Acórdão nº 73/19.2T8AGD-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 14-02-2022

Data de Julgamento14 Fevereiro 2022
Ano2022
Número Acordão73/19.2T8AGD-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Procº nº 73/19.2T8AGD-A.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1247)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

Na presente acção declarativa, com processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é A/sinistrado, AA, patrocinado pelo Digno Magistrado do Ministério Público, e Ré, Companhia de Seguros W..., SA, veio esta, aos 29.01.2020, requerer se proceda à remição obrigatória da pensão daquele e deduzindo as pensões que entretanto, até à data da entrega do respectivo capital, lhe hajam sido pagas.

O Ministério Público, aos 10.05.2021, emitiu promoção no sentido do deferimento do requerido, tendo-se porém como referência o dia seguinte ao pagamento da última pensão, havendo o sinistrado (por notificação expedida aos 26.05.2021) sido notificado dos mencionados requerimento da Seguradora e promoção, nada tendo vindo dizer.

Aos 22.06.2021 foi proferida a seguinte decisão: “Em face de todo o exposto, julga-se procedente o presente incidente de remição de pensão, determinando-se a remição integral da pensão anual e vitalícia devida pela Requerente Companhia de Seguros Y..., SA ao Sinistrado AA.”.

Tendo a secretaria procedido ao cálculo do capital de remição, no qual foi tido em conta como data a que o cálculo se reporta o dia 21.06.2021 e, notificada a Seguradora, veio esta requerer a rectificação de tal cálculo por forma a que seja considerada, como data do cálculo, o dia 31.12.2003, ao que o MP respondeu no sentido de que se deve fixar “os efeitos da remição ao dia seguinte ao pagamento da última pensão, no caso em apreço, no dia 01/06/2021 (neste sentido, o acórdão do TRL de 13/07/2020, processo n.º 12502/18.8T8LSB.L1-4, disponível em www.dgsi.pt)”.

Foi então, aos 11.09.2021, proferido o seguinte despacho, ora recorrido:
Requerimento com a refª 11835878: Veio a actual Companhia de Seguros W..., SA, em face do despacho que declarou a remição obrigatória da pensão do Sinistrado, requerer que a data a considerar para o respectivo cálculo seja 31.12.2003 e não 21.06.2021.
Pronunciando-se, o Ministério Público sufragou o entendimento que a data a considerar deverá ser a do dia seguinte ao do pagamento da última pensão, ou seja 01.06.2021.
Cumpre apreciar e decidir.
*
Os presentes autos têm por referente um sinistro que ocorreu em 20.09.1999, sendo aplicável a Lei nº 2127 de 03 de Agosto de 1965 (vide art. 41º da Lei nº 100/97 de 13 de Setembro e nº 1 do art. 71º do Decreto-lei nº 143/99 de 30 de Abril).
O Sinistrado teve alta em 10.02.2000, sendo-lhe fixada a pensão anual e vitalícia de Esc. 248.856$00 (€ 1.241,29), correspondente a uma incapacidade permanente parcial de 32,26%, devida desde 11.02.2000.
Por despacho de 22.06.2021, e na medida em que a pensão passou a ser obrigatoriamente remível por força da entrada em vigor da Lei nº 100/97, foi decidido julgar procedente o incidente de remição de pensão, determinando-se a remição integral da pensão anual e vitalícia devida pela referida Companhia Seguradora ao Sinistrado.
No que tange à data a atender para o cálculo do capital de remição, na ausência de previsão legal expressa, são duas as principais posições jurisprudenciais que se perfilam: uma sustenta deve ser feito por referência à data em que se venceria a última anuidade da pensão face à alteração operada da natureza da prestação de duradoura para instantânea[1]; outra corrente sustenta que os efeitos têm de ser reportados ao dia seguinte ao do pagamento da última pensão, independentemente da data em que operou tal modificação[2].
Reconhecendo a complexidade da questão, bem como, de resto, os bons fundamentos num e noutro sentido, importa, desde logo, relembrar que a pensão anual e vitalícia é devida desde o dia seguinte ao da alta (nº 4 da Base XVI da Lei nº 2127).
E se, por força da Lei nº 2127, essa prestação era periódica e duradoura, a alteração da sua natureza para instantânea e unitária, traduzida num montante calculado por aplicação de um índice fixado em Portaria, resultou da entrada em vigor da Lei nº 100/97, isto é, de imperativo legal, produzindo-se os respectivos efeitos ope legis.
Por último, e no que tange aos termos da concretização da remição, um regime transitório fez acrescer um requisito temporal[3], estabelecendo um pagamento gradual no tempo, por escalões de valor da pensão (art. 74º do Decreto-lei nº 143/99).
Conforme resulta do preâmbulo do Decreto-lei nº 143/99, trata-se de um regime que teve por escopo permitir um período de progressiva adaptação das companhias seguradoras e evitar que fossem confrontadas com um pedido generalizado de remições e ver-se a braços com uma instabilidade financeira pela maciça mobilização de reservas[4].
In casu, considerando o montante fixado para a pensão, e independentemente da data em que terminaria o pagamento nesse período anual, à luz do regime transitório já referido deveria ter sido obrigatoriamente remida até ao final de Dezembro de 2003.
Temos assistir, assim, razão à Companhia Seguradora quando sustenta que o cálculo do capital de remição deverá ser reportado a 31.12.2003.
E isto, note-se, sempre sem prejuízo de ao mesmo deverem ser deduzidas as importâncias, entretanto já pagas ao Sinistrado a título de pensão desde 01.01.2004.
Conforme decidiu o Tribunal da Relação de Évora[5], “se (…) [o Sinistrado] já recebeu pensão referente a determinado período de tempo, compreende-se, e justifica-se, que não venha a receber «nova» pensão referente a esse mesmo período de tempo.
(…)
(…) tendo em conta que na pensão obrigatoriamente remível o que há lugar é ao pagamento da pensão de uma forma unitária, e não das diversas prestações anuais, efectuado o cálculo do capital de remição e constatando-se que em relação a parte do período abrangido no cálculo do capital o sinistrado já recebeu a pensão respectiva nada obsta a que naquele crédito a entregar ao sinistrado se venha a deduzir a pensão que ele já recebeu referente a parte do mesmo período”.
Por último e na medida em que a pensão apenas era devida desde Fevereiro do ano de 2000, é aplicável a Portaria nº 11/2000 de 13 de Janeiro[6].
Assim e em face de todo o exposto, determina-se que a data a atender para cálculo do capital de remição seja a de 31.12.2003, devendo ainda proceder-se à dedução, ao mesmo, das pensões pagas ao Sinistrado desde 01.01.2004.”

Inconformado, veio o A. recorrer, tendo formulado as seguintes conclusões:
“a. Com o novo regime consagrado em 2009, o legislador pretendeu corrigir os normativos que se revelaram desajustados na sua aplicação prática, quer do ponto de vista social, quer do ponto de vista constitucional e legal, como é exemplo o caso da remição obrigatória de pensão por incapacidade parcial permanente.
b. Decorreram já vários anos desde o momento em que a remição do capital se tornou obrigatória, com a consequente desvalorização que a pensão anual do sinistrado foi sofrendo ao longo dos anos.
c. Só em 2021 é que a Companhia de Seguros veio impulsionar os autos para que tal remição fosse judicialmente determinada, quando o podia ter feito muito antes.
d. Não se pode remir o que já foi efetivamente pago, mas sim o que importa pagar.
e. A remição opera-se relativamente a pensão anual e vitalícia ainda não paga.
f. A remição da pensão anual e vitalícia (e o seu cálculo), apesar de estarem consagrados na lei os casos em que é obrigatória, depende sempre de decisão judicial e dos atos subsequentes praticados pela secção de processos e pelo Ministério Público.
g. O cálculo do capital de remição deve reportar-se à data do pagamento da última prestação da pensão, e não à data em que devia ter sido (e não foi) determinada a remição, por ser obrigatória.
h. A decisão de 11/09/2021 sob recurso que fixou a data de 31/12/2003 como a data a atender para cálculo do capital de remição, violou o artigo 56º do Decreto-Lei n.º
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