Acórdão nº 714/10.7BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 26-05-2022
Data de Julgamento | 26 Maio 2022 |
Ano | 2022 |
Número Acordão | 714/10.7BESNT |
Órgão | Tribunal Central Administrativo Sul |
I-RELATÓRIO
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por “Q..., S.A.” contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) relativas aos exercícios de 2005, 2006 e 2007.
***
A Recorrente veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:
“
A) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou parcialmente procedente a Impugnação Judicial deduzida pela Q..., S.A., e que determinou a anulação das liquidações adicionais de IRC, e correspondentes juros compensatórios, na parte em que desconsideraram os custos relativos à moradia da Quinta P..., ao iate “E...” e ao valor correspondente ao recibo emitido pela sociedade “M….”.
B) É quanto a este, e apenas este, segmento da decisão que se recorre, sendo que quanto ao segmento favorável, desde já, se aceita, expressamente, essa parte da decisão.
C) Neste âmbito, o Tribunal a quo acolheu parcialmente o entendimento perfilhado pela Recorrente tendo considerado improcedente o peticionado quanto às correções elencadas de seguida, por entender que a AT fez uma correta interpretação da Lei vigente (vide artigo 23. º do CIRC na redação à data), ao não deferir o peticionado no que se refere às correções relativas a: (i) relevância para efeitos fiscais dos custos com a frota de automóveis de luxo; (ii) relevância para efeitos fiscais dos custos relativos a prémios de seguros de vida a favor do acionista maioritário e administrador da Impugnante.
D) Porém, por entender que a AT não fez uma correta aplicação da lei vigente, considerou o Tribunal a quo, acolher parcialmente o entendimento perfilhado pela Recorrida tendo considerado procedente o peticionado quanto às correções elencadas de seguida, determinado a sua anulação e consequentemente, a anulação parcial do ato de liquidação contestado: (i) relevância fiscal dos custos incorridos na construção da habitação Quinta P... e do iate “E...”; (ii) relevância fiscal da do valor relacionado com a “comissão” paga pela a aquisição de um imóvel em Vilamoura.
E) Neste âmbito, conforme referido, não pode a Recorrente conformar-se com o teor da Sentença proferida por considerar que a mesma incorreu em erro de julgamento, ao manter, só, parcialmente, na ordem jurídica os atos de liquidação de IRC, como infra melhor se sintetizará.
F) Ora, no que se refere a tais custos, não pode a Recorrente conformar-se com o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo, por tais custos (i) não serem indispensáveis para a realização dos proveitos gerados pela Impugnante os custos incorridos com a construção e manutenção da habitação Quinta P...; com a aquisição e manutenção do iate “E...”; e por fim (ii ) o referente à desconsideração de custos relacionados com a alegada “comissão” paga pela aquisição de um imóvel em Vilamoura, com fundamento na violação do princípio da especialização dos exercícios.
G) Antes de mais e porque relevante começamos por convocar o Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público, no sentido da improcedência da impugnação, acompanhando os fundamentos vertidos na contestação, considerando em síntese o seguinte:
“(…) Compulsados os autos, e vistos os elementos que dos mesmos constam, o Ministério Público acompanha a posição sustentada no processo pelo Exmo. Representante da Fazenda Pública, nos respetivos articulados, e designadamente na contestação e na bem fundamentada “informação dos serviços”, junta aos autos, de fls. 152 a 168, corroborada pelo relatório de inspeção tributária, que consta do processo administrativo tributário, que aqui se dão por reproduzidas para os devidos efeitos, por se concordar com o respetivo enquadramento factico-juridico, e por se mostrar que a Impugnante não logrou produzir prova de modo a infirmar a posição da Administração Fiscal. Neste condicionalismo, os atos impugnados não padecem de qualquer vicio anulatório, e daí que sejam de manter na ordem jurídica”.
H) Ora, no que se refere aos custos (habitação e iate “E...”), tal como ficou amplamente demonstrado no RIT, tais não se enquadram no disposto no artigo 23.º do Código do IRC (na redação à data), para efeitos da sua dedutibilidade como custos do exercício.
I) Por outro lado, sendo o meio de prova em IRC, acima de tudo, documental, as declarações de parte a prova testemunhal, como “complementares”, não podem deixar de permitir o mesmo controlo que a prova documental.
J) Não é pelo facto de a prova ser produzida em tribunal, pela via testemunhal, que poderá ser mais “ligeira” – ultrapassando ou ignorando, os objetivos que a lei fiscal estabelecer (cfr. artigo 23.º do Código do IRC).
K) Para que os custos, enumerados, sejam considerados dedutíveis para efeitos fiscais, são necessários dois requisitos fundamentais:
- Que sejam comprovados através de documentos emitidos nos termos legais
(normalmente faturas ou documentos equivalentes), sendo que, em certas situações e, tendo em conta a natureza da componente negativa do rédito, são admissíveis documentos internos.
- Que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora (conforme decorre dos presentes autos, a tónica centra-se no requisito da indispensabilidade).
L) É no conceito de indispensabilidade que reside a problemática essencial da consideração fiscal dos custos empresariais e que ali repousa um dos principais pontos de distinção entre o custo efetivamente incorrido, no interesse coletivo da empresa e, o que pode resultar apenas do interesse individual do sócio, de um grupo de sócios ou do seu conjunto que não pode por isso ser considerado custo – é o que sucede nos casos em que o custo é manipulado para reduzir o imposto a pagar.
M) Podemos então dizer que o custo é uma despesa que deve ter, na sua origem e na sua causa, um fim empresarial e a lei concede à AT poderes bastantes para recusar a aceitação, como custos fiscais, de despesas que não possam ser consideradas compatíveis com as finalidades a prosseguir pela empresa.
N) O requisito da indispensabilidade dos custos para a formação de proveitos deve ser aferido por critérios de racionalidade económica face aos objetivos estatutários e atendendo por isso à razoabilidade e à fundamentação das decisões de gestão no momento e nas circunstâncias em que são tomadas.
O) Por conseguinte, considera a Recorrente com o devido respeito que parece que o Tribunal a quo não atribuiu a relevância devida a toda a factualidade descrita no Relatório da Inspeção em torno dos custos com a construção e manutenção da habitação Quinta P... e, quanto aos custos de aquisição e manutenção do iate, decidindo pela dedutibilidade dos mesmos (artigo 23.º do CIRC).
P) E ainda quanto aos custos com a referida habitação, não podemos deixar de olvidar, tal como constatado pela inspeção tributária que a casa em apreço era utilizada pelo administrador e acionista maioritário nessa qualidade e na qualidade de comodatário e o facto de surgir em diversas publicações.
Q) Sendo certo que cabe à Recorrida definir suas estratégias empresarias, destinadas à obtenção de resultados, caber-lhe-á também fazer prova cabal de que esses custos se encontram comprovados e que foram indispensáveis à obtenção de resultados. O que in casu, e salvo melhor entendimento, não sucedeu.
R) Assim, entende a Recorrente que ao decidir pela procedência do pedido no que se refere aos custos com a construção e manutenção da habitação Quinta P... e com a aquisição e manutenção do iate “E...”, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento.
S) No que se refere à correção relativa a “custos relativos a exercícios anteriores” relacionados com a “comissão” paga pela aquisição de um imóvel em Vilamoura, considera também a Recorrente que o seu entendimento vertido no RIT, se encontra em conformidade com as disposições legais aplicáveis, sendo, consequentemente, legal o ato de liquidação emitido.
T) Na verdade, ficou demonstrado no Relatório da Inspeção, que o custo suportado com esta comissão é imputável ao exercício de 2001, data em que foi paga, não obstante, tal comissão só foi contabilizada em 31 de janeiro de 2006, na conta ... Quinta do L....
U) Ora, conforme ficou demonstrado, não se afigura como correto o entendimento do Tribunal a quo, em linha com o entendimento sufragado pela Recorrida, possam em abono da justiça e da verdade material, não atribuir relevância ao tratamento contabilístico e respetivos documentos de suportes .
V) Com efeito, não se afigura como correto, para a Recorrente a afirmação que “(…) Assim, sendo, como efetivamente resulta do cotejo dos documentos em apreço, conforme foi levado ao probatório, está em causa o custo de um bem, uma mercadoria, atento o objeto social da impugnante, que viria a ser vendido no exercício de 2007 originando proveitos que concorrem para a formação do lucro tributável desse exercício, devendo, por isso mesmo, ser aceite fiscalmente. Tanto vale dizer que a correção em apreço viola o disposto no artigo 23.º do CIRC”.
W) Em face do exposto, não compreende, nem aceita, a Recorrente que o Tribunal a quo possa ter aderido de forma tão expressiva à tese da Recorrida, ignorando o que vem fundamentado em sede de RIT, pois a AT limitou-se analisar os lançamentos contabilísticos e respetivos documentos de suporte.
X) Em suma, e salvo melhor entendimento, deverá, pois, proceder, também, a correção promovida pela AT.
Y) Pelo que deverá o presente Recurso ser considerado procedente e, consequentemente, ser anulada, nesta parte, a Sentença recorrida e substituída por uma outra que, mantenha na ordem jurídica os atos de liquidação de IRC, com fundamento na sua legalidade ao terem sido emitido em total respeito pelo disposto nos...
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