Acórdão nº 7233/20.1T8LRS.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 12-10-2023

Data de Julgamento12 Outubro 2023
Ano2023
Número Acordão7233/20.1T8LRS.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO

1-E. Unipessoal, Lda., instaurou acção declarativa, com processo comum, contra Companhia de Seguros SA, pedindo:
- A condenação da ré a:
- Pagar o valor de 35.683,60€ correspondente ao valor da reparação de 52.425,60€ deduzido do valor já pago de 16.742,00€.
- Pagar paralisação de 42 dias vencida até pagamento, ou seja 10.591,14€.
- Pagar ao A. o valor do parqueamento até à data, ou seja, 3.000,00€.
- Pagar a paralisação vencida até à data de hoje no valor de 30.725,26€
- Acrescidos dos correspondentes juros de mora, calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento do devido,
- Bem como em danos futuros materiais ou morais, nos quais o A venha a incorrer decorrentes do acidente objecto destes autos, nomeadamente 200€ por dia até ao recebimento do valor da reparação.

Alegou, em síntese, ser da responsabilidade de segurado da ré o acidente de viação, ocorrido no dia 24/06/2019, no qual interveio o seu veículo pesado de mercadorias, de matrícula 10-…-…; a seguradora, ré, realizou peritagem ao veículo sinistrado no dia 04/07/2019, mas não deu autorização de reparação; em 26/07/2019, a ré assumiu a responsabilidade da sua segurada na produção do acidente; a reparação foi avaliada em 52 425,60€; a ré atribuiu à viatura um valor de mercado de 19.000€ e ao salvado o valor de 3.258€, considerando perda total, por o valor da reparação exceder, em muito, o valor de mercado da viatura e, propôs-se indemnizar a autora em 15.742€ que posteriormente subiu para 16.742€, valor que a autora recebeu a 05/08/2019. Entende ter direito a que a ré suporte a reparação da viatura. A ré não atribuiu veículo de substituição ou qualquer valor pela paralisação do veículo; entre o acidente e o pagamento da indemnização, decorreram 42 dias de paralisação que deve ser valorada em 252,17€/dia num total de 10.591,14€; desde 05/08/2019 até à propositura da acção decorreram mais 406 dias que, à razão de 252,117€/dia perfaz 102 381€. Tem igualmente a autora de suportar o parqueamento da viatura à razão de 200€/mês
Menciona que, em termos de equidade, tem direito a uma indemnização de 80.000€.
A reparação do veículo é possível e a indemnização atribuída pela seguradora não repõe a situação da autora lesada antes do acidente.

2- Citada, a ré contestou.
Aceita a responsabilidade da sua segurada na produção do acidente.
A pretendida reparação do veículo da autora é desproporcionada; o valor da reparação, de 52.425,60€ é muito superior ao valor de mercado do veículo que é de 19.000€ e o salvado avaliado em 3.258€. O veículo da autora era do ano de 2009, foi importado do Luxemburgo e tinha 850.000Km. Propôs a indemnização de 16.742€ e o salvado, o que a autora aceitou, pelo que está totalmente ressarcida quanto aos danos no veículo.
Atendendo à jurisprudência maioritária, a autora tinha de provar a necessidade do veículo e a existência de prejuízos. Além disso o indicado período de paralisação mostra-se desrazoável e excessivo atendendo à perda total e à indemnização à autora em 05/08/2019, data a partir da qual não pode ser imputável à ré responsabilidade por privação do uso. Nem há lugar ao pretendido parqueamento.

3- Por requerimento de 17/10/2022, a autora ampliou o pedido, nos termos que constam de fls. 143 e seguintes, concluindo pela condenação da ré no pagamento:
- da quantia de €53.235,50 (cinquenta e três mil, duzentos e trinta e cinco euros e cinquenta cêntimos) [e já não €35.683,60], correspondente ao valor da reparação do veículo, de €69.977,00 (e não €52.425,60), deduzido do valor já pago, de €16.742,00;
- da quantia de €10.591,14, correspondente à indemnização pelos dias de paralisação do veículo, no total de quarenta e dois (42) dias, desde a data do acidente até à data do recebimento da quantia de €16.742,00, à razão diária de €252,17 (valor que já havia sido pedido na petição inicial);
- da quantia de €30.725,26, correspondente à indemnização pelos dias de paralisação do veículo, desde 6/8/2019 até à data da propositura da presente acção, à razão diária de €252,17(valor que já havia sido pedido na petição inicial);
- da quantia de €30.000,00, correspondente à indemnização pelos dias de paralisação do veículo, desde a data da propositura da presente acção, com recurso à equidade;
- do valor do parqueamento da viatura, a liquidar em execução e sentença [e já não na quantia de €3.000,00, correspondente ao valor do parqueamento até à data da propositura da acção];
- do valor do IUC, a liquidar em execução de sentença;
- da quantia de €300,00, a título de despesas com o “abate e venda da viatura” e “despesas e tempo despendido na procura e aquisição de uma nova viatura”, na contratação de “novos seguros e registo da nova viatura”, o que “representa um mínimo 24 horas de trabalho, ou seja, 3 dias de trabalho (8 horas/dia), estimado em €220,00, ao qual acresce o valor do registo automóvel de €80.00;
- dos juros de mora sobre todas as quantias peticionadas, contados até integral e efetivo pagamento, calculados à taxa legal;
- da quantia de €200,00 por dia até ao recebimento do valor da reparação, a título de danos futuros, materiais ou morais, nos quais a autora venha a incorrer, decorrentes do acidente objecto destes autos.

4- Na sessão de audiência final de 15/11/2022, foi admitida a requerida ampliação do pedido.

5- Em 12/11/2022, pediu a condenação da ré como litigante de má-fé.

6- Foi ordenada perícia ao veículo, que teve lugar, conforme Ofício de 17/03/2022.

7- Teve lugar a audiência prévia.

8- Realizada a audiência final, na qual a ré pediu a condenação da autora como litigante de má-fé.
Foi proferida sentença, datada de 12/12/2022, com o seguinte teor decisório (alterado, posteriormente, por despacho de 01/06/2023, a redacção das alíneas a) e b), por via de correcção de lapso de escrita, já aqui incluída):
IV- Decisão
Nestes termos e com os fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente por provada a presente acção proposta pela autora “E Unipessoal Lda.” contra a ré “Companhia de Seguros, S.A.” e, em consequência, decide-se:
a. condenar a ré “Companhia de Seguros S.A.” a pagar, à autora “E Unipessoal Lda.”, a título de indemnização a quantia de €1.758,17 (mil, setecentos e cinquenta e oito euros e dezassete cêntimos), acrescida dos juros de mora, contados desde a data da citação até integral vencimento, à taxa legal de 4% (Portaria n.º 291/2003 de 8/04 – art.ºs 805.º, n.º 3, 806.º, nºs 1 e 2, e 559.º, nº1, do Código Civil);
b. condenar a ré “Companhia de Seguros, S.A.” a pagar, à autora “E Unipessoal Lda.”, a título de indemnização pela privação do uso do veículo, desde a data do acidente até 5 de Agosto de 2019, a quantia de €5.040,00 (cinco mil e quarenta euros), acrescida dos juros de mora, contados desde a data da citação até integral vencimento, à taxa legal de 4% (Portaria n.º 291/2003 de 8/04 – art.ºs 805.º, n.º 3, 806.º, nºs 1 e 2, e 559.º, nº1, do Código Civil);
c. absolver a ré “Companhia de Seguros, S.A.” dos demais pedidos deduzidos pela autora “E Unipessoal Lda.”;
d. julgar improcedente o pedido de condenação como litigante de má fé, deduzido pela autora “E Unipessoal Lda.” contra a ré “Companhia de Seguros S.A.” e, em consequência, absolvo esta do pedido de indemnização formulado pela primeira;
e. julgar improcedente o pedido de condenação como litigante de má fé, deduzido pela ré “Companhia de Seguros, S.A.” contra a autora “E Lda.” e, em consequência, absolvo esta do pedido de indemnização formulado pela primeira.”

9- Inconformada, a autora interpôs o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1. O A entende que a decisão padece dos seguintes vícios:
Deve ser alterada a seguinte matéria de facto e dado como provado:
- A reparação é tecnicamente possível com um custo de €52.425,60.
- A R não disponibilizou a totalidade do valor adequado para comprar uma
viatura à A.
Matéria de Direito
Deve ser alterada a matéria de Direito no que toca à aplicação do critério de “perda total”, implicando o cumprimento da obrigação de indemnização em dinheiro e não através da reparação do veículo, previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 41.º do DL 291/2007 de 21/08 em detrimento das regras gerais enunciadas nos artigos 562.º e 566.º do Código Civil.
Deve a R ser condenada como litigante de má fé.
2. Decorre à saciedade dos autos a seguinte factualidade:
3. A A contactou a seguradora para esta avaliar os danos, conforme relatório de peritagem:
4. A R. realizou a peritagem à viatura da A, concluindo-se que a reparação ascendia a € 52,425.60.
5. A viatura não podia circular.
6. A reparação é tecnicamente possível,
7. Tudo isto foi reconhecido pela R no seu relatório de peritagem.
8. Apesar de assumir a responsabilidade, a R não deu ordem de reparação, nem atribuiu
uma viatura de substituição,
9. Diz o povo que: “Quem parte e reparte e não fica com a melhor parte, ou é tolo ou não tem arte.”
10. A R não é tola e tem arte, pelo que os serviços da R determinaram unilateralmente o seguinte:
11. A cotação da viatura da A. no mercado é de €19.000,00, para efeitos de perda total
12. O salvado tem um valor de €3.258,00.
13. Assim, a R. Seguradora, apesar de reconhecer que a reparação é possível com um custo de €52.425,60, entende que a mesma é uma "Perda Total" por o seu valor exceder o valor de mercado da viatura (€19.000,00) deduzindo o valor de salvado (€3.258,00), ou seja €15.742,00.
14. Aplicando a perda total, a R encerraria o sinistro pagando apenas €15.742,00.
15. A R com este sistema realiza uma verdadeira proeza jurídica:
- impõe unilateralmente ao A a venda da sua viatura e a determina a comprar outra, tudo nas condições por si definidas.
- não suporta os quaisquer custos com estas operações (deslocações e taxas de registo e abate).
- fica isenta da obrigação de atribuir
...

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