos).
Houve réplica na qual a Autora veio pugnar pela improcedência do pedido reconvencional.
Após a realização de segundo julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«(…) julgo a acção improcedente e a reconvenção procedente e, em consequência, absolvo o Réu do pedido e condeno o Autor a pagar-lhe a quantia de €16.235,79.»
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou a requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes:
«CONCLUSÕES
I. O presente recurso versa sobre matéria de facto e de direito, nos termos consignados infra, incidindo sobre a sentença proferida na parte em que julgou a acção improcedente e a reconvenção procedente, por ser desajustada dos normativos legais positivos aplicáveis in casu.
II. A alteração da matéria de facto deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância, o que desde já se roga em função daquilo que será exposto e aflorado infra.
III. Analisada a matéria de facto dada como provada e não provada na douta sentença por contraposição com a prova produzida nos autos, designadamente os depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento e a prova documental, verifica-se que ocorreu erro de julgamento grave e notório, que deve conduzir à alteração da matéria de facto e impõe uma decisão diversa da proferida, o que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais.
IV. Do elenco dos factos dados como provados, e atenta a sua relevância para a justa apreciação do mérito da causa, consta factualidade, designadamente, a constante dos pontos 28. e 29., que, atenta a prova testemunhal e documental produzida nos autos, deveria forçosamente ter sido considerada como não provada.
V. Como resulta da sentença a quo, a motivação da convicção do Tribunal para ter dado como provados os referidos pontos 28 e 29 reconduz-se a apenas dois meios probatórios:
i) o depoimento da testemunha JAA, mediador de seguros da TS & A – SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO DE SEGUROS, LDA. que interveio na renovação das apólices dos seguros de acidente de trabalho para o ano de 2016; e
ii) a remessa da acta n.º 21, de 25 de Novembro de 2015, pela Ré à Autora, onde, numa rubrica denominada “OUTRAS DECLARAÇÕES”, constava a cláusula de ajuste de prémio.
VI. Por um lado, a mera remessa pela Ré à Autora de uma acta onde, numa rubrica denominada “OUTRAS DECLARAÇÕES”, constava a cláusula de ajuste de prémio não é idónea nem minimamente suficiente para sustentar e dar como provado que, com o simples envio dessa acta, a referida cláusula foi explicada à Autora, muito menos que a Autora percebeu ou passou a ter conhecimento do seu conteúdo e do seu funcionamento.
VII. Por outro, o depoimento da testemunha JAA é marcado por lapsos de memória e uma excessiva subjectividade e não é apto a aportar ao processo um conhecimento concreto, objectivo e seguro dos factos sobre que incidiu5.
VIII. Descrevendo o modo como informou o legal representante da Autora da inclusão da cláusula de ajuste de prémio na renovação das apólices dos seguros de acidente de trabalho para 2016 e lhe explicou o conteúdo e o funcionamento de tal cláusula, a mencionada testemunha limita-se a transmitir aos autos o seu estado subjectivo, referindo que tem a convicção que terá transmitido e explicado verbalmente ao legal representante da Autora a inclusão, o conteúdo e o funcionamento da referida cláusula na renovação das apólices para 2016, que ficou com a sensação de que o legal representante da Autora a compreendeu e que tem a convicção de que este a terá aceitado.
IX. Naturalmente, a convicção, a sensação e, em termos gerais, a mera manifestação de um estado de espírito da testemunha não são suficientes ou idóneas à prova da referida factualidade.
X. Realce-se que jamais a testemunha poderia ter explicado ao legal representante da Autora a cláusula em questão, por uma razão muito simples: é que o próprio mediador não compreendeu o teor, o conteúdo, o alcance e o funcionamento da mesma.
XI. Desde logo, a testemunha admitiu que, ao longo da sua extensa actividade profissional enquanto mediador de seguros, este foi o único caso em que se deparou com a introdução e a aplicação de uma cláusula de ajuste de prémio.
XII. A testemunha acrescentou que, na dinâmica do funcionamento da cláusula de ajuste de prémio, a sinistralidade era uma variável aleatória importante cujo impacto para a Autora era completamente imprevisível e incalculável quer para esta, quer para a própria testemunha e que podia acarretar uma onerosidade grave para a Autora.
XIII. E a testemunha asseverou, sem qualquer hesitação, que esta cláusula de ajuste de prémio funcionava para os dois lados, possuindo uma vertente de penalização e outra de bonificação, e que, caso a sinistralidade ultrapassasse os 65%, a Autora seria penalizada, mas, com uma baixa sinistralidade, seria beneficiada.
XIV. No entanto, a cláusula de ajuste de prémio sub judice apenas contemplava a vertente de penalização, como resulta do depoimento da testemunha RF, trabalhador da Ré pertencente à área técnica dos seguros de acidente de trabalho e, enquanto tal, dotado de especial razão de ciência6.
XV. Assim, o mediador de seguros que interveio na renovação das apólices de seguros de acidentes de trabalho para 2016, onde foi incluída a referida cláusula de ajuste de prémio, não compreendeu nem tinha conhecimento do teor, do conteúdo, do alcance ou do funcionamento da aludida cláusula, pelo que, lógica e consequentemente, jamais poderia ter informado e explicado devida e suficientemente a mesma ao legal representante da Autora.
XVI. No mesmo sentido, o legal representante da Autora, Sr. Eng. JA, explica, com segurança, objectividade, espontaneidade, coerência e conhecimento directo, que:
i) desde o início da execução dos contratos de seguro sub judice todas as comunicações, conversações e negociações das taxas comerciais atinentes ao mesmo foram efectuadas exclusiva e directamente com o mediador, Sr. JAA, com quem mantinha uma especial relação de confiança, nunca tendo conhecido ninguém ou falado com alguém pertencente à Ré até 2017;
ii) na renovação das apólices de seguros de acidentes de trabalho para 2016, o único elemento contratual que foi objecto de comunicação e negociação pelo e com o mediador foi apenas e só a taxa comercial, nunca tendo sido mencionada qualquer cláusula de ajuste de prémio;
iii) desde a celebração do contrato de seguro com a Ré, nunca lhe foi comunicada a hipótese de ser aplicada esta cláusula de ajuste do prémio;
iv) se, na renovação da respectiva apólice para o ano de 2016 lhe tivessem indicado que existia a possibilidade de aplicação de semelhante cláusula, jamais a teria aceitado e concordado com a renovação da apólice, devido à aleatoriedade e imprevisibilidade que a mesma acarretaria para a gestão da empresa da Autora;
v) apenas obteve conhecimento da referida cláusula de ajustamento de prémio no início do ano de 2017, quando o mediador entregou à Autora o aviso de pagamento do valor resultante da aplicação da referida cláusula relativamente ao ano de 2016;
vi) só no início do ano de 2017, quando o mediador entrega à Autora o mencionado aviso de pagamento do valor resultante da aplicação da referida cláusula relativamente ao ano de 2016, é que o mediador pela primeira vez lhe comunicou a existência dessa cláusula e explicou o seu conteúdo.
XVII. Por sua vez, também do elenco dos factos dados como não provados, e atenta a sua relevância para a justa apreciação do mérito da causa, consta factualidade, designadamente, a constante dos pontos 11. e 12., que, atenta a prova produzida nos autos, deveria ter sido considerada como provada.
XVIII. De acordo com a prova produzida nos autos, na reunião tida entre as partes em 2017, ficou acordado entre as mesmas que ocorreria um perdão da cláusula de ajuste de prémio referente ao aumento da taxa de sinistralidade no ano de 2016, não sendo emitido o respectivo recibo, caso ocorresse uma diminuição significativa da referida taxa no primeiro semestre de 20178, o que veio a suceder9, tendo o assunto ficado resolvido.
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