Acórdão nº 722/22.5T8AGH.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-02-20

Ano2024
Número Acordão722/22.5T8AGH.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
Em 11.10.2022, A intentou contra B, ação declarativa com processo comum, pedindo que se declare nula a doação efetuada ao R., em virtude do acordo simulatório celebrado entre a A. e o falecido marido JP e o irmão e cunhada deste, declarando-se a titularidade do direito de propriedade plena da Autora sobre o imóvel sub judice, com a consequente condenação do R. a reconhecer à A. o direito de propriedade plena sobre o referido prédio. Subsidiariamente, caso assim se não entenda, condenar-se o R. a reconhecer a A. como dona e legítima possuidora do prédio descrito, por o ter adquirido por acessão industrial imobiliária.
A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese:
A A. contraiu matrimónio com JP no dia 22.12.1999, mas a relação entre ambos já se havia iniciado há alguns anos, por volta do ano de 1989.
Como de encontravam em processo de divórcio, ainda que já separados de facto, viram-se impossibilitados de assumir legalmente o seu relacionamento.
De forma a contornar a situação legalmente irregular em que se encontravam, a A. e o falecido esposo pediram ajuda ao irmão deste, FP, para celebrarem um contrato de compra e venda de um imóvel onde pudessem viver conjugalmente, tendo em 19.2.1991, sido celebrado o referido contrato de compra e venda de um prédio urbano sito em Acima do Calço do Ferreiro, Lombega, Castelo-Branco, Horta, inscrito na matriz sob o nº …...
O contrato de compra e venda foi celebrado entre MPK, estando presente o seu procurador MH enquanto vendedor, e FP e a sua respetiva cônjuge EP. enquanto compradores, os quais celebraram a compra a pedido do falecido marido da A., que facultou o valor do preço do prédio.
Além do contrato de compra e venda suprarreferido foi ainda celebrada uma doação a B, neto do JP, falecido esposo da Autora, e neto-sobrinho dos compradores, e uma doação do usufruto à A.
Em representação da A. esteve presente o seu falecido esposo.
Tanto o contrato de compra e venda celebrado com o irmão de JP, FP, a pedido do mesmo, como a doação da nua propriedade ao neto de JP e o usufruto à Autora tiveram como objetivo único evitar que o prédio que iria servir de morada de família da Autora e de JP constasse da relação de bens que decorriam entre os mesmos e os seus ex-cônjuges dos quais se encontravam separados de facto.
Todos os encargos e despesas relacionadas com a compra e venda do imóvel foram suportados pela A. e pelo seu falecido esposo, e, a partir dessa data, a A. e o falecido esposo passaram a coabitar no referido imóvel, como proprietários, passando o mesmo a ser considerado a morada de família.
Na sequência de sismo ocorrido em julho de 1998, o edifício sofreu destruições consideráveis, tendo a A. feito obras de reconstrução, no valor de €41.003.97, que em muito excedem o valor do prédio, que é de €9.976.00.
Por detrás do negócio simulado/aparente – a doação ao réu e o direito de usufruto concedido à Autora - há um negócio dissimulado, real – a aquisição do direito de propriedade sobre o imóvel em causa pela A. e pelo esposo falecido, que sempre se comportaram em relação ao mesmo como seus proprietários.
Regularmente citado, o R. contestou, por exceção, invocando falta de interesse em agir da A. e ineptidão da PI, e por impugnação. Terminou pedindo que sejam julgadas procedentes as exceções invocadas, absolvendo-se o R. da instância. Prosseguindo a ação, pugna: a) pela sua improcedência, absolvendo-se o R. dos pedidos; b) pela declaração de que a A. atua com abuso de direito; c) pela condenação da A. como litigante de má-fé e, nessa sequência, a pagar uma multa ao tribunal e indemnização ao R. no montante não inferior a 8 UC’s.
Convidada a pronunciar-se sobre as exceções invocadas e o pedido de condenação como litigante de má fé, a A. respondeu pugnando pela improcedência das exceções invocadas, e dever o “R. ser sancionado incidentalmente no tocante à invocação infundamentada dos pedidos de condenação da Autora por Abuso de Direito e litigância de Má fé.”
Foi proferido despacho a convidar a A. a apresentar PI aperfeiçoada [1], o que esta fez [2], a qual termina pedindo: “a) Ser declarada a nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre MPK e FP e esposa a 19.02.1991, em virtude do acordo simulatório celebrado entre a A. e o falecido marido JP (verdadeiros adquirentes do prédio) e o irmão FP e esposa; b) Ser declarada a nulidade da doação efetuada a favor do R., aposto no mesmo ato de escritura notarial datado de 19.02.1991, em virtude do acordo simulatório celebrado entre a A. e o falecido marido JP e o irmão FP e esposa; c) Ser reconhecida a titularidade do direito de propriedade plena da A. sobre o imóvel sub judice, d) Ser o R. condenado a reconhecer à A. o direito de propriedade plena sobre o referido prédio. Subsidiariamente, Caso assim se não entenda, condenar-se o R. a reconhecer a A. como dona e legítima possuidora do prédio descrito, por o ter adquirido por acessão industrial imobiliária.”.
O R. respondeu, mantendo a defesa apresentada em sede de contestação.
Foi dispensada audiência prévia, e proferido despacho saneador, que julgou improcedentes as exceções invocadas, e procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, e, consequentemente, absolveu “o R B…, por falta de participação de todos os interessados na ação e do lado passivo (preterição de litisconsórcio necessário passivo), atendendo aos pedidos formulados pela A., tudo de acordo com o disposto nos artigos 278º/1-d), 578º, ambos do CPC”.
Não se conformando com a decisão, dela apelou a A., tendo no final das respectivas alegações formulado as seguintes conclusões, que se reproduzem:
a) Por entender o tribunal recorrido não estarem na ação todos os RR. com interesse legítimo em contestar a autora, por sentença veio o R. B (por falta de participação de todos os interessados na ação e do lado passivo preterição de litisconsórcio necessário passivo), absolvido da instância, atendendo aos pedidos formulados pela A., tudo de acordo com o disposto nos artigos 278.º, 1, d) e 578.º, ambos do CPC.
b) Convidada a deduzir um incidente autónomo de intervenção principal de terceiros (dos ditos “conluiados”) provocado, chamando à demandada e para se associarem ao R., FP e a cônjuge EP, quer quanto ao pedido de declaração de nulidade por simulação, quanto ao contrato de compra e venda do imóvel, a A. não deduziu intervenção provocada dos indicados intervenientes na simulação, por não ser vivo o irmão de JP nem o próprio JP.
c) Com o devido respeito, a intervenção dos ditos FP e cônjuge EP, não é necessária, pela natureza da relação jurídica, para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal.
d) Não se tem, nem se poderá ter, por essencial, a intervenção do casal que interveio na escritura como comprador do imóvel, mais que o marido, FP, faleceu já em 24.11.1996, sendo que a A. é usufrutuária e o R. B é dono da nua propriedade do imóvel, não havendo conflito entre o direito da A. e do R. e qualquer outro que se equacione deter o “casal comprador”, FP (já falecido) e esposa, não sendo, igualmente, estes últimos interessados no processo por não terem interesse em agir.
e) Nenhum efeito útil produzirá assim a sentença a proferir na sua esfera jurídica, não podendo dizer-se que seriam seus destinatários e que esta regularia definitivamente a situação jurídica entre os interessados, precisamente por não serem interessados.
f) A ter-se por necessária e essencial a intervenção, jamais seria provocada tal intervenção do lado passivo, mas, ao invés e, quando muito, do lado ativo juntamente com a A. dada a coligação entre “compradores” reais e fictícios, opostos ao “vendedor”, beneficiando, assim, a A. daquela intervenção.
g) É que, a pretensão principal da ação visa a declaração da nulidade do negócio de doação formalizado pela escritura de celebrada em 10.09.1991, com base na simulação (cfr. art.º 240.º do CC). Não sendo controvertida a compra pelo irmão do falecido marido da A., ainda que simulada, porque “querida”, sendo-o apenas a doação.
h) Pouco ou nada terá a acrescentar aos autos a mulher do falecido FP, cunhado da aqui A., na medida em que os termos em que foi celebrado o negócio de compra/ doação terão sido delineados pelo falecido marido da A. juntamente com o falecido FP, irmãos, limitando-se a esposa deste a intervir no negócio por conta do regime de casamento.
i) Em bom rigor, não existiu um pacto entre os adquirentes, FP e esposa, e o alienante, no sentido de estes declararem uma vontade que não corresponde à sua vontade real; o que existiu foi um pacto entre A. e falecido marido e alienante no sentido de que, pese embora o preço fosse integralmente pago por estes, figurariam na escritura, como compradores, FP e esposa.
j) Não vislumbra, por conseguinte, a A. qual a eventual inutilidade ou contradição prática da decisão a proferir, designadamente, quando traz aos autos o único R. interessado, causa de pedir e pedido, dos quais considera demonstrar-se possível a regulação definitiva da situação concreta das partes perante o pedido.
k) Tanto mais que a A. invoca ainda que a propriedade do bem (prédio urbano) sempre lhe pertenceria ao alegar ainda a posse boa para usucapir passados todos os anos que ali tem vivido e, subsidiariamente, com recurso ao instituto da acessão imobiliária nos termos do art.º 1324.º e seguintes do CC, porquanto o valor das obras é superior ao valor do terreno, logo a proprietária desse imóvel será a autora.
l) Por conseguinte, e em face do pedido inicial formulado pela A. e à causa de pedir, a intervenção da viúva de FP não é exigível para que a decisão
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