Acórdão nº 760/21.5T8FLG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 20-04-2023

Data de Julgamento20 Abril 2023
Número Acordão760/21.5T8FLG.P1
Ano2023
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo: 760/21.5T8FLG.P1

Apelação - Processo 760/21.5T8FLG - Ação de Processo Comum - do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo Local Cível de Felgueiras - Juiz 2
Relator - Ernesto Nascimento
Adjunto - Carlos Portela
Adjunto - António Paulo de Vasconcelos

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
No A..., Unipessoal, Lda. intentou a presente acção declarativa contra B..., Companhia de Seguros, S. A., pedindo a condenação no pagamento do valor de € 42.630,64, acrescido dos respectivos juros de mora, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Para tal alegou, em resumo, que,
- celebrou um contrato de seguro com a ré que cobria, entre o mais, o furto de material das suas instalações;
- o seguro foi contratado por intermédio de mediador, tendo este sido informado que as instalações não dispunham de alarme;
- as aludidas instalações vieram a ser furtadas, tendo sido subtraído diverso material, ascendendo o prejuízo a € 83.757,08;
- a ré apenas considerou como prejuízo indemnizável o valor de € 39.424,89, tendo para o efeito excluído produto acabado já facturado, convertido os preços de venda aos custos de produção e aplicado taxas de perecimento sem qualquer critério legal;
- embora concorde com a conversão do prejuízo do produto acabado aos custos de produção, discorda dos demais critérios aplicados pela ré;
- a ré igualmente reduziu o valor indemnizatório em 10% em virtude da inexistência de sistema de alarme, o que não poderia fazer;
- não obstante a ré já ter pago o montante de € 39.424,89, pretende que lhe seja pago o valor remanescente.
Citada, contestou a ré, invocando, em síntese, a aplicação dos critérios já refutados pela autora na petição inicial, mais realçando que da apólice consta a existência de sistema de alarme, o que não correspondia à realidade, o que igualmente motivou a dedução do valor indemnizatório em 10%.
A autora foi convidada a concretizar o valor efectivamente recebido pela ré, o que fez, corrigindo o mesmo para € 31.934,16.
Seguida a pertinente tramitação seguiu o processo para julgamento, com observância de todo o formalismo legal e que culminou com a prolação de sentença a julgar a acção parcialmente procedente e, a condenar a ré a pagar à autora o valor de € 40.582,67, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Inconformada recorre pugnando pela revogação da sentença e sua substituição por outra que condene a ré, rematando as alegações com as conclusões que se passam a transcrever:
I. Os produtos acabados "Espadril Branco", "Espadril Jaune", "Espadril Brique" e "Espadril Jeans" não eram, à data do furto ocorrido, propriedade da recorrida. Não tendo sido dado como provado nos autos que a mesma tenha tido qualquer prejuízo/dano com o furto dos mesmos.
II. A prova de qualquer dano na sua esfera jurídica, enquanto elemento constitutivo do seu direito, cabia à autora. Que não o fez. Pelo que não se verifica qualquer fundamento legal ou contratual para condenar a ré no pagamento do valor correspondente àqueles produtos, não prevendo a apólice contratada a cobertura de bens propriedade de terceiros. A solução encontrava pelo tribunal a quo poderá levar mesmo um enriquecimento sem causa da autora às custas da ré.
III. A decisão recorrida deverá ser, nesta parte, revogada, e substituída por uma outra que, exclua dos montantes devidos pela ré à autora os valores correspondentes ao "Espadril Branco", "Espadril Jaune", "Espadril Brique" e "Espadril Jeans", num total de € 15.027,44, absolvendo a mesma no pedido nesta parte.
IV. Os factos dados como provados pelo tribunal a quo não permitem imputar à recorrente qualquer responsabilidade por "lapso" referente à (in)existência de alarme no local objecto do seguro constante da proposta de seguro apresentada pela autora à ré.
V. O que tudo deverá levar à revogação da decisão proferida, substituindo-se a mesma por outra que, aplicando a consequência contratualmente prevista, deduza 10% ao valor a receber pela autora.
Contra-alegou a autora defendendo a improcedência do recurso.
Seguidamente foi proferido despacho a admitor o recurso como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, nos termos dos artigos 627.°, 644.º/1 alínea a), 645.º/1 alínea a) e 647.º/1 CPCivil.
Remetido o processo a este Tribunal, foi proferido despacho onde se teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, uma vez que a tal nada obsta.

II. Fundamentação

II. 1. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas - a não ser que sejam de conhecimento oficioso - e, que nos recursos se apreciam questões e não razões, bem como, não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, então, as questões suscitadas no presente são as de saber se,
- se a mercadoria vendida pela autora está, ou não, abrangida pela cobertura da apólice;
- se a actividade do mediador vincula e em que termos a ré;
- consequência para o "lapso" constante da proposta atinente com a existência de alarme.

II. 2. Vejamos primeiramente os fundamentos da decisão recorrida.
II. 2. 1. Factos provados
1. A autora tomou de arrendamento a fracção autónoma sita Praça ..., Edifício ..., ...., 1.° Piso, ..., ....
2. Para assegurar o recheio que a autora tivesse nesse mesmo edifício, veio a subscrever junto da ré um contrato Multirriscos Empresas, com a apólice n.° ..., no dia 22/06/2020, seguro esse que cobria o recheio do armazém sito na Praça ..., Edifício ..., ....,1.° Piso, ..., ....
3. Para o efeito, recorreu ao mediador da ré, AA, com o e-mail ...> remetendo a este, em 22/06/2020, um e-mail onde solicita um seguro.
4. A autora informou o aludido mediador da existência do contrato de arrendamento, valor de mercadoria acabada e valor de matérias-primas, bem como, ainda referiu que o local não tinha alarme, embora considerassem no futuro dotar o local de um alarme.
5. Todavia, o mediador fez constar da proposta de seguro, nos dados de local do risco, que o local a segurar estava dotado de medidas adicionais de segurança, nomeadamente sistema de alarme.
6. Tal indicação originou um desconto de 10% do valor do prémio de seguro cobrado à autora pela apólice em causa.
7. Nos termos da Cláusula 16.°, n.° 1, das cláusulas gerais do contrato de seguro celebrado consta que "O Tomador do Seguro ou o Segurado estão obrigados, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheçam e razoavelmente devam ter por significativas para a apreciação do risco pelo Segurador.".
8. O n.° 6 de tal cláusula refere que: "Em caso de omissões ou inexactidões dolosas ou negligentes do Tomador do Seguro e/ou do Segurado aplica-se o disposto nos artigos 18.° e 19.° destas Condições Gerais, respectivamente.".
9. A cláusula 19.°, n.° 4, alínea a), das condições gerais, referente ao incumprimento negligente do dever de declaração inicial do risco, determina que:
"4. Se, antes da cessação ou da alteração do contrato de seguro, ocorrer um sinistro cuja verificação ou consequências tenham sido influenciadas por facto relativamente ao qual tenha havido omissões ou inexactidões negligentes:
a) O Segurador cobre o sinistro na proporção da diferença entre o prémio pago e o prémio que seria devido, caso, aquando da celebração do contrato, tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexactamente;".
10. O capital do seguro é de € 90.500,00, com as seguintes coberturas contratadas:
Coberturas Contratadas Capitais Franquias Tipo
Atos de Vandalismo, Maliciosos ou de sabotagem 90.500,00€ 65
Aluimento de Terras 90.500,00€ 65
Assistência ao Estabelecimento Sem Franquia
Avaria de Máquinas 22.625,00€ 211
Choque ou Impacto de Objectos Sólidos 90.500,00€ Sem Franquia Choque ou Impacto de Veículos Terrestres 90.500,00€ Sem Franquia Danos em Bens do Senhorio 2.500,00€ 97
Danos por Água 90.500,00€ 65
Demolição e Remoção de Escombros Sem Franquia
Derrame Acidental de Óleo 90.500,00€ Sem Franquia
Derrame de Sistemas de H.P.C.I. 90.500,00€ 65
Equipamento Electrónico 22.625,00€ 211
Furto ou Roubo 90.500,00€ 65
Furto ou Roubo- Dinheiro em Caixa 250,00€ Sem Franquia
Furto ou Roubo- Dinheiro em Cofre 1.250,00€ Sem Franquia
Greves/Tumultos/Alteração Ordem Pública 90.500,00€ 65
Incêndio, Acção Mecânica de Queda de Raio, explosão 90.500,00 Sem Franquia Inundações 90.500,00€ 65
Privação do Uso do Local Arrendado ou Ocupado 9.500,00€ Sem Franquia Protecção a Clientes-Acid.Pessoais 500,00€ Sem Franquia
Protecção a Clientes-Roubo Din./Obj. Pessoais 250,00€ Sem Franquia
Protecção do Seg./Empr.Acid.Pessoais 500,00€ Sem Franquia
Protecção do Seg./Empr.-Roubo Din./Obj. Pessoais 250,00€ Sem Franquia
Protecção Jurídica Sem Franquia
Quebra de Vidro e Pedras Ornamentais 1.500,00€ Sem Franquia
Quebra ou Queda de Antenas 500,00€ Sem Franquia
Quebra ou Queda de Anúncios e Letreiros Luminosos 1.500,00€ Sem Franquia
Quebra ou Queda de Painéis Solares 2.500,00€ Sem Franquia
Queda de Aeronaves 90.500,00€ Sem Franquia
RC Proprietário, Inquilino ou Ocupante 9.500,00€ 66
Responsabilidade Civil Exploração (Opção 1) 100.000,00€ 64
Tempestades 90.500,00€ 65
11. A franquia tipo 65 corresponde a 10% do valor indemnizável, com um mínimo de € 50,00.
12. No dia 11/11/2020, ocorreu um furto no imóvel objecto do contrato de seguro.
13. Na sequência de tal furto, foram subtraídas das instalações da Autora as seguintes matérias-primas:
Matérias-Primas Quantidades C Valor Unitário
Selvagem Jaune 1713,25 € € 3.346,50
Camurça Azul 3272 € € 3.926,40
Anilinas Várias 2608 € € 4.694,40
Nubuck Azul 3775 € € 7.172,50
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