Acórdão nº 7321/23.2T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11-01-2024

Data de Julgamento11 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão7321/23.2T8STB.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Apelação n.º 7321/23.2T8STB.E1
2ª Secção

Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I

Em 06/11/2023 deu entrada o presente procedimento cautelar comum intentado por (…), Lda., com sede na Estrada da (…), n.º 27, 2900-534 Setúbal, contra (…), com domicílio em Praça (…), n.º 16, 6.º Esq.º, 2900-285 Setúbal, tendo sido pedido dispensa de contraditório prévio do Requerido, nos termos do artigo 366.º do CPC.

Pretende a Requerente seja decretada a entrega imediata pelo Requerido à Requerente, da parte urbana do Prédio misto que identifica, sendo dispensada do ónus de propositura da ação principal na decisão que decrete a providência.

Alega em suma que, dedica-se à atividade de compra e venda, revenda e alojamento local de imóveis.

Nesse âmbito adquiriu a um terceiro (“Fundo Aberto de Investimento…”), entre outros, o prédio misto que identifica, sito em Palmela, livre de ónus e encargos.

Sucede que a parte urbana do referido prédio encontra-se indevidamente ocupada pelo Requerido, estando a Requerente privada do seu uso e fruição.

A Requerente por carta registada de 27/06/2023 interpelou o Requerido para entregar o Prédio, carta que foi recebida, mas o Requerido não respondeu e mantém a ocupação.

A intenção da Requerente ao adquirir o Prédio foi a sua rentabilização, em conjunto com outros imóveis dos quais é dona e que fundaram a preferência, concedida à Requerente pelo Fundo vendedor, na aquisição do prédio ocupado.

A Requerente apresentou um Pedido de Informação Prévia (PIP), junto da Câmara Municipal de Palmela, em 28/07/2023, no sentido de obter um parecer sobre a viabilidade da realização de uma operação de loteamento, tendo como objeto, entre outros prédios, este Prédio, com vista a definir lotes habitacionais destinados à construção de edifícios de habitação para construção bifamiliar ou unifamiliar.

Estando o Prédio ocupado vê-se impedida de o aproveitar, para prosseguir o referido objetivo, na medida em que a total inacessibilidade do Prédio, por via da atuação do Requerido, impedirá a realização de obras necessárias à construção dos edifícios de habitação.

Esta privação tem efeitos na capacidade de aproveitamento dos restantes imóveis de que a Requerente é dona, uma vez que o projeto comercial visado pela Requerente para a rentabilização do Prédio envolve um uso, fruição e disposição conjunta de todos os imóveis de que é dona, e que se encontram incluídos no acima referido PIP.

Assim, a ocupação ilegítima do Prédio da parte do Requerido impede a realização de obras necessárias à construção unitária do pretendido loteamento sobre todos os imóveis incluídos no referido PIP.

É intenção da Requerente usar o Prédio logo no início da execução das obras que pretende realizar, como estaleiro de apoio (escritório de obras e guarda de materiais).

O que traz prejuízos à Requerente por estar impedida de usar, fruir e dispor do Prédio que legitimamente adquiriu, mormente através da exploração do mesmo, no contexto da sua atividade.

A ocupação indevida é geradora de avultada indemnização.

A Requerente não conhece, como não tem forma de conhecer bens ou rendimentos ao Requerido, e muito menos se suficientes para suportar os prejuízos gerados pela sua atuação – tanto os já causados, como os que ainda se haverão de produzir se a mesma se mantiver.

Aberta conclusão nos autos e sem precedência de audição da Requerente sobre o propósito da decisão que viria a ser proferida, foi em 10/11/2023, proferido despacho de indeferimento liminar com fundamento em que “a inviabilidade da presente providência é manifesta, quer por falta de alegação de factos que comportem uma lesão grave e dificilmente reparável, quer por lhe faltar a provisoriedade/instrumentalidade, pelo que a mesma deverá ser liminarmente indeferida”.

Inconformada com tal decisão, veio a Requerente recorrer assim concluindo as suas alegações de recurso:

C.1) DO OBJECTO DO RECURSO

I. O presente recurso tem por objeto o despacho proferido nos autos em 10/11/2023, em que foi indeferido liminarmente o requerimento inicial de procedimento cautelar comum proposto pela Recorrente.

II. Salvo o devido respeito pela decisão recorrida, a mesma assentou sobre uma interpretação incorreta dos pressupostos do procedimento cautelar comum e do poder de indeferimento liminar.

C.2) DA INADMISSIBILIDADE DO INDEFERIMENTO LIMINAR

III. O indeferimento liminar consiste no poder do julgador de pôr termo ao processo sem que se proceda à instrução da causa.

IV. Tal poder apenas pode ser exercido, nos termos dos artigos 226.º, n.º 1, alínea b) e 590.º, n.º 1, do CPC, quando a petição inicial tem de ser apresentada a despacho liminar e nesse momento o julgador se vê confrontado com uma exceção dilatória insuprível ou com um pedido de tutela jurisdicional que não tem o mínimo de fundamento jurídico, configurando esta última hipótese uma manifesta improcedência.

V. Assim, um requerimento inicial de procedimento cautelar comum apenas pode ser indeferido liminarmente por manifesta improcedência nos casos em que, de forma manifesta e indiscutível, não se encontram preenchidos os pressupostos de facto e de Direito para poder ser decretada a tutela cautelar requerida.

VI. A jurisprudência estabelece unanimemente que não pode ser proferido despacho de indeferimento liminar nos casos de fronteira, em que o julgador tem dúvidas sobre o cabimento jurídico da pretensão formulada.

VII. Entendeu o Tribunal a quo na decisão recorrida que o alegado no requerimento inicial não é de molde a preencher os requisitos do procedimento cautelar comum, pelo que o requerimento inicial seria manifestamente improcedente.

VIII. O primeiro desses pressupostos consiste na alegação dos factos que constituem o fundado receio da Recorrente de que ocorra uma lesão grave e de difícil reparação ao direito a acautelar, nos termos do artigo 362.º, n.º 1, do CPC.

IX. O segundo desses pressupostos consiste na falta de instrumentalidade e provisoriedade do procedimento cautelar, nos termos do artigo 364.º, n.º 1, do CPC.

X. O entendimento patente na decisão recorrida não tem a mínima correspondência com a realidade, pois, foram alegados os factos que consubstanciam o fundado receio de lesão grave e de difícil reparação ao direito de propriedade da Recorrente sobre o Prédio.

C.3) DA ALEGAÇÃO COMPLETA DOS FACTOS QUE CONSTITUEM O PERICULUM IN MORA

I. A Recorrente alegou todos os factos que fundamentam o seu receio de lesão grave e de difícil reparação do direito a acautelar, no caso de propriedade, conforme obriga o artigo 362.º, n.º 1, do CPC.

II. Com efeito, a Recorrente alegou que adquiriu o Prédio, de natureza mista, em conjunto com outros prédios, de natureza rústica, com o objetivo de os lotear e de neles construir edifícios para habitação de natureza unifamiliar e bifamiliar, tendo já avançado com Pedido de Informação Prévia junto da Câmara Municipal de Palmela.

III. Atendendo a que o Prédio se encontra ocupado, a operação de loteamento e de subsequente construção fica completamente inviabilizada, atendendo a que não existe qualquer previsão de saída da Recorrida do Prédio, não sendo sequer viável iniciarem-se as obras pelos prédios rústicos por essa mesma razão.

IV. A ocupação do Prédio impede igualmente a Recorrente de utilizar o mesmo como estaleiro de obras, conforme é sua legítima pretensão.

V. Ficou ainda a constar do requerimento inicial que, tanto quanto sabe a Recorrente, a Requerida não tem património ou meios financeiros para fazer face aos prejuízos causados pela manutenção da ocupação da Recorrida do Prédio.

VI. Alegou ainda a Recorrente que, nos termos da melhor jurisprudência, a mera ocupação de um prédio por terceiro ao ponto de impedir a utilização e gozo do mesmo é quanto basta para que seja causado um prejuízo grave e de difícil reparação.

VII. Não obstante a Recorrente ter alegado de forma completa todos os factos que motivam o seu receio de lesão grave e de difícil reparação ao direito de propriedade, o Tribunal recorrido entendeu que os danos causados pela ocupação da Recorrida são "em abstrato" de fácil reparação.

VIII. Mais entendeu que o facto da Recorrente desconhecer o património da Recorrida não acarreta necessariamente um perigo de que a mesma não tenha meios para a compensar pelos prejuízos causados pela manutenção da sua ocupação ilegítima.

IX. Ora, a decisão recorrida não acompanha os critérios avançados pela jurisprudência dos Tribunais superiores sobre a avaliação da gravidade do dano e da sua dificuldade de reparação.

X. O facto de a Recorrida, pela sua ocupação ilegítima do Prédio, estar a impedir a Recorrente de usar, fruir e dispor em condições normais desse mesmo Prédio é, por si só, motivo suficiente, segundo jurisprudência sedimentada, para que surja um dano grave.

XI. A acentuar a gravidade desse dano, considere-se que a que a Recorrente é uma sociedade comercial que adquiriu o Prédio, bem como outros dois prédios rústicos, por um preço de € 53.400,00 (cento e cinquenta e três mil e quatrocentos euros) para os lotear e neles construir habitações.

XII. Não existindo previsões para um futuro próximo de que a Recorrida vá desocupar o Prédio, dando a sua atuação a entender precisamente o contrário, ver-se-á a Recorrente obrigada a manter na sua titularidade um Prédio que não pode rentabilizar, não conseguindo sequer recuperar o capital investido.

XIII. Para além da ocupação da Recorrida criar uma lesão grave, essa lesão é igualmente de difícil reparação atendendo aos critérios objetivos e subjetivos avançados pela doutrina para avaliar a dificuldade de reparação.

XIV. Considerando o critério subjetivo, que manda atender às capacidades económicas do requerido em sede de procedimento cautelar para reparar os danos por si causados, releve-se que, tanto quanto é do conhecimento da Recorrente, a Requerida não tem recursos financeiros que lhe permitam fazer face aos prejuízos...

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