Acórdão nº 725/23.2T8PVZ-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2024-02-22

Data de Julgamento22 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão725/23.2T8PVZ-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
RECURSO DE APELAÇÃO
ECLI:PT:TRP:2024:725.23.2T8PVZ.A.P1
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SUMÁRIO:
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I. Relatório:
AA, contribuinte fiscal n.º ..., de nacionalidade portuguesa, residente no Brasil, veio requerer a abertura de processo de inventário para partilha dos bens sitos em Portugal deixados por óbito do seu marido BB, contribuinte fiscal n.º ..., de naturalidade e nacionalidade portuguesa, falecido em 17/02/2023 em ..., ..., Brasil, onde residia, no estado de casado no regime da comunhão de adquiridos com a requerente, e do qual são herdeiros a requerente e os quatro filhos.
A requerente afirmou na ocasião caber-lhe o exercício do cargo de cabeça de casal.
Por despacho judicial a requerente foi nomeada cabeça de casal.
Os interessados foram citados.
Na sequência da citação, a interessada CC veio alegar que o inventariado deixou testamento no qual a instituiu «testamenteira e inventariante», que essa disposição é válida nos termos dos artigos 2320.º, 2321.º e 2322.º do Código Civil e já foi aceite pela interessada nos termos e para os efeitos do artigo 2323.º do Código Civil, razão pela qual, nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 2080.º do Código Civil, lhe cabe o exercício do cargo de cabeça de casal a que alude o artigo 2079.º do Código Civil.
Com tal fundamento, requereu que a requerente seja destituída de tais funções, dando-se sem efeito as declarações que prestou nessa qualidade.
A requerente pronunciou-se no sentido de lhe caber o exercício do cargo de cabeça de casal.
A seguir foi proferida decisão na qual foi julgado procedente o incidente de impugnação da competência da cabeça de casal, removeu-se a requerente do exercício desse cargo, anularam-se todos os actos praticados pela mesma no exercício do cargo e nomeou-se a interessada CC cabeça de casal.
Do assim decidido, a requerente recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
I- As funções de cabeça de casal da herança do inventariado são um dever e um direito das pessoas elencadas no artigo 2080, nº 1, do C.C.
II- O artº 2080, nº 1 do C.C., nas suas várias alíneas estabelece a ordem pela qual se defere as funções de cabeça de casal, sendo a da alínea b), depois da alínea a) e assim sucessivamente.
III- O cargo de cabeça de casal só se defere ao testamenteiro se não existir cônjuge do inventariado, herdeiro ou meeiro.
IV- O artigo 2326, alínea c) do C.C. não é passível de ser interpretado como dando preferência ao testamenteiro sobre o cônjuge herdeiro e meeiro, para ser nomeado como cabeça de casal.
V)- A decisão recorrida violou os artºs 2080, nº 1, alínea a) e 2326, al. c) do C.C.
Termos em que, deve julgar-se o presente recurso totalmente procedente, revogando-se a decisão recorrida, e confirmando-se a recorrente no cargo de cabeça de casal.
A recorrida respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida a quem cabe exercer no presente processo de inventário o cargo de cabeça de casal: o cônjuge meeiro e herdeiro do inventariado ou a herdeira que o inventariado nomeou testamenteira e cabeça de casal.

III. Fundamentação de facto:
Encontram-se julgados provados em definitivo os seguintes factos:
1. AA requereu o presente inventário com vista à partilha da herança de BB, falecido em 17/02/2023.
2. O inventariado faleceu no estado de casado com a requerente, no regime de comunhão de adquiridos.
3. Deixou os seguintes filhos:
. CC, solteira, residente no … Brasil.
. DD, casado, residente no … Brasil.
. EE, casado, residente no … Brasil.
. FF, solteira, residente no … Brasil.
4. Por despacho de 08/05 pp a requerente foi nomeada cabeça de casal.
5. O inventariado outorgou testamento, em 29/07/2020, por via do qual, além do mais, instituiu testamenteira CC.

IV. Matéria de Direito:
A questão jurídica suscitada prende-se com a definição de pessoa que deve exercer o cargo de cabeça de casal nos casos em que por testamento o inventariado nomeou testamenteiro e não o excluiu do exercício do cargo de cabeça de casal: se o cônjuge meeiro e herdeiro do inventariado ou antes o herdeiro que por testamento outorgado no Brasil, onde tinha residência, o inventariado nomeou testamenteiro e «inventariante».
As regras legais a que deve obedecer a atribuição do cargo de cabeça de casal encontram-se definidas no artigo 2080.º do Código Civil. A sua redacção é a seguinte:
«1. O cargo de cabeça-de-casal defere-se pela ordem seguinte:
a) Ao cônjuge sobrevivo, não separado judicialmente de pessoas e bens, se for herdeiro ou tiver meação nos bens do casal;
b) Ao testamenteiro, salvo declaração do testador em contrário;
c) Aos parentes que sejam herdeiros legais;
d) Aos herdeiros testamentários.
2. De entre os parentes que sejam herdeiros legais, preferem os mais próximos em grau.
3. De entre os herdeiros legais do mesmo grau de parentesco, ou de entre os herdeiros testamentários, preferem os que viviam com o falecido há pelo menos um ano à data da morte.
4. Em igualdade de circunstâncias, prefere o herdeiro mais velho.»
Esta norma estabelece de modo expresso uma ordem hierárquica entre os critérios de designação, de modo que só se a designação não for possível por aplicação do primeiro critério se passa ao segundo, e assim sucessivamente.
No caso, sucedem ao inventariado a viúva e cônjuge sobrevivo, não separada judicialmente de pessoas e bens, e os filhos, sendo que por testamento outorgado no Brasil pelo inventariado uma das filhas, a interessada CC, foi nomeada e constituída «testamenteiro e inventariante».
A primeira situa-se no primeiro grau da ordem fixada na norma, os outros no segundo (a testamenteira) e no terceiro grau (os restantes filhos) da mesma ordem, razão pela qual, nos termos da norma citada, aquela prefere a qualquer destes na designação para o exercício do cargo.
Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume VI, Coimbra Editora, 1998, página 137, em anotação ao artigo 2080.º do Código Civil que estabelece a ordem a observar na designação do cabeça-de-casal, escrevem que este preceito
«…corresponde ao artigo 2068.º do Código de 1867, sem esquecer o diferente enquadramento sistemático da figura do cabeça de-casal nos dois diplomas legislativos.
Já no Anteprojecto de Galvão Telles (artigo 57.º) se propunham algumas alterações à escala de preferências fixada no Código de 1867, às quais outras se substituíram na primitiva redacção deste artigo 2080.º do novo Código.
A mais importante das alterações introduzidas pelo Código de 1966, em relação ao Código anterior, foi a da atribuição das funções de cabeça-de-casal, com os amplos poderes de administração de toda a herança, aos testamenteiros, salvo declaração do testador em contrário (cfr. al. b) do n.º 1).
O testamenteiro, que até à entrada em vigor do novo Código tinha a sua função, dentro do fenómeno sucessório, apertadamente limitada ao papel de agente da execução, total ou parcial, do testamento, saltou (decerto por inspiração do sinal de confiança que revela a sua designação por parte do testador) para o expressivo segundo lugar que passou a ocupar no artigo 2080.º (n.º 1, al. b)), dentro da lista dos possíveis cabeças-de-casal, logo a seguir ao cônjuge sobrevivo.
Este, que já na lista do Código de 1867 (artigo 2068.º) ocupava o 1.º lugar, continua a manter essa posição, salvo na hipótese de não partilhar nos bens a inventariar e de não serem herdeiros do inventariado descendentes seus. E, nesse ponto, houve também uma relativa alteração das coisas, apesar de o cônjuge sobrevivo continuar a figurar no 1.º lugar do rol das pessoas a quem, em princípio, compete o cargo de cabeça-de-casal.». (sublinhados nossos).
Os mesmos autores, na anotação ao artigo 2326.º do Código Civil, loc. cit., página 509-510, afirmam ainda o seguinte:
«Confrontando
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