Acórdão nº 75/08.4TBFAF.1.G3 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27-10-2022

Data de Julgamento27 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão75/08.4TBFAF.1.G3
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

Na ação de processo sumário com o n.º 75/08.4TBFAF foi proferida sentença, devidamente transitada em julgado, julgando improcedente o reconhecimento do direito de propriedade do autor A. C. e o direito à restituição das parcelas em que foi implantada a autoestrada A 7, condenando a ré X - Estradas ..., S.A. a pagar ao autor o valor que vier a ser liquidado em incidente de liquidação, pelo prejuízo sofrido com a violação do direito de propriedade relativamente aos prédios identificados nos autos - prédio denominado Campo e Leiras ..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º …/20071002; prédio rústico denominado Leira ..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º …/20071002 - mais julgando improcedente a reconvenção deduzida.

Os autores A. C. e esposa, M. C., deduziram, então, incidente de liquidação de sentença, liquidando os valores do seguinte modo:

a) 15% sobre o valor do custo global médio da construção da autoestrada no troço Guimarães - Fafe, sublanço Calvos - Fafe;
b) No pagamento da quantia de 61.500,00 € a título de despesas forenses, acrescido das custas processuais suportadas pelos aqui Autores em todos os processos intentados por este motivo;
c) No pagamento da quantia de 1.000,00 € de danos morais para cada um dos autores;
d) No pagamento do montante que se vier a apurar em termos de desvalorização da parcela sobrante.

Para tanto alegam, em síntese, que a ré se apoderou ilegalmente de quatro parcelas de terreno daqueles, as quais foram integradas na autoestrada e daí estar obrigada a indemnizá-los pelos danos decorrentes da violação do seu direito de propriedade. Os danos a indemnizar abrangem, em sede de danos patrimoniais, o pagamento da área de que se serviu ilegalmente a ré, a indemnização pelos efeitos negativos nas partes sobrantes daquelas parcelas de terreno, os encargos com as demandas que os autores foram obrigados a intentar, a indemnização pelos lucros cessantes e a compensação pelos danos morais sofridos com o desgaste que esta situação lhes tem causado. Quanto ao valor das parcelas de terreno, sustentam que a ocupação definitiva ocorreu em 06-05-2003, data em que foi lavrado o auto de posse administrativa por parte da ré, e o valor dessas parcelas é proporcional àquilo que nelas se pode construir, pelo que tendo nelas sido construída uma autoestrada, o valor dessas parcelas de terreno corresponde a 15% sobre o custo global da autoestrada nelas implantadas.
A Infraestruturas ..., S.A., deduziu oposição à liquidação, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Na sequência de despacho que decidiu julgar inepta a petição inicial por falta de causa de pedir e, consequentemente, absolveu o réu da instância, no que concerne aos pedidos formulados em a), c) e d) do petitório, foi proferido acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, determinando o prosseguimento dos autos para conhecimento dos pedidos formulados em a), c) e d) do petitório inicial.
Após notificados para concretizarem os pedidos que formulam nas alíneas a) e d), do petitório inicial vieram os autores especificar os pedidos formulados nas alíneas a) e d) do seguinte modo: - € 190.605,00 € relativamente à alínea a); - 54.832,00 €, relativamente à alínea d).
Foi proferido despacho saneador que julgou a autora M. C. parte ilegítima na ação, prosseguindo a ação apenas entre o autor A. C. e a ré Infraestruturas ..., SA.
Foi realizada perícia singular e outra colegial.
Realizou-se a audiência final tendo o autor ampliado o pedido relativo à alínea a) para a quantia de 275.359,54 € ampliação que veio a ser admitida, conforme decorre da respetiva ata.

Após, foi proferida sentença, liquidando a indemnização devida ao autor nos seguintes valores:
- 141.069,72 € a título de danos patrimoniais;
- 1.000,00 € a título de danos não patrimoniais; com custas na proporção do decaimento.
Inconformadas, ambas as partes interpuseram recurso de apelação.

A requerida Y - Infraestruturas ..., S.A. - terminou as suas alegações com a formulação das conclusões que se transcrevem:
«I. No casos dos autos, o autor logrou anular a DUP da expropriação, por falta de desafetação prévia da REN, pelo que se extinguiu o processo judicial de expropriação litigiosa em curso.
II. Foi considerado existir uma impossibilidade de devolução das parcelas expropriadas, sendo necessário indemnizar o lesado pelos danos que sofreu com a apropriação.
III. Estamos de acordo com a sentença quando refere que: “A medida da indemnização, embora não exista nestas situações um ato expropriativo, deve ser determinada, por analogia, de acordo com as regras substantivas do Código das Expropriações, porquanto o efeito jurídico na esfera do particular é o mesmo do decorrente de uma expropriação”
IV. Todavia, depois do estabelecimento deste princípio orientador, a sentença em crise, num volte face surpreendente, renega os princípios basilares que no Código das Expropriações determinam a fixação de uma indemnização, para atender à tese pugnada pelo autor de que as parcelas devem ser avaliadas não de acordo com o seu valor de mercado na altura da ocupação, mas sim de acordo com o valor do empreendimento rodoviário que nelas foi construído.
V. Depois de tão esclarecida declaração de princípio, de que de iriam ser aplicadas por analogia as normas do Código das Expropriações, é prescrito um critério que viola os princípios basilares daquele diploma.
VI. Bem como viola o princípio constitucional da Igualdade, não só na sua vertente interna (já que a indemnização alcançada é norteada por critérios que atribuem uma indemnização bem superior da que receberam os particulares que foram expropriados), como também na sua vertente externa (tal critério conduz a que seja atribuído um valor superior ao real e corrente do bem,, beneficiando aquele particular face aos que não foram sujeitos à construção da mesma obra rodoviária e, por isso mesmo, não beneficiaram daquela mais-valia artificial.
VII. Mas também viola o Princípio constitucional da justa indemnização, concretizado no Código das Expropriações no sentido de que aquela corresponde ao valor real e corrente do bem, vulgo valor de mercado, pois, são ignoradas as condicionantes legais e regulamentares à construção.
VIII. Pelo que a sentença é inconstitucional pela violação dos artigos 13.º e 62º da Constituição da República Portuguesa.
IX. Corre também num manifesta deficiência de cálculo pois é “enxertado” um valor de construção da autoestrada em fórmulas de cálculo que estão previstas serem aplicadas em referência a um aproveitamento construtivo normal, ao alcance de qualquer particular e, por isso mesmo, determinador do valor de mercado do bem.
X. Desde logo a sentença em crise adota um critério errado ao estabelecer que o valor da indemnização seja calculado tendo em conta a data mais recente e não a data da ocupação das parcelas (vd. parágrafo 4 da página 13 da sentença).
XI. Contrariando o despacho antes emanado, de 15/09/2020, o qual tinha decidido que os Srs. Peritos deviam elaborar a avaliação tendo por referência a data da ocupação da parcela, mais concretamente a data de 6.5.2003 (auto de posse administrativa).
XII. A partir do momento em que o tribunal a quo tomou a decisão, errada a nosso ver, de calcular o valor do terreno em função da autoestrada lá construída, o que notoriamente iria aumentar significativamente o seu valor, teve de fixar a data da “avaliação” num momento em que esta já estivesse construída.
XIII. Tal viola o disposto no Código das Expropriações, nomeadamente o artigo 23.º/1 do C.E. já que o valor alcançado por este critério é superior ao “valor real e corrente do bem”, não sendo a construção de uma autoestrada nem um aproveitamento económico normal, nem sequer o possível para qualquer particular.
XIV. Igualmente viola, como referimos, os Princípios constitucionais da Justa indemnização (previsto no artigo 62º), que prescreve que a expropriação por utilidade pública só pode ser efetuada mediante o pagamento de justa indemnização”, bem como o princípio constitucional da igualdade (previsto no artigo 13º), já que é adotado um critério que permite que o autor obtenha uma indemnização bem superior ao valor de mercado do seu bem.
XV. Tendo afirmado seguir o Código das Expropriações, comete mais uma flagrante contradição quando afirma aplicar o artigo 26.º do C.E, o qual prescreve o cálculo do valor do solo tem que atender ao aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor.
XVI. E é um facto notório que a construção de uma autoestrada não é o aproveitamento económico normal de um solo agroflorestal que integra a REN – Reserva Ecológica Nacional.
XVII. Além de a construção de uma autoestrada se encontrar fora do alcance de qualquer proprietário particular.
XVIII. O valor real e corrente do solo é naturalmente aquele que advém do seu aproveitamento económico normal, nos termos de uma utilização económica normal, permitida ao seu proprietário pelas leis e regulamentos em vigor.
XIX. O artigo 23/2 do C.E. vai mais longe quando expressamente exclui do valor dos solos a mais-valia que advenha da obra pública que nele venha a ser implantada.
XX. O que igualmente a sentença em crise viola, pois atende ao valor do empreendimento rodoviário que motivou a ablação da propriedade.
XXI. Em suma, a sentença em crise, depois de referir e bem, que iria seguir as regras substantivas do Código das Expropriações, afasta-se irremediavelmente delas, decidindo por uma avaliação do solo em momento diferente do da ablação do direito de propriedade e por um aproveitamento económico que não era o normal, o que resulta num valor que...

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