Acórdão nº 7097/19.8T9LSB.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-02-02

Ano2023
Número Acordão7097/19.8T9LSB.L1-9
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, os Juízes que integram a 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
1. No âmbito do processo n.º 7097/19.8T9LSB que corre termos no Tribunal Central de Instrução Criminal (Juiz 8), em 09.06.2022, foi proferida decisão a rejeitar o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente A, com fundamento na sua inadmissibilidade legal.
2. Inconformado com a decisão, dela interpôs recurso o assistente, formulando as seguintes conclusões:
«1. Vem o presente recurso interposto do despacho que indeferiu a abertura de instrução requerida pelo assistente A, “por legalmente inadmissível”, por não estar em causa “a falta de concordância do J.I.C. nem o cumprimento das injunções e/ou regras de conduta impostas ao arguido” B.
2. O assistente apresentou a queixa que originou os presentes autos, que supra sumulámos e nos dispensamos aqui de reproduzir.
3. Do teor da mesma e dos factos denunciados, bem resulta que é titular de interesse próprio no processo, porquanto foi directa e pessoalmente afectado pelos actos praticados pelo arguido.
4. Como tal, assistia-lhe a prerrogativa de se constituir assistente, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artº 68º do CPP, desde que devidamente representado por advogado, conforme exige o nº1 do artº 70º do mesmo Código.
5. Para este efeito requereu, pois, protecção jurídica, incluindo a nomeação de patrono, em 17/11/2021.
6. Por vicissitudes administrativas a que é completamente alheio e supra melhor expostas, apenas em 12/04/2022, veio a ocorrer a nomeação da patrona subscritora do presente requerimento, tendo a constituição de assistente sido requerida – em prazo – no dia 02/05/2022.
7. Neste entretanto, o Ministério Público bem sabia e não podia ignorar que o então queixoso, ora assistente/recorrente, se encontrava a aguardar a protecção jurídica com nomeação de patrono no intuito de se constituir assistente e intervir nos autos.
8. E o Ministério Público bem sabia e não podia ignorar que, até que tal sucedesse, o então queixoso e ora assistente/recorrente se encontrava impossibilitado de intervir nos autos como assistente, conforme pretendia fazer.
9. Não obstante e à revelia do queixoso que se pretendia constituir assistente – naquilo que consideramos um claro acto de má-fé processual – o Ministério Público determinou a suspensão provisória do processo, mediante o cumprimento pelo arguido de determinada injunção.
10. Sem que aquele tivesse conhecimento – por não ser notificado – de qualquer acto ou decisão processual, até que em 14/02/2022 foi notificado do despacho de arquivamento proferido em 17/01/2022:
“Compulsados os autos, verifica-se ter decorrido o período da suspensão, sendo certo que o arguido não foi condenado pela prática de crimes da mesma natureza (fls. 159 a 161), desconhecendo-se a existência de processos pendentes por ilícito criminal (fls. 162), e o mesmo cumpriu a injunção a que estava obrigado, conforme decorre de fls. 156.
Pelo exposto, determino o arquivamento dos presentes autos, conforme dispõe o art.º 282.º, n.º 3, do CPP.
Notifique.”
11. Sendo certo que, ainda que conhecesse o despacho de suspensão provisória, não poderia reagir ao mesmo, por impossibilidade de se constituir assistente enquanto não lhe fosse nomeado patrono, como aguardava.
12. Assim como, ainda que lhe fosse notificado o despacho de concordância que, depreende-se, foi proferido pelo Senhor Juiz de Instrução, não poderia reagir ao mesmo, por impossibilidade de se constituir assistente enquanto não lhe fosse nomeado patrono, como aguardava.
13. Pelo que não pode caber a fundamentação constante do despacho recorrido: Que apenas poderia requerer a abertura de instrução em caso de incumprimento das injunções ou inexistência de despacho de concordância do JIC ou, ““Já para o caso de essa concordância se ter verificado, mas ser manifesta a falta de outro pressuposto do arquivamento no caso de dispensa de pena ou da suspensão provisória, só resta a via do recurso da decisão de concordância do JI (…)”
14. Como – questionamos nós – se o mesmo nunca lhe foi notificado nem dele tomou conhecimento?
15. Como – questionamos nós – se, ainda que tivesse conhecimento do despacho de concordância, não poderia recorrer sem a nomeação de patrono requerida?
16. Nomeação essa que só ocorreu 2 meses depois da notificação do despacho de arquivamento, 3 meses depois do despacho de arquivamento e 6 meses depois da apresentação do pedido de nomeação de patrono.
17. Ora o queixoso/assistente/recorrente não pode ver o exercício dos seus direitos prejudicado por omissão, em tempo útil, de um acto administrativo – a nomeação de patrono – pelo Estado português.
18. Devendo a exigência de concordância do assistente, constante da alínea a) do nº1 do art.º 281º do CPP, ser interpretada como também extensível "àquele que tiver legitimidade para se constituir assistente", pois só com este sentido se asseguram os interesses do denunciante-ofendido, para o caso de, face à possibilidade de aplicação da suspensão provisória do processo, o denunciante considerar então constituir-se assistente para se opor à mesma.
19. Mais ainda quando, como nos presentes autos, o denunciante já manifestara o propósito de se constituir assistente, apenas aguardando o deferimento de apoio judiciário e a nomeação de patrono que solicitara com tal finalidade.
20. Por outro lado, atentas as disposições conjugadas do ponto i) da alínea a) do nº 1 e nº 4 do art.º 67º-A do CPP, ao ora recorrente, na qualidade de vítima, assistem “os direitos de informação, de assistência, de proteção e de participação ativa no processo penal, previstos neste Código e no Estatuto da Vítima. “
21. O mesmo sendo assegurado pelos art.º 11º e seguintes da Lei nº 130/2015, de 4 de Setembro, que transpôs a Directiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro de 2012.
22. O que também claramente não foi aplicado nos presentes autos, pois que nem o queixoso/assistente/recorrente foi informado quanto à suspensão provisória do processo, nem, consequentemente, lhe foi permitido participar activamente, pronunciando-se quanto à mesma; nem tão-pouco os autos aguardaram o deferimento de decisão administrativa – deferimento do apoio judiciário e nomeação de patrono – que o habilitasse a constituir-se assistente.
23. Revelando-se censurável esta actuação do Ministério Público, à revelia do requerente – vítima e legitimado a constituir-se assistente, mas impedido de o fazer por factos a si alheios, mas próprios do Estado/administração.
24. De onde resulta que a interpretação normativa dos artº281º e 282º do CPP – no sentido de que o assistente apenas pode requerer abertura de instrução por incumprimento das injunções ou falta de despacho de concordância, ou recorrer do despacho de concordância (mesmo que não lhe seja notificado), e não já requerer a abertura de instrução por ter sido decretada a suspensão provisória quando se encontrava impedido de se constituir assistente e opor-se – é ainda desconforme aos art.º 8º e 20º da Constituição da República Portuguesa (CRP), devendo com tal sentido ser desaplicada e aplicada no sentido e com o conteúdo aqui defendido, sob pena de inconstitucionalidade.
3. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1- Nos termos do art.º 281º nº 1 a) do CPP é, entre outros, pressuposto de determinação de despacho de SPP a concordância do arguido e do assistente;
2- A qualidade de assistente não se identifica com a qualidade de lesado ou ofendido e nem sempre o ofendido se pode constituir assistente - cf. art.º 68º do CPP;
3- O assistente é um colaborador da justiça e não mera parte;
4- Quisesse o legislador considerar o ofendido/ vitima / lesado como titular dos direitos consignados para o assistente tê-lo-ia feito de forma expressa, como aliás o faz
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