Acórdão nº 7254/21.7T8VNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 22-02-2024

Data de Julgamento22 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão7254/21.7T8VNG.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo – Apelação n.º 7254/21.7T8VNG.P1

Tribunal a quo – Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 3

Recorrente(s) – AA

Recorrido(a/s) – A..., Instituição Particular de Solidariedade Social e Associação de Solidariedade Social


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Sumário

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Acordam os juízes da 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

Identificação das partes e indicação do objeto do litígio

A autora A..., Instituição Particular de Solidariedade Social e Associação de Solidariedade Social, intentou ação de processo comum contra a ré AA, pedindo a condenação desta reconhecer que a autora é dona e legitima proprietária do prédio situado no lugar ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova Gaia, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o nº ... e inscrito na matriz sob o artigo ..., e a restituir tal prédio, imediatamente, à autora totalmente livre.

Para o efeito, alegou, em síntese, que é uma instituição particular de solidariedade social, sem finalidade lucrativa, reconhecida como pessoa coletiva de utilidade pública, tendo por objeto o apoio à família e que, com vista à prossecução desse seu objeto, lhe foram doados dois imóveis em 30 de setembro de 1983, que identifica e que veio a lotear, tendo ainda em data anterior ao loteamento, na prossecução do seu objeto social, cedido de forma gratuita à ré a casa n.º ... que a autora edificou no terreno, a qual a ré passou a habitar desde 14 de agosto de 1987, de forma gratuita, ciente que a casa pertence à autora. Alega que diligenciou junto da ré no sentido de lhe vender ou arrendar a casa que ocupa, o que a mesma recusou, face ao que pretende a restituição do imóvel em causa, uma vez que não foi convencionado prazo para a sua restituição, e relativamente ao qual goza de presunção emergente do registo de aquisição a seu favor na CRPredial, invocando ainda que sempre seria a legítima proprietária do imóvel, por o ter adquirido por usucapião.

Citada, a ré contestou e deduziu reconvenção, impugnando parcialmente os factos e alegando, em síntese, que a doação dos imóveis foi efetuada à autora para que as famílias carenciadas pudessem construir uma habitação para lá residirem, colocando os lotes dos terrenos doados em nome das famílias a quem se destinavam, sendo essa cedência sempre sem qualquer contrapartida monetária em troca, e que já antes da doação dos terrenos à autora a ré havia dado início à construção da habitação onde atualmente reside, tendo tal construção sido efetuada totalmente pela ré e familiares e amigos, apenas tendo a autora colocado a expensas suas janelas, portas e persianas da habitação da ré.

Invoca ainda que o terreno foi doado verbalmente à ré, que desde 1981, altura em que deu início à edificação do imóvel que mantém na sua posse no terreno e habitação, designado apos o loteamento efetuado em 2012, como lote ... ou casa ..., pratica atos de utilização e fruição do imóvel, que descreve, sem oposição e sendo reconhecida por todos como legitima proprietária do imóvel, pelo que adquiriu o direito de propriedade sobre o imóvel por usucapião.

Em sede de reconvenção peticiona que se declare que adquiriu o terreno e imóvel por usucapião; que se reconheça a ré como dona e legítima proprietária do terreno e imóvel descrito nos autos; que se cancele o registo realizado pela autora em 26.05.2003 e que se ordene o registo a favor da ré na data de 30 de setembro de 1983.

A Autora apresentou réplica, impugnando a matéria de facto alegada na reconvenção e apresentando outra versão dos factos, alegando que a casa foi por si, autora, construída nos anos de 1983 a 1987, tendo gasto na sua execução, em materiais e mão de obra, pelo menos 1.581.991$00, e que a ré sempre soube que o imóvel era propriedade da autora e que o uso da casa lhe estava a ser facultado em virtude das suas dificuldades económicas.


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Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação procedente, condenando a ré AA a reconhecer a autora como proprietária do prédio situado no lugar ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova Gaia, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o nº ... e inscrito na matriz sob o artigo ..., e a entregar à autora o prédio livre de pessoas e bens, e que julgou a reconvenção improcedente, absolvendo a autora/reconvinda dos pedidos reconvencionais formulados.

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Inconformada com a sentença, a ré/apelante AA interpôs recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões:

1 - O Tribunal aquo julgou, de forma incorrecta, a matéria de facto dos autos e efectuou uma errada aplicação do direito à matéria de facto, a qual deveria ter conduzido, ao contrário do que sucedeu, à absolvição da Ré Recorrente.

2 - A Sentença proferida incorre em contradição entre factos provados, que não poderá subsistir.

(…)

15 - Como ficou demonstrado nos artigos 5.º a 35.º das presentes alegações, não podia o Tribunal aquo ter considerado como provados os factos provados 7., 8., 13. e 17. da Sentença.

16 - Porquanto, não podia o Tribunal aquo ter considerado como provados os factos provados 11. e 13. da Sentença

17 - Deve, portanto, a matéria de facto ser alterada, passando os factos provados 11. e 13. da Sentença para o elenco dos factos não provados.

18 - A factualidade vertida nos pontos 7., 8., 10. e 17. dados como provados, deverão ser alterados, passando, em consequência, a constar dos factos seguintes:

-“7. Em agosto de 1987 a Autora, na prossecução do seu objeto social, cedeu de forma gratuita à Ré, o terreno que veio a ser designado como n.º 2 para construção de uma casa nos imóveis doados”;

-“8. A casa edificada no terreno foi construída com materiais fornecidos pela Autora e materiais cedidos por terceiros, cuja construção foi suportada pelos moradores que as construíram, ainda que com alguma ajuda da Autora”;

-“10. A Ré passou a habitar tal casa desde, pelo menos, 1983 de forma gratuita, sem qualquer contrapartida”;

- “17. A Ré reside na habitação em causa de forma ininterrupta desde, pelo menos, 1983”.

19 - Estabelece o artigo 1311.º n.º 1 do Código Civil que, cumulativamente, o Autor deve fazer dois pedidos: «oreconhecimentodoseudireitodepropriedadee,aconsequenterestituiçãodoquelhepertence».

20 - Sendo os pedidos cumulativos, de acordo com o escopo da associação e de tudo o que foi referido pelo representante da Autora, o segundo pedido – «restituiçãodoquelhepertence» – é contrário a tudo o que foi anteriormente referido.

21 - Sendo, portanto, os pedidos cumulativos, a falta de um deles leva à improcedência da acção de reivindicação.

22 - A Autora, aquando da entrega das casas às famílias carenciadas, sempre o fez com o intuito das mesmas (famílias) lá residirem sem qualquer prazo associado.

23 - O requisito presente no artigo 1311.º n.º 1 para restituição da coisa que lhe pertence não poderá, consequentemente, proceder.

24 - Os terrenos foram doados por um casal de benfeitores, cuja intenção era doar esses terrenos directa e gratuitamente a pessoas necessitadas.

25 - Quem escolheria as pessoas a quem seriam atribuídos os lotes seria a paróquia, uma vez que tinha um conhecimento mais profundo das necessidades das pessoas residentes na paróquia.

26 - Sem que os beneficiários tivessem conhecimento, tais terrenos foram doados à Autora.

27 - Facto esse que só foi do conhecimento das pessoas a quem foram atribuídas as casas muitos anos mais tarde, quando a Autora os interpelou para legalização das casas, afirmando que as mesmas lhes pertenciam.

28 - As casas, na sua grande maioria foram construídas pelos próprios beneficiários.

29 - Sendo que a Autora disponibilizava alguns materiais que se destinavam a todas as habitações que estavam a ser construídas, sendo utilizadas por todos os beneficiários.

30 - Em momento algum a associação construiu as casas todas, conforme refere;

31 - Aliás, como decorre dos depoimentos, a associação não tinha meios financeiros para tal.

32 - Apesar da existência de alguns benfeitores que contribuíam com materiais, a sua grande maioria era adquirida, dada ou oferecida pelos beneficiários das casas, por seus familiares e amigos.

33 - Que para além da contribuição com materiais também ajudavam na construção das habitações.

34 - Tais habitações eram atribuídas às pessoas necessitadas, que as habitavam enquanto fossem vivas, ou seja, vitaliciamente, uma vez que à sua atribuição não foi estabelecido qualquer prazo.

35 - A associação cedia a casa vitaliciamente – sem qualquer tipo de prazo – conforme referido pelo representante da associação.

36 - Só após a morte dos beneficiários é que as casas revertiam novamente para a associação.

37 - O tribunal a quo ao condenar a Ré recorrente a entregar à associação a habitação livre de pessoas e bens não teve em consideração o desiderato da associação.

38 - Logo, não poderia em momento algum condenar a ré recorrente a abandonar a casa.

39 - A Ré exerceu durante mais de 15 anos a posse legítima do terreno em que construiu a sua habitação.

40 - Durante anos foi construindo a sua casa à frente de todos e sem que alguém da associação Autora colocasse em causa tal direito.

41 - A Ré durante mais de 15 anos exerceu de forma reiterada os poderes de facto sobre o bem.

42 - De forma ininterrupta e contínua, sem a oposição de ninguém e à vista de toda a gente.

43 - Pelo que deverá ser admitida a usucapião alegada pela Ré/Recorrente.

44 - Ainda que assim não se conceda, a Autora alega a existência de um comodato.

45- O contrato de comodato, pressupõe a obrigação de restituir a coisa móvel ou imóvel.

46 - No decorrer das declarações de parte do representante da Autora referiu que «foirealizadoumaespéciedecomodato» em que não existia qualquer prazo para entrega da coisa.

47 - Aliás, confirmado por várias testemunhas do Autor em que declararam que as famílias carenciadas...

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