Acórdão nº 723/20.9T8BCL.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02-05-2024

Data de Julgamento02 Maio 2024
Número Acordão723/20.9T8BCL.G2
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

.I - Relatório

Apelantes:
a Ré: AA e
a Interveniente principal passiva: BB

Apelados:
os Autores: CC e mulher DD

Autos de: apelação em ação declarativa constitutiva sob a forma de processo comum

Os Autores pediram que “fosse decretado o direito dos Autores à restituição, na medida do seu interesse, do quinhão hereditário identificado nesta petição, sendo reconhecido o direito dos Autores a executar tal quinhão no património da Ré, com as legais consequências”.
Alegaram, em síntese, que foram fiadores da Ré e marido num crédito junto do Banco 1... e que foram obrigados a pagar à entidade bancária a quantia em débito que haviam afiançado, no valor de € 22.500,00. No dia 18-10-2019, a Ré fez doação do seu quinhão hereditário na herança de seu pai à sua filha, ora interveniente principal, para acautelar o seu património e evitar que os Autores pudessem receber pagamento deste seu crédito.
A Ré contestou: impugnou e, em síntese, alegou que não contraiu qualquer crédito, nem tem presente ter contraído qualquer dívida, da qual tenha sido fiador os aqui autores.
A filha da Ré veio a ser chamada em incidente de intervenção principal passiva provocada, determinada no anterior recurso, tendo a mesma aderido aos articulados de sua mãe.
O processo seguiu os seus termos e após audiência final veio a ser proferida sentença na qual se decidiu:
julgar a ação totalmente procedente, por totalmente provada, e, consequentemente, decide-se:
a).declarar ineficaz, relativamente aos autores, a doação outorgada pela ré AA, em 18.10.2019, a favor da chamada BB, permitindo-se àqueles executar o quinhão hereditário doado no património da chamada, para garantia do crédito que detêm sobre a ré”

É desta decisão que a Ré e a interveniente principal apelaram, formulando, para tanto, as seguintes
conclusões:

1. Para que a ação de impugnação pauliana possa lograr, é necessário que se verifique o preenchimento de quatro pressupostos previstos nos artigos 610.º a 612.º, todos do Código Civil.
2. Para preenchimento do primeiro pressuposto, os autores apresentaram dois documentos alegadamente assinados pela ré/recorrente AA que provariam a existência e reconhecimento de um crédito.
3. Em sede de contestação a ré/recorrente AA veio referir que não reconhece tais documentos nem tão pouco as assinaturas apostas nos mesmos.
4. Da prova pericial produzida resultou que era pouco provável que as assinaturas tivessem sido efetuadas pelo punho da ré/recorrente AA.
5. O Tribunal a quo deveria ter considerado como não preenchido o primeiro pressuposto.
6. A prova da veracidade dos documentos cabia aos autores, os quais não conseguiram alcançar.
7. Há contradição entre a matéria de facto dada como não provada e a fundamentação, o que demanda a nulidade da sentença nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil.
8. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre factos invocados pela ré/recorrente AA na contestação, nomeadamente a existência de património suficiente para que o credor pudesse obter a satisfação do seu crédito sem a necessidade de impugnar o ato de doação efetuado pela ré/recorrente AA à sua filha.
9. Também o quarto pressuposto para a ação de impugnação pauliana não se encontra preenchido.
10. A sentença proferida pelo tribunal de primeira instância padece de vício de omissão de pronúncia, sendo nula, nos termos do artigo 615º, nº1, al. d) do Código de Processo Civil.
11. Os autores pretendem obter a ineficácia da doação efetuada pela ré/recorrente AA à sua filha, por forma a poderem executar o quinhão hereditário doado para satisfação do crédito que alegam deter.
12. Todavia, a ação foi apenas instaurada contra a ré/recorrente AA, alegada devedora, não constando dos autos a ré/recorrente BB que somente, após dedução de incidente de intervenção de terceiro aos mesmos foi chamada.
13. A ré/recorrente BB não figura no contrato de mútuo, pelo que, responsabilizá-la por um crédito que nunca contraiu e para o qual não foi tida nem achada, seria onerá-la com uma obrigação da qual não é, nem nunca foi, devedora.
14. A ré/recorrente BB é parte ilegítima, o que demanda a absolvição da instância nos termos do disposto no art.º 576.º do Código de Processo Civil.
15. A filha da ré/recorrente AA nada teve a ver com o negócio, pelo que se verifica uma situação de inoponibilidade da dívida a terceiro que se encontra de boa-fé.

Termos em que, nos melhores de direito e com o suprimento de V. Exas, deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, com as inerentes consequências legais.”

Os Autores apresentaram resposta que continha as seguintes
conclusões:

“I. Muito bem decidiu a Meritíssima Juiz “a quo” ao decidir como decidiu, pois, fê-lo com toda e a exigível ponderação, com assinalável capacidade de análise de depoimentos e subtil discernimento sobre a verdadeira realidade, o que deve assinalar-se e ter-se como louvável, em benefício da justiça, que se pretende célere e justa, como foi o caso.
II. Tendo em consideração que as Rés/Recorrentes alegam que não estão preenchidos os quatro pressupostos previstos nos artigos 610º a 612º do CPC, da ação pauliana.
III. Os únicos documentos contestados em sede de assinatura foram o documento C1 – requerimento de suspensão do processo - e documento C2 denominado “Declaração”, por si só, não provam a existência de um crédito.
IV. A conclusão alcançada na perícia efetuada, não foi suficiente para, por si só, fundar a convicção segura de que a assinatura não é verdadeira, o que justifica a dúvida da veracidade dessa assinatura, inexistindo qualquer outra prova onde esta se possa estribar.
V. Tais factos resultaram como factualidade não provada, ou seja, os únicos documentos dados como não provados foi uma declaração onde a ré e o falecido reconheciam a divida, bem como, o acordo alcançado junto do mandatário da Banco 1....
VI. Não há contradição entre a matéria de facto dada como provada e a fundamentação, não padece de nulidade, a sentença que conhece de todas as questões colocadas e são fundadas em omissões de elementos factuais e em erro de julgamento
VII. A omissão de pronuncia é um vicio que ocorre quando o tribunal não se pronuncia sobre todas as questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzidos pelas rés/recorrentes.
VIII. A prova do primeiro pressuposto, foi mais precisamente o documento enviado pelo CA Banco 1... – e não pelos Autores/recorridos, denominado Contrato de Crédito A Particulares, no qual figuram como mutuários EE e a ré AA, e como fiadores os Autores/Recorridos – o qual não foi impugnado, nem tão pouco contestada a assinatura da ré.
IX. A demais prova, o comprovativo do pagamento pelo autor da quantia em débito, permitiram ao Tribunal a quo concluir que foi efetuado pelos autores, em conta titulada 12 pelo falecido marido da ré AA, inexistindo qualquer outra explicação para tal pagamento que não o referido contrato no qual figuram fiadores os autores e mutuários a ré AA e seu falecido marido, o qual nunca foi impugnado ou a assinaturas.
X. A ré em depoimento de parte afirmou “não ter presente qualquer divida da qual tenha sido fiador o aqui autor,” o que equivale a dizer que não sabe se tal facto é ou não verdade. Considerou o Tribunal a quo, e muito bem, por se tratar de facto pessoal, e que naturalmente a ré tem conhecimento, não sendo credível que o ignore, considerou como confissão.
XI. Não acolheu o Tribunal a quo a tese de que a ré, há data com 50 anos de idade, total alheamento em relação aos negócios celebrados pelo seu marido, ou de não use cartões bancários, nem tenha qualquer conhecimento sobre a situação financeira do seu agregado familiar, ou a afirmação de que nunca foi a um Banco para tratar do que quer que seja.
XII. O que prova que o primeiro pressuposto está preenchido, sendo que o documento denominado Contrato de crédito a Particulares, não foi impugnado pela Ré, nem impugnada a sua assinatura.
XIII. No caso em apreço, nomeadamente quanto à existência de património suficiente para que o credor pudesse obter a satisfação do seu crédito, sem a necessidade de impugnar o acto de doação da ré à sua filha, esteve muito bem, ao considerar como facto provada que a ré não detém qualquer outro património, mobiliário ou imobiliário. Factualidade esta aceite expressamente pelas rés/recorrentes na sua contestação.
XIV. Pese embora, tenham alegado a existência de património na esfera jurídica do pais do falecido marido, - que nunca foi parte neste processo – e, como bem, as próprias rés/recorrentes reconhecem em sede de alegações, os pais do falecido marido vieram a falecer no decorrer da ação.
XV. Segundo a orientação pacífica do STJ é irrelevante a eventual suficiência de bens no património de outros devedores solidários para satisfazer a dívida, que não intervieram no acto impugnado. Não tendo as rés/recorrentes logrado provar a existência de bens, no seu património, na data em que doou o seu quinhão hereditário, à sua única filha, a impugnação pauliana tinha, inexoravelmente, de ser, como foi, julgada procedente.
XVI. Esteve muito bem o Tribunal a quo ao considerar que, à data, a ré não detinha qualquer outro património mobiliário ou imobiliário para...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT