Acórdão nº 721/17.9T8GMR-K.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28-09-2023

Data de Julgamento28 Setembro 2023
Ano2023
Número Acordão721/17.9T8GMR-K.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício;
2.º Adjunto - José Carlos Pereira Duarte.
*
ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. U..., S.A., com sede em 26, ..., em ..., em ... (aqui Recorrente), propôs o presente procedimento cautelar não especificado, contra Massa Insolvente de AA, AA (enquanto próprio insolvente) e Credores da Massa Insolvente de AA (os três aqui Recorridos), pedindo que

· se ordenasse a suspensão imediata da venda judicial de acções representativas do capital social de L..., S.A..

Alegou para o efeito, em síntese, que, tendo ela própria adquirido a AA, em 16 de Abril de 2013, por «Contrato de Cessão de Acções e Acordo», 25.500 acções da dita Sociedade, pelo preço de € 127.500,00, não as recebeu, por se encontrarem oneradas com um penhor em benefício da Banco 1... (que, por isso, as guardava).
Mais alegou que, tendo dado conhecimento da aquisição das acções à Credora pignoratícia e custodiante, a mesma não averbou nos títulos a respectiva cessão, permanecendo, por isso, em nome do anterior proprietário; e, vindo este a ser declarado insolvente em 09 de Fevereiro de 2017, foram as ditas acções apreendidas para a respectiva massa insolvente.
Alegou ainda ter intentado uma acção para a sua restituição (apensa aos autos de insolvência), vindo na mesma a ser reconhecida: a validade do negócio de cessão de acções; a exclusiva produção de efeitos obrigacionais e não reais do mesmo (por falta de oportuna inscrição nos títulos de declaração escrita da transmissão, a favor do transmissário, e de subsequente registo junto do emitente ou do intermediário financeiro que o representasse); e o seu direito a exigir as condutas idóneas à perfeição do negócio.
Por fim, alegou que, tendo-o feito junto da Administradora da Insolvência, a mesma recusou-se a satisfazê-la, tendo por isso intentado nova acção, esta destinada a obter a condenação daquela a adoptar as condutas em falta; e que, entretanto, a Administradora da Insolvência promoveu a venda das acções por leilão eletrónico, com encerramento previsto para o dia 20 de Junho de 2023, pelas 11.00 horas, sem que, porém, respeitasse os formalismos exigidos para o efeito (nomeadamente, em sede de publicidade da venda e de prévio registo da apreensão das acções a favor da Massa Insolvente de AA), o que tornaria qualquer subsequente venda nula.

1.1.2. Foi proferido despacho, indeferindo liminarmente o procedimento cautelar não especificado, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
No apenso H foi decidido que:
“I - O contrato de compra e venda de acções nominativas só fica perfeito, operando a transmissão da propriedade sobre tais bens, quando tenham sido devidamente cumpridas, pela entidade responsável, as formalidades especialmente exigidas pelo artigo 102º, nº 1, do Código de Valores Mobiliários, concretamente quando exista declaração escrita de transmissão inscrita no título, a favor do transmissário, seguida de registo junto do emitente ou junto de intermediário financeiro que o represente, ou seja, o denominado modo.
II - Sem tais formalidades essenciais, legalmente estabelecidas pela legislação de natureza especial que regula juridicamente o regime dos valores mobiliários (o Código de Valores Mobiliários), a declaração negocial gerará efeitos de natureza obrigacional, consubstanciados no direito do transmissário à exigência da prossecução das condutas idóneas à perfeição do negócio (declaração no título e diligências para o registo junto da emitente), sob pena de integral ressarcimento, no plano indemnizatório, dos prejuízos causados, a ter lugar nos termos gerais, mas não efeitos de natureza real, o que constitui um desvio ao regime regra consignado no artigo 408º, nº 1, parte, do Código Civil.
III - Não se encontrando devidamente cumprido o modo relativo ao contrato transmissivo de acções nominativas ao tempo da declaração de insolvência do vendedor, e encontrando-se estas na carteira de títulos do credor pignoratício, é lícita e válida a sua apreensão para a massa insolvente realizada pelo administrador da insolvência, tendo em conta do disposto no artigo 81º, nº 1, do CIRE, segundo o qual “a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência”.
IV - Improcede, portanto, a acção de restituição instaurada pelo comprador, ao abrigo do disposto no artigo 146º, nº 1, do CIRE, em negócio de compra e venda de acções nominativas em que não foi cumprido o modo, face à não transmissão em seu favor do direito de propriedade sobre estas, que teria de produzir-se até ao momento em que o alienante poderia validamente dispor dos valores mobiliários em causa”.
Ou seja, deste aresto resulta que a apreensão é válida e que a sua restituição à ora requerente foi julgada improcedente, pelo que, e em caso algum, com base em anteriores declarações negociais pode a requerente obter esse desiderato.
Outrossim, seria a restituição de valores pagos e outras indemnizações, que teriam de ser verificados nos termos do art. 146º do CIRE, dada a especificidade dos meios processuais do CIRE.
Sendo a apreensão válida, também é licita a sua venda ou liquidação nos termos deliberados pelos credores.
Pelo que, o presente procedimento cautelar deve ser liminarmente indeferido, no tocante ao pedido de requerer judicialmente o cumprimento da contraprestação do contrato por si cumprido, a quem, nesta data, tem a posse das ações - à sra. Administradora de Insolvência em representação da requerida massa insolvente AA - e que, por imposição legal, tem o poder de administração e de disposição dos bens integrantes dessa massa insolvente e, portanto, o dever de honrar os contratos celebrados pelo insolvente, desde logo por ofensa do caso julgado.
*
Sobre as aludidas nulidades da venda.
As providências cautelares, na falta de regime especial, regem-se pelas regras gerais dos art.º 30.º e ss. do C.P.Civil atinentes à legitimidade processual.
Assim, a legitimidade de Requerente e Requerido numa providência cautelar há-de aferir-se por referência aos titulares dos interesses jurídicos relevantes, quer no lado ativo (em demandar), quer no lado passivo (em contradizer).
Para efeitos da legitimidade interessa apenas saber quem são os sujeitos da relação controvertida, pois saber se a relação existe, ou não, pertence ao mérito da acção. Por outro lado, com a alteração introduzida no art. 26º/3 do CPC com a reforma de 1995 (DL 329-A/95 de 12 de Dezembro) e que permaneceu no Novo CPC (redação da Lei 41/2013 de 26 de junho), acolheu-se a tese subjectiva, defendida desde longa data pelo jurista Barbosa de Magalhães e posteriormente, por Palma Carlos segundo a qual têm legitimidade para a acção os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo A. Na tese objectiva defendia-se que para apuramento da legitimidade deve abstrair-se da efectiva existência do direito ou interesse material, cumprindo ao juiz averiguar se estão na causa os sujeitos da relação controvertida. Na tese subjectiva para aferir da legitimidade deve abstrair-se da efectiva titularidade. Nesta corrente que obteve consagração legal, ao apuramento da legitimidade interessa apenas a consideração do pedido e da causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram a causa de pedir. Face à previsão da lei para efeitos de aferir da legitimidade interessa apenas a relação jurídica controvertida com a configuração subjectiva que o A. (unilateralmente) lhe dá. A falta do pressuposto processual fica circunscrita, usando as palavras do Professor ANTUNES VARELA: “[…] aos casos (raros) de divergência entre as pessoas identificadas pelo autor como adversários da sua pretensão e as pessoas efetivamente ingressadas em juízo, e os casos (não menos raros) em que da própria petição transpareça a conclusão de que o autor chama a juízo pessoas, que não são os sujeitos da relação controvertida”. Neste quadro legal TEIXEIRA DE SOUSA defende a supressão do “pressuposto da legitimidade processual, porque inútil e redundante em face da apreciação de mérito, a não ser nos casos de legitimidade indireta (substituição processual) ou de tutela de interesses coletivos ou difusos”.
Neste conspecto, somos de entendimento que a sociedade U..., carece de legitimidade para intervir nos presentes, por não ser parte, nem credora nos mesmos.
A U..., goza apenas do direito de preferência relativamente a uma eventual proposta concreta para aquisição das ações, sendo que, só nessa circunstância estará legitimada a exercer o seu direito, o qual neste momento não se mostra violado.
Pelo que, não pode impedir invocar nulidades da venda a realizar pela Sra. A.I., sem prejuízo do que determina o art. 163º do CIRE e de tudo o que já foi expendido a este propósito no apenso de liquidação.
Assim, conclui-se pela ilegitimidade ativa da requerente quanto a estes pedidos.
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Pelo exposto, e pelas razões acima enunciadas, indefere-se liminarmente a presente providência cautelar.
Custas pela requerente.
Registe e Notifique.
(…)»
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformada com esta decisão, a Requerente (U..., S.A.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse julgado procedente e se revogasse a decisão recorrida, deferindo-se o procedimento cautelar não especificado.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

i) O presente recurso visa impugnar a decisão de indeferimento...

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