Acórdão nº 738/15.8BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 2024-03-14

Ano2024
Número Acordão738/15.8BELRS
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção da Execução Fiscal e de Recursos de Contraordenação do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

A…, LDA., melhor identificada nos autos, veio interpor recurso judicial da decisão administrativa de fixação da coima, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2, no processo de contraordenação nº 324…., no montante de € 21.730,87 acrescido de € 76,50 de custas, pela prática da contraordenação prevista nos artigos 27.°, n.° 1 e 41.°, n.° 1, alínea b) do CIVA, por falta de entrega da prestação tributária referente ao período 2013/12T dentro do prazo legalmente estabelecido.

O Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, por sentença de 28 de fevereiro de 2019, julgou procedente o recurso e declarou nula a decisão recorrida com a consequente anulação dos termos subsequentes.

Inconformada, a FAZENDA PUBLICA (FP) veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:
«A. Ao determinar a nulidade da decisão de aplicação de coima, incorreu o tribunal em erro de julgamento.

B. Analisada a petição inicial de recurso de contra-ordenação verifica-se que a arguida percebeu perfeitamente que factos lhe eram imputados a título de ilícito contra-ordenacional, pelo que não lhe foram coarctados quaisquer direitos de defesa.

Acresce que,

C. Dos elementos juntos aos autos, afigura-se que a decisão sancionatória contém os elementos bastantes no que respeita aos factos típicos,

D. Resultando da decisão de aplicação de coima toda a factualidade subsumível ao tipo de contra-ordenação em causa.

E. Pelo que ao não entregar o montante declarado, que resultou do saldo positivo a favor da AT após confrontação do volume global do imposto liquidado com o que foi pago pelo sujeito passivo aos fornecedores ou prestadores de serviços, violou o art. 27°, n° 1 do CIVA, infracção punível nos termos do art. 114° do RGIT.

F. Termos em que, tendo a decisão recorrida decidido como decidiu, violou o disposto no art. 79°, n°1,al. b) do RGIT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a reclamação judicial totalmente improcedente.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.»


»«

Devidamente notificada para o efeito, a Arguida, A…. Lda., veio responder, tendo apresentado alegações e formulado as seguintes conclusões:

I. A questão suscitada no recurso interposto pela Fazenda é exclusivamente de direito, porquanto não põe em causa a factualidade considerada na decisão recorrida, nem invoca factos que aí não tenham sido contemplados, nem tão pouco faz qualquer juízo de censura sobre questões probatórias.
II. Pelo que é este TCA incompetente para conhecer do recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública; pelo contrário, seria naturalmente competente a Secção de Contencioso Tributário do STA, de acordo com o disposto nos artigos 26°, n° 1, al. b) e 38°, n° 1, al. a), do ETAF e 83°, n° 2 do RGIT.

III. Sem conceder, deverá improceder o fundamento do recurso da Fazenda, pois os requisitos estabelecidos no artigo 79.° do RGIT, ao contrário do que decorre da argumentação da Fazenda, configuram requisitos objetivos.

IV. Ou seja, menções que constam ou não da decisão de aplicação de coima, não podendo ser ignoradas conforme as características subjetivas dos sujeitos passivos, nomeadamente a sua maior ou menor capacidade de compreensão.

V. Não pode, outrossim, o eventual conhecimento que a arguida obtenha até ao momento da “petição de recurso de contra-ordenação'’", por força da sua insistência junto dos serviços e em virtude da instauração de inquérito criminal entretanto arquivado, suprir a nulidade consignada na alínea b) do n.° 1 do artigo 79.° do RGIT (cf. os doc.°s n.°s 5 a 10 juntos com a p.i.).

VI. Por outro lado, é inteiramente falso que o teor do auto de notícia que a Fazenda Pública reproduz no ponto III.11 do Recurso conste da decisão de aplicação de coima - nem “explicitamente”, como afirma a Fazenda, nem implicitamente... nem na íntegra, nem em parte!

VII. Conforme a jurisprudência superior citada na douta sentença recorrida, deveria constar da descrição sumária dos factos, em face da contraordenação em causa nos autos, o facto de a prestação tributária ter sido deduzida, o que não aconteceu (cf. as págs. 13 a 16 da douta sentença recorrida).

VIII. Sem conceder, requer, conforme a jurisprudência pacífica do STA e dos demais Tribunais Superiores, nos termos e para os efeitos do artigo 636.° do CPC, aplicável por força dos artigos 3.°, b), do RGIT, 41.° do RGCO e 4.° do CPP, a ampliação do objeto do recurso para que sejam apreciados os fundamentos invocados na p.i., cujo conhecimento ficaram prejudicados em primeira instância, conforme abaixo exposto.

IX. A entrega da prestação tributária em falta “vale como pedido de redução” da coima a aplicar, conforme dispõe o n.° 4 do artigo 30.° do RGIT.

X. Tendo esse pedido ocorrido mais de 30 dias sobre a data da prática da infracção, mas ainda “sem que tenha sido levantado auto de notícia, recebida participação ou iniciado procedimento de inspecção tributária’", tem a ora Recorrida o direito a beneficiar da redução a que alude o artigo 29.°, n.° 1 b) do RGIT.

XI. Se à data em que a arguida é confrontada com o auto de notícia, participação ou com o início do procedimento de inspecção tributária não tiver regularizado por sua vontade a falta cometida, naturalmente já não poderá beneficiar do direito à redução das coima a que se referem as alíneas a) e b) do n.° 1 do art.° 29.° do RGIT,

XII. Pelo contrário, se à mesma data a arguida demonstrar que regularizou a falta cometida - por acto e motu próprio, voluntário e absolutamente espontâneo -, não será porque a instauração electrónica, automatizada e meramente interna do processo sobreveio que se poderá ver privada desse mesmo direito.

XIII. O direito à redução das coimas radica justamente dessa diferenciação necessária: o infractor que regularize a sua falta depois de ter sido confrontado com o auto de notícia, participação ou início do procedimento de inspecção não pode ser sancionado na mesma medida que o infractor que espontaneamente regularizou a sua falta, sem saber se esta foi ou não sequer detectada pela administração.

XIV. Uma diferente interpretação conduziria a uma grosseira violação da Constituição da República Portuguesa, por ofensa ao princípio da proporcionalidade ínsito no seu artigo 2.°, nas suas dimensões de adequação, necessidade e justa medida, tal como se deixou alegado.

XV. No caso, verifica-se que a ora arguida regularizou a sua falta sem que nada nem ninguém lhe desse a conhecer a infracção, sem esperar que a sua infracção fosse detectada. Pelo contrário, regularizou-a de imediato assim ela própria a detectou.

XVI. A aparente instauração de processo de contra-ordenação em momento anterior, em 23 de março de 2014 - um domingo - só poderia proceder, por sua vez, de um comando automático inserido num processo autómato, informatizado, cujos efeitos só se poderiam ter como exclusivamente internos, endógenos, preliminares, i.e., sem que possam surtir quaisquer outros efeitos juridicamente relevantes sobre a ora Recorrida que não conheceu nem poderia conhecer essa “instauração”.
XVII. Acresce que a instauração do processo de contraordenação nessa data resulta, na realidade, de documentos inquinados de falsidade, nomeadamente o auto de notícia, cuja arguição a ora Requerida efetuou através do seu requerimentos de fls. 115 e de fls. 172 (SITAF), e que aqui renova.

XVIII. Com efeito, é francamente inverosímil que no referido dia de 23 de março de 2014 - um domingo - o Sr Inspector F… F… se tenha deslocado à DSCIVA, sita na Av… J…, em Lisboa, para verificar “pessoalmente” a infração tributária e elaborar o auto de notícia,

XIX. E, simultaneamente, a Escrivã M… B…. e o Chefe de Finanças J…. V…. se tenham deslocado ao SF de Lisboa 2, à Rua R…. F…, Lisboa, para tramitar o processo, designadamente para o autuar, fazer concluso ou nele fazer constar qualquer despacho.

XX. Pois, como é do conhecimento público, os serviços e repartições locais e centrais da administração tributária estão encerrados aos domingos.

XXI. A comprovar essa inverosimilhança, os próprios documentos de fls. 1, 3 e 4 destes autos (fls. 2, 4 e 5 do SITAF) indicam nos respetivos cantos inferiores esquerdos uma data - bastante - posterior a 23 de março de 2014.

XXII Aliás, a Fazendo veio posteriormente a confessar que “Em 2014-03-23 foi instaurado pela Direcção de Serviços de Cobrança do IVA (DSCIVA) o Processo de Contra-Ordenação (...) através de sistema informático” e “não havendo intervenção manual de qualquer funcionário'’”- cf. o ofício junto com o requerimento da Fazenda de fls. 154 (SITAF), em resposta ao douto despacho de fls. 124 (SITAF).
XXIII. Não pode, pois, este TCA permitir que a Fazenda extraia as consequências sancionatórias em causa nos presentes autos da data de elaboração do auto de notícia assim inquinado de falsidade, em violação dos princípios da lealdade e do processo equitativo, devendo declará-los como falsos, nos termos do artigo 373.°, n.° 2 do Código Civil e dos artigos 169° e 170° do CPP, aplicáveis por força do disposto nos artigos 3.°, b), do RGIT e 41.° do RGCO.

XXIV. Em suma, só em 11 de...

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