Acórdão nº 743/19.5T8LSB.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-10-24

Ano2023
Número Acordão743/19.5T8LSB.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO:
FF instaurou a presente ação declarativa de condenação contra TPU, Lda.[1], L Seguros, SA[2], e ALM, S.A.[3], alegando, em suma, que no dia 19 de janeiro de 2016 sofreu um acidente de trabalho, consistente no embate de uma pedra no seu olho esquerdo.
O acidente já foi reconhecido como sendo de trabalho, no âmbito do Proc. n.º ____/__._T8LSB, a correr termos no Tribunal do Trabalho de Lisboa.
No dia 20 de janeiro de 2016, não suportando as dores e porque pouco conseguia ver desse olho, o autor deslocou-se ao Serviço de Urgência do Hospital G, onde foi atendido, aí lhe tendo sido receitados medicamentos para desinflamar o olho.
Nesse mesmo dia, o autor reportou o sucedido à 1.ª ré, sua entidade patronal, a quem pediu que fizesse a participação à 2.ª ré, desconhecendo a data em que tal participação ocorreu.
Uma vez que os dias passavam e não lhe era marcada consulta médica, a sua esposa contactou a 2.ª ré para o efeito, ao que esta respondeu que não o faria enquanto a 1.ª ré não participasse formalmente o acidente.
Por sua vez, a 1.ª ré, umas vezes informava o autor que já havia participado o acidente, e outras, que se havia esquecido de o fazer.
Só no dia 5 de março de 2016 é que o autor foi consultado na clínica da 3ª ré, onde lhe foi dito que no olho esquerdo «apenas tinha uma cicatriz de nascença, e nada mais.»
Em julho de 2016 o autor começou a perder a visão, na sequência do que contactou novamente a 2.ª ré, que lhe afirmou que apenas reabriria o processo a pedido da 1.ª ré.
Perante isto, o autor deslocou-se ao Hospital G, onde foi visto por um médico que lhe diagnosticou inflamação, tendo sido medicado para o efeito.
Passados poucos dias, e uma vez que os sintomas persistiam, o autor deslocou-se ao Hospital SJ, em Lisboa, onde, para além de inflamação, lhe foi diagnosticada uma catarata no olho esquerdo.
No dia 10 de outubro de 2016, o autor foi a uma consulta particular no “Oculista do F” (Grupo Optivisão), onde lhe foram diagnosticadas, no olho esquerdo, disfunções pupilares devido a sinéquias por inflamação úveal anterior antiga, devido a traumatismo, apresentando uma catarata unilateral não senil.
Reportada a situação à 2.ª ré, foi agendada nova consulta na clínica da 3.ª ré, altura em que o autor foi informado que, fruto dos 10 meses decorridos, sem tratamento conveniente da inflamação e a trabalhar, teria que ser sujeito a cirurgia urgente para remover a catarata no olho esquerdo.
Tal cirurgia foi realizada no dia 25 de novembro de 2016, mantendo-se o autor em situação de baixa médica desde então e até ao dia 17 de janeiro de 2017, altura em que regressou ao trabalho, em regime de tratamento sem incapacidade.
No dia 7 de março de 2017, a 3ª ré deu alta ao autor com a indicação «curado sem desvalorização», apesar de referir no relatório que o olho esquerdo precisava, a partir de então, de correção ótica, ou seja, do uso de lentes progressivas.
Sucede que, no dia 25 de junho de 2017, o autor deixou de ver por completo do olho esquerdo, facto que reportou à 1.ª autora, e esta à 2.ª ré, a qual lhe referiu que deveria dirigir-se a um Hospital.
Perante a insistência do autor, a 2.ª ré remeteu-o novamente para a 3.ª ré, em cuja clínica foi consultado no dia 28 de junho de 2017, tendo-lhe sido diagnosticado descolamento da retina do olho esquerdo.
Nessa altura foi agendada nova consulta para o dia 30 de junho de 2017, em regime de incapacidade absoluta.
Nesta última consulta foi marcada uma 2ª cirurgia para o dia 30 de junho de 2017, que se realizou, tendo-lhe sido retirados os pontos três semanas depois.
Em 20 de novembro de 2017 ocorreu um novo descolamento da retina do olho esquerdo, pelo que, no dia seguinte, foi realizada uma 3.ª cirurgia, tendo-lhe sido retirados os pontos no dia 27 de novembro de 2017.
No dia 12 de fevereiro de 2018, a 2.ª ré deu alta ao autor para readaptação funcional, em regime de incapacidade temporária parcial, com o coeficiente de 20%, e incapacidade permanente parcial a partir de 26 de fevereiro de 2018.
Não obstante se encontrar a correr termos no Tribunal do Trabalho o processo acima identificado, decorrente de acidente de trabalho, «o que se discute na presente ação é a responsabilidade pela perda de visão quase total do olho esquerdo do A..
Que, para o A., não se ficou a dever exclusivamente ao acidente, outrossim, à negligência das 1ª e 2ª RR. no tratamento e agilização do processo de sinistro e à negligência médica da 3ª R. no tratamento da inflamação e na realização tardia das 1ª e 2ª intervenções cirúrgicas (25.11.2016 e 30.06.2017), assim como nas técnicas e materiais usados.
Pois, qualquer das operações teria que ter sido realizada no período máximo de 48 horas, assim o ditam as boas práticas médicas.
O que teria evitado a cegueira do olho esquerdo, assim como os danos materiais e morais, a depressão psicológica, os incómodos, transtornos e dores, de que o A. padeceu.»
Em consequência da atuação das rés, o autor sofreu danos de natureza patrimonial e não patrimonial, que computa em €60.000,00, «a pagar pelas três RR. ao A., na proporção de responsabilidade que o Tribunal vier a arbitrar, mas que se indica de 20% para a 1ª R., 30% para a 2ª R. e 50% para a 3ª R..»
O autor conclui assim:
«Nestes termos e nos melhores de direito, deve:
A presente ação ser julgada procedente por provada, condenando-se as RR. a pagar ao Autor, na proporção da responsabilidade que lhes vier a ser arbitrada, uma indemnização global de €60.000,00 (sessenta mil euros), acrescida dos juros devidos desde a data do sinistro até integral pagamento, assim como a pagar o valor de procuradoria e demais custas e encargos do processo.»
*
A 3.ª ré contestou, defendendo-se por impugnação, ao logo de um prolixo e exageradamente extenso articulado.
Nesse articulado deduz ainda o incidente de intervenção principal provocada da Seguradoras U, Lda.
Conclui assim:
«Nestes termos, nos melhores de Direito e nos que mais doutamente serão supridos, deverá:
a) Ser a presente ação julgada improcedente, por não provada e, em consequência, ser a R. absolvida do pedido.
b) Ser admitida a intervenção principal provocada da Seguradora Tranquilidade - Seguradoras U, S.A., (...), para no caso de ser efetivada a responsabilidade civil da R. ser aquela seguradora considerada a responsável pelo pagamento dos montantes indemnizatórios e condenada nessa medida.»
*
A 2.ª ré apresentou igualmente contestação, começando por arguir a exceção dilatória consistente na sua ilegitimidade para os termos da presente causa.
No mais, defende-se por impugnação.
Conclui assim:
«Nestes termos e nos melhores de Direito, deve a invocada excepção de ilegitimidade ser julgada procedente por provada e, consequentemente, ser a Ré L Seguros, S.A. absolvida da instância para todos os devidos e legais efeitos.
Caso assim se não entenda, deve presente acção ser julgada improcedente por não provada e, consequentemente, ser a Ré L Seguros, S.A. absolvida do pedido com todas as legais consequências.»
*
A 1.ª ré também contestou, defendendo-se por impugnação.
Conclui assim:
«Nestes termos e nos mais de direito deve a R. ser absolvida.»
*
Por decisão de 2 de maio de 2019 foi julgado procedente o incidente de intervenção principal provocada da Seguradoras U, S.A.
*
Citada a chamada Seguradoras U, S.A., apresentou contestação, defendendo-se por via de impugnação.
Conclui assim:
«Termos em que deve o presente pedido ser julgado improcedente, por não provado, com as necessárias consequências legais.»
*
No requerimento que apresentou no dia 21 de setembro de 2019, a 3.ª ré deduziu incidente de intervenção principal provocada da F – Companhia de Seguros, S.A., o qual foi julgado procedente por decisão de 30 de outubro de 2019.
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Citada a chamada F, S.A., apresentou contestação, que concluiu assim:
«Nestes termos e nos melhores de Direito, deve:
(i) Ser julgada procedente a defesa por excepção relativa aos limites de cobertura dos contratos de seguro, às exclusões previstas no contrato de seguro e ao limite decorrente da existência de pluralidade de seguros, com as legais consequências;
(ii) Ser a presente acção julgada improcedente por não provada, absolvendo-se a ora Interveniente do pedido.»
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Na audiência prévia foi julgada improcedente a exceção dilatória arguida pela 2.ª ré, consistente na sua ilegitimidade para os termos da causa.
*
Ainda na audiência prévia foi decidido o seguinte:
«Relativamente à desistência da instância requerida pela Ré ALM, S.A., 3ª. Ré, quanto à Chamada Seguradoras U, S.A., por esta foi declarado que aceita tal desistência.
Assim, por válida e eficaz, homologo a desistência da chamada Seguradoras U, S.A. – artigos 283º, n.º 1, 285º, n.º 2 e 286º, n.º 1 do C.P.C.[4]»
*
Na subsequente tramitação dos autos, realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Face ao exposto e sem necessidade de outras considerações, julgo improcedente por não provada a acção e, em consequência, absolvo as rés do pedido.»
*
Inconformado, o autor interpôs o presente recurso de apelação, concluindo assim as respetivas alegações:
«I- Em nosso entendimento, há contradição entre a matéria de facto dada como provada e a fundamentação de facto e direito usadas.
II- Dos factos dados como provados, só poderia resultar provada a culpa e responsabilidade das RR. nos danos/perda de visão do OE do A.
III- Nem os poucos factos dados como não provados nem a sua fundamentação sustentam a decisão que acabou por ser tomada.
IV- De acordo com a matéria dada como provada, o Tribunal teria de ter concluído que o atraso e a falta de tratamento adequado do traumatismo ocular, originou a catarata e a falta de tratamento desta, causou o 1º descolamento de retina e a inflamação dos pontos deste, o 2º descolamento de retina e
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