Acórdão nº 73700/20.YIPRT.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2022-05-10

Ano2022
Número Acordão73700/20.YIPRT.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO LOCAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA)


Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

*

1 – RELATÓRIO

Em autos de processo comum resultante de injunção, relativa a obrigação emergente de transação comercial, proposta por AA contra “F..., Lda.”, ambos melhor identificados nos autos, pretende o Autor que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 21.265,40€ sendo 14.840,00€ de capital, 6.272,40€ de juros, e 153,00€ de taxa de justiça paga.

Alega, para tanto, e em síntese, que vendeu à Ré no dia 8/6/2015 doze bovinos, que foram entregues a esta, pelo preço de 14.000,00€, acrescido de IVA, o que perfaz a quantia de 14.840,00€, conforme a fatura nº 0523.

O sócio gerente da Ré disse ao A. que não tinha cheques para pagar e por isso ofereceu-se para ir ao Multibanco com o A., para fazer a transferência bancária para o NIB fornecido pelo A. Na caixa de multibanco o sócio gerente pegou no cartão de multibanco do Requerente e efetuou uma transferência bancária e no fim disse para o Requerente que o depósito estava feito, só que essa transferência bancária para pagar o preço da venda dos bovinos nunca foi creditada na conta do A.

Apesar do A. ter interpelado o sócio gerente da R. de que a transferência não tinha sido efetuada para a sua conta, o certo é que o valor da venda nunca foi creditado na conta do A. O sócio gerente da R. fez uma declaração não séria nos termos do nº 2 do artigo 245º do Código Civil ao dizer que o depósito estava feito. Ao capital inicial acresce juros desde a data da venda até ao presente no valor de 6.272,40€, sendo os juros no valor de 1.269,90€ à taxa de 8,05% desde 8/6/2015 até 30/06/2016 e o valor de juros na quantia de 5.004,50€ contados desde 1/7/2016 a 16/09/2020 à taxa de 8%, valor a que acrescem juros vincendos até integral e efetivo pagamento da fatura.

*

Notificada, a Ré deduziu oposição, em que diz, em síntese, que a injunção que deu causa a esta ação consubstancia uma mera manobra do A. para tentar enriquecer à custa da R., que nada deve ao A.

Foi instaurado processo de insolvência contra a Ré, sob o nº 2442/20.... do Tribunal de Comércio ..., processo que terminou por desistência, cujo prazo de contestação terminava a 08/09/2020, e porque não encontrava os recibos de pagamento ao A. telefonou-lhe a solicitá-los tendo este dito que não os tinha em seu poder, mas que a Ré nada lhe devia. O sócio gerente da Ré procurou então no seu arquivo pessoal e encontrou os recibos das faturas n.ºs 523 e 526, docs. 1 e 2 que junta, pagamentos que haviam sido feitos com dinheiro próprio do mesmo.

Em 21/09/2020 o A. pensando que a R. não possuía recibos dos pagamentos veio intentar a presente ação.

Como demonstra o recibo o A. recebeu da R. o pagamento do preço. Se não o tivesse recebido não teria negociado de novo com a R., cfr. Doc. 2 e teria reagido de imediato.

A R. limitou-se a pagar a fatura, conforme comprova o respetivo recibo.

Mais diz que o A. deduziu, com dolo, pretensão cuja falta de fundamento não ignorava. Alterou deliberadamente a verdade dos factos, tendo feito do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal. Deverá assim ser condenado como litigante de má-fé em multa e indemnização a favor da R., a fixar na quantia que julgue mais adequada à conduta do A.

*

Notificado para aperfeiçoar o requerimento inicial o Autor veio dizer que o sócio gerente da Ré pediu ao Autor o NIB deste, como o mesmo se encontra inscrito no cartão de multibanco, o Requerente entregou ao sócio gerente da Ré o cartão de multibanco para que este pudesse digitalizar o NIB da conta do Requerente onde ia ser concretizado o pagamento do preço dos bovinos. O NIB para onde o pagamento devia ter sido efetuado era o seguinte: ...48 da C..., onde o Autor tem conta. O pagamento dos bovinos devia ter sido efetuado em 8 de junho de 2015, ou seja no dia em que a Ré carregou os bovinos da pecuária do Autor. O Autor deu conta que não houve transferência bancária cerca de um mês depois da suposta transferência ter sido realizada. O Autor ao longo deste lapso de tempo sempre solicitou o pagamento do preço dos bovinos, só que o sócio gerente da Ré lhe dizia que a transferência do montante do preço dos bovinos costumava ser demorada, o que criou a convicção no Autor que o sócio gerente da Ré estava a falar a verdade, por se ter criado laços de confiança e de amizade entre ambos, visto que o sócio-gerente da Ré ia praticamente todos os dias a casa do Autor pedir ajuda como criar bovinos, e por ser uma pessoa de idade que nunca tinha trabalhado com transferências bancárias, mas sim sempre pelo método tradicional, quando vendia gado o Autor recebia o seu preço por cheque ou em dinheiro.

Só quando a Ré pediu o recibo ao Autor e este foi ao livro das faturas e verificou que não tinha o recibo, chamou novamente atenção ao sócio gerente da Ré que nunca tinha sido creditado na sua conta o valor da fatura e peticionou uma vez mais o pagamento.

*

Notificada a Ré veio dizer que nunca o A., até à injunção dos autos, solicitou à R. o pagamento do preço uma vez que bem sabe que esta nada lhe deve.

Existiam efetivamente relações de amizade e confiança entre A. e R., razão pela qual não se compreende que o A. só tivesse detetado a existência da alegada dívida antes de propor a injunção.

É também estranho dizer-se que o A. não estava familiarizado com a utilização de cartões multibanco quando dos extratos bancários juntos aos autos se constata que o A. efetua as suas compras através do aludido cartão.

*

Foi proferido despacho que fixou o valor à causa.

Foi proferido despacho saneador.

Mais foi proferido despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova, sendo que foi ainda proferido despacho a admitir os requerimentos de prova.

*

Procedeu-se a julgamento, conforme Ata respetiva.

Na sentença, considerou-se, em suma, que face à factualidade apurada, resultava que o A. havia vendido à R. os 12 bovinos em causa, por € 14.840,00 (incluindo IVA), pelo que, não tendo a Ré provado, como lhe competia, nos termos do art. 342º, nº2 do C. Civil, ter pago a correspondente fatura, era esta última responsável pelo pagamento do respetivo preço, como peticionado, a que acresciam juros, mas só desde a citação, termos em que se concluiu com o seguinte concreto “dispositivo”:

«III. Decisão

Por todo o exposto:

a) Julgo parcialmente procedente a ação, em consequência do que condeno a ré F..., Lda. a pagar ao Autor a quantia peticionada de 14.840,00€ (catorze mil oitocentos e quarenta euros), bem como juros de mora vencidos, às referidas taxas, sobre aquele valor, desde a citação até integral pagamento, absolvendo-a quanto ao mais peticionado.

b) Condeno o Autor e a Ré, no pagamento das custas, na proporção do respetivo decaimento.

Registe e notifique.»

*

Inconformada com essa sentença, apresentou a Ré recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

«1) Foram julgados como provados os factos que se deixaram referidos no ponto II do corpo destas alegações e que por uma questão de economia processual aqui se dão por reproduzidos.

2) De tais factos resulta inequivocamente que a Ré já pagou o quantitativo em que foi condenado, contrariamente ao entendido pela d. sentença recorrida.

3) E não se diga que o facto do R. alegar que não se recorda como efectuou tal pagamento é o mesmo que dizer que desconhece como tal pagamento foi realizado.

4) O que o R. afirmou foi que, decorridos 5 anos após o pagamento, já não consegue recordar-se de que modo o efectuou.

5) Sublinhe-se que este pagamento foi efectuado com dinheiro próprio do sócio gerente da Ré e não pela própria Ré, uma vez que esta não tinha hipótese de o fazer.

6) E tal facto explica que não tivesse ficado registado o meio de pagamento utilizado, sendo que durante este lapso de tempo o sócio gerente da Ré procedeu a inúmeros pagamentos.

7) A d. sentença recorrida defende também que o “recibo” junto aos autos não pode ser considerado um verdadeiro recibo uma vez que não está assinado pelo A.

8) Só que o recibo foi emitido em papel timbrado do A., onde este está perfeitamente identificado.

9) Por outro lado resulta do facto 3 da matéria provada que aquele recibo foi entregue pelo A. ao sócio gerente da Ré,e que apesar de não estar assinado, foi por ele emitido.

10) Assim à sua força probatória sempre será aplicável o artº 376 do C.C. uma vez que está reconhecida expressamente a sua autoria pelo próprio A.

11)...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT