Acórdão nº 7594/19.5T8VNF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17-02-2022

Data de Julgamento17 Fevereiro 2022
Ano2022
Número Acordão7594/19.5T8VNF-A.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 3ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

M. L., representada nos autos por M. I., na qualidade de tutora, ofereceu oposição à execução, mediante embargos de executado, na execução contra si intentada por A. C., visando a respectiva extinção.
Para fundamentar a sua pretensão, sustenta, a nulidade da citação ocorrida no âmbito do processo declarativo onde foi obtida a sentença dada à execução.
Refere que a executada foi interditada por sentença proferida no processo nº124/16.2T8EPS, que correu termos no Tribunal da Comarca de Braga, juízo de competência genérica de Esposende, o que é do inteiro conhecimento da exequente, tendo sido nomeada como tutora a filha M. I..
A tutora da executada, M. I., desconhecia, até à presente execução, a existência do mencionado processo nº 639/18.8TEPS.1, que correu termos no Tribunal da Comarca de Braga, Juízo de competência genérica de Esposende – J2 e que originou a presente execução para pagamento de quantia certa, uma vez que nunca foi citada para contestar o referido processo, em representação da executada que já estava interdita.
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A exequente contestou, impugnando o alegado pela embargante.
Alega que no processo de inventário que correu termos no Tribunal Judicial de Esposende, sob o nº 1180/09.5TBEPS do Juiz 2, a embargada era interessada, tal como a sua mãe, ora executada e onde a contestante-tutora foi cabeça de casal, inventário esse onde a contestante, tinha que pagar tornas a sua mãe, tendo junto a estes, em 08/02/2019, a cópia da sentença que ora se executa, esclarecendo que crédito de tornas da ora executada estava pago por compensação, o que veio a ser deferido por despacho proferido nesses autos.
Sustenta, assim, que a embargante age de má fé pois conhece há mais de dois anos (a embargante e tutora) a sentença dada à execução, agindo com abuso de direito na sua invocação nesta sede.
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Consignando-se que o estado dos autos permitia já o conhecimento do mérito dos embargos de executado, nos termos do art. 595º, nº1, alínea b), do Cód. Proc. Civil ex vi art. 732º, nº 2), foi proferido saneador sentença, que julgou os presentes embargos de executado procedentes, por provados, e, consequentemente, julgou extinta a execução.
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Não se conformando com tal decisão, veio a exequente/embargada A. C., interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:

« A. A citação dirigida à Ré (agora executada), no processo onde foi proferida a sentença exequenda, foi enviada para o lar de idosos em que a ré residia e foi recebida na pessoa de L. F., tendo sido, posteriormente, enviada nova carta nos termos do art. 233.º do CPC.
B. A citação da Recorrida cumpriu todas as formalidades legais previstas e presume- se ter chegado ao conhecimento da tutora da executada- embargante.
C. A executada foi citada (após penhora), no âmbito do processo executivo, na mesma morada e mesmos moldes, em que fora executada no âmbito do processo declarativo.
D. A executada reagiu à citação efectuada no processo executivo, mas não o tinha feito no âmbito do processo declarativo.
E. A citação efectuada no processo declarativo, tal como a realizada no processo executivo, é válida e não padece de qualquer vício, tendo chegado ao conhecimento da tutora da interdita.
F. A tutora da interdita, nem no próprio processo, nem em recurso de revisão, reclamou da falta/nulidade da citação.
G. A executada e sua tutora, além de terem sabido da citação (tal e qual como no processo executivo), tomaram conhecimento da sentença proferida.
H. A sentença proferida foi junta - em 8/02/2019 - ao processo de inventário, onde executada e tutora eram partes interessadas.
I. Executada e tutora conformaram-se com a dispensa de pagamento de tornas de que a ora recorrente beneficiou (a seu pedido) no âmbito do processo de inventário (por compensação de créditos), após concordância do Ministério Público e Mº Juiz do processo.
J. A executada e tutora (se algum vício existiu) renunciaram (ainda que tacitamente) à invocação de qualquer nulidade de citação, não só por nunca o terem invocado, como também por nunca terem apresentado recurso de revisão.
K. Só de má fé e em abuso de direito a embargante pode dizer que foi surpreendida com a presente execução, quando há anos sabia da existência da sentença condenatória e da aceitação do seu teor (tanto mais que aceitaram a compensação de créditos, para evitar o depósito das tornas devidas pela exequente à executada).
L. Depois da compensação de créditos e dispensa do pagamento das tornas, a executada (o que bem sabe a sua tutora) ainda ficou a dever à ora exequente o valor exequendo.
M. A citação efectuada à ora executada (então Ré), no âmbito do processo declarativo (tal como a ocorrida no processo executivo, que foi feita nos mesmos moldes), não padece de qualquer vício.
N. Mesmo a verificar-se a existência de qualquer vício na realização da citação no âmbito do processo declarativo, tal vício deve ter-se por sanado e a sua invocação julgada totalmente extemporânea.
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, que V/ Exas. doutamente suprirão, deverá dar-se provimento ao presente recurso, julgando-se os embargos improcedentes e ordenando-se o prosseguimento da execução.»
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Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. Objecto do recurso

As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objecto, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou relativas à qualificação jurídica dos factos, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b) e 5º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil (C.P.C.).
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Face às conclusões da motivação do recurso, as questões a decidir residem em saber: se ocorre falta de citação ou nulidade por falta de citação da embargante no âmbito da acção declarativa cuja sentença constitui o título executivo nos autos principais de execução e se a embargante renunciou a arguir tal nulidade, mostrando-se vedada a sua invocação em sede de embargos de executado, se esta se mostra sanada ou se existe abuso de direito na sua invocação.

III – Fundamentação fáctica.

No saneador sentença foram dados como provados os seguintes factos:

« 1. A exequente deu à execução sentença, datada de 14-11-2018, transitada em julgado em 19-12-2018, proferida no âmbito da acção declarativa sob a forma de processo comum n.º 639/18.8T8EPS, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Esposende, J2, na qual a ora executada/embargante foi condenada a pagar à exequente/embargada, a quantia de € 8.327,77 €.
2. Nos autos identificados em 1 foi proferido despacho, com data de 22/10/2018, considerando que, a R., apesar de devidamente citada, não contestou, pelo que foram considerados confessados os factos alegados pela A...
3. No processo nº124/16.2T8EPS, que correu termos no Tribunal da Comarca de Braga, Juízo de Competência Genérica de Esposende, J1, a executada foi interditada por sentença, proferida em 28-11-2016, junta aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
4. No referido processo de interdição foi nomeada como tutora a filha M. I..
5. Já no processo de inventário identificado na sentença dada à execução, a executada tinha sido considerada incapaz sendo representada por um curador.
6. A tutora da executada, M. I. nunca foi citada para contestar o referido processo, em representação da executada que já estava interdita.
7. A citação dirigida à executada para o referido processo, foi enviada para o lar de idosos em que executada reside e foi recebida na pessoa de L. F..
8. Tendo sido, posteriormente, enviada nova carta nos termos do artº 233º do C.P.C.
9. A tutora foi Cabeça de Casal no processo de inventário que correu termos no Tribunal Judicial de Esposende, sob o nº 1180/09.5TBEPS do Juiz 2.
10. Nesse processo a embargada era interessada, tal como a sua mãe, ora executada.
11. A embargada, no referido inventário tinha que pagar tornas a sua mãe, no valor de € 4.276,53.
12. No mesmo inventário a embargada juntou, em 08/02/2019, a cópia da sentença que ora se executa, esclarecendo que o crédito de tornas da ora executada estava pago por compensação de um crédito superior da interessada A. C. – refª 8225757 do inventário.
13. Ainda no âmbito do referido processo de inventário, todos os interessados (e o Ministério Público) foram notificados da decisão, proferida a 14/03/19, que, considerando o teor da sentença proferida no Processo nº 639/18.8T8EPS e na sequência de promoção do MºPº, decidiu que a interessada A. C. (aqui embargante) estava dispensada de depositar as tornas devidas à interessada M. L., ora executada.
14. A aqui embargante intentou, em 19-10-2020, contra a embargada acção de processo comum que correu termos com o n.º 618/20.5T8EPS, do Juízo de Competência Genérica de Esposende, Juiz 2, onde pede que seja declarada nula a citação realizada no Processo nº 639/18.8T8EPS, que correu termos neste tribunal, por preterição de formalidades prescritas na lei, nos termos do artigo 191º nº1 e nº4, do C.P.C., e, bem assim, que seja anulado todo o processado após a petição inicial apresentada em tal processo nos termos do artigo 187º al.a e 188º nº1 al.e, do C.P.C.; e, finalmente, a condenação da ré a pagar uma multa e uma indemnização de quantia a definir pelo Tribunal, nos termos do artigo 542º nº1 e nº2, al.b, do C.P.C..
15. No processo referido em 14 foi proferida decisão que julgando haver erro na forma do processo, absolveu a ré da instância, nos termos do artigo 576º, nº 2, do referido C.P.C.».

Consignou-se na motivação de facto que:
«O Tribunal fundou a sua...

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