Acórdão nº 708/19.7T9OLH.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2022-04-26

Ano2022
Número Acordão708/19.7T9OLH.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora:

1. RELATÓRIO
1.1. Neste processo n.º 708/19.7T9OLH, que se iniciou com a denúncia apresentada por Si…. contra desconhecidos, findo o inquérito, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento, ao abrigo do disposto no artigo 277º, n.º 2, do CPP, por entender que relativamente a alguns dos factos denunciados não existirem indícios da prática de crime e que no referente aos factos que, em abstrato, poderiam integrar, a prática de crimes de burla informática, p. e p. pelo artigo 221º do CP, não resultar suficientemente indiciado nos autos qual o seu autor.
1.2. A denunciante Si… constituiu-se assistente e, inconformada com o despacho de arquivamento, requereu a abertura de instrução, tendo o requerimento apresentado sido rejeitado, por despacho judicial proferido em 15/11/2021, por inadmissibilidade legal, nos termos do disposto nos artigos 287º, n.º 3, do CPP, por a assistente ter enviado tal requerimento por correio eletrónico, sem assinatura digital, nem validação cronológica, gozando do valor da telecópia e sem que tenha junto aos autos o original, no prazo legal de 10 dias.
1.3. Não se conformando com o assim decidido, recorreu a assistente, para este Tribunal da Relação, apresentando a respetiva motivação e dela extraindo as seguintes conclusões:
«A) Ao longo de meses sempre os requerimentos subscritos pela patrona oficiosa da recorrente, ora signatária, foram enviados por correio electrónico simples usando o mesmo endereço electrónico “a….com”, sem assinatura digital ou validação cronológica, nunca tendo sido entregue, posteriormente àquele envio, o original dos requerimentos enviados. Todos os requerimentos foram aceites pelo sr. Procurador-Adjunto responsável do processo e também, pela meritíssima juiz do Juízo de Competência Genérica de Olhão-Juiz 2, e foram objecto de despacho de deferimento sempre.
B) Notadamente é enviado pela recorrente em 12/03/2021 requerimento para Constituição de Assistente, assinado e carimbado pela patrona da recorrente (fls. 244 e 245 dos autos) também sob a forma de correio electrónico simples, sem assinatura digital ou validação cronológica, e não foi entregue pela recorrente o original daquele requerimento na secretaria do Ministério Público de Olhão. Não obstante aquele modo de envio, o requerimento da recorrente foi aceite e em 07/04/2021 é proferido douto despacho (Refª. 119740220) pela Meritíssima Juiz do Juízo de Competência Genérica de Olhão- Juiz 2, a admitir “a intervir nos presentes autos, na qualidade de assistente, Si…”, ora recorrente. Sendo ademais ainda certo que o Sr. Procurador- Adjunto havia proferido despacho anteriormente em 24/03/(2021 nos seguintes termos. “Remeta aos autos ao Juízo de Competência Genérica de olhão para apreciar o pedido de constituição como assistente formulado por Si…, com a promoção de que o mesmo seja deferido.” (fls. 246 a 250 inclusive dos autos).
C) Toda esta situação veio decorrendo sem que alguma vez tenha sido imputado qualquer vício de forma a tais requerimentos e atinentes envios. Na verdade, nunca, em momento algum, durante meses, foi questionada quer por funcionário judicial, por magistrado judicial ou por juiz, a ilegalidade da entrega/envio de tais requerimentos da recorrente; ou sequer foi levantada a possível irregularidade da entrega/envio por desrespeito das exigências de forma legalmente exigidas.
D) Foi o requerimento de abertura de instrução (doravante RAI) enviado através do endereço electrónico da Ordem dos Advogados, exactamente da mesma forma como haviam sido enviados todos os articulados da recorrente, ao longo de meses; sem que alguma vez tivesse sido suscitada a questão de ilegalidade e/ou irregularidade na forma de entrega quer por funcionário judicial, quer pelo sr. Procurador-Ajunto, quer por juiz, repete-se.
E) Pelo contrário, sempre foram aceites todos os requerimentos da recorrente e prolatados os atinentes despachos de deferimento. Circunstancialismo que naturalmente conduziu a que também este requerimento de abertura de instrução fosse da mesma maneira enviado aos autos pois tinha-se criado a convicção de que tal forma de envio não padecia de qualquer vício.
F) Foi portanto com enorme surpresa que a recorrente recebeu a decisão de rejeição do RAI, ademais pelos motivos que foram indicados pela Srª. Juiz de Instrução - formalmente inadmissível por ter sido enviado por correio electrónico simples sem assinatura digital ou validação cronológica e sem que tenha carreado o original aos autos no prazo legalmente concedido, de 10 dias.
G) Refere a Srª. Juiz de Instrução para sustentar a sua decisão, entre outros, o artº. 3º, nºs 4 e 6, e o artº 10º da Portaria nº 642/2004 de 16 de Junho (que erradamente, e certamente por motivos de lapso, escreveu como Portaria nº 624/2004 de 16 de Junho).
E com essa base legal, a Srª Juiz de Instrução conclui que “(…) firma-se que o envio de peças processuais via correio electrónico só pode suceder em conformidade com o legalmente definido, ou seja, com aposição de assinatura eletrónica do subscritor, para que se possa garantir que a mesma foi elaborada pelo próprio e que se junta por mandatário judicial seja uma garantia ao mandante, assistente ou arguido em processo penal.”. Seguindo também a Srª Juiz de Instrução o douto Acórdão prolatado neste Tribunal da Relação em 13/04/2021, processo nº 914/18.1T9ABF-BE.1, Relatora Maria Fernanda Palma, disponível em www.dgsi.pt.).
H) Contudo, na nossa modesta opinião, o presente caso é diferente do exposto naquele citado acórdão, não só pelas razões e factualidade elencadas na motivação do presente recurso, como também pelo facto de que in casu o requerimento de abertura de instrução para além de conter em todas as suas páginas a assinatura autógrafa da advogada, conter também em todas as páginas a assinatura da assistente, ora recorrente. Estando cumprida pois aquela alegada finalidade legal de “dar garantias aos mandantes”, que no caso concreto é a recorrente.
I) Ainda que não se encontrassem respeitados os pressupostos legais constantes da Portaria nº 642/2004 de 16/06 e consequentemente fosse aplicado o disposto no Decreto-Lei nº 28/92, de 27/02, a não entrega do RAI original pela recorrente não podia implicar pura e simplesmente a invalidade do acto processual.
J) Na verdade, dispõe o nº 3, do artº 4º do Decreto-Lei nº 28/92 de 27/02 que “os originais (…) devem ser remetidos ou entregues na secretaria judicial no prazo de sete dias (…) incorporando-se nos próprios autos.” Mas segundo o disposto no nº 5 da mesma disposição legal, o acto praticado só não aproveita à parte se “(…) apesar de notificada para exibir os originais, o não fizer, inviabilizando culposamente a incorporação nos autos ou o confronto a que alude o artigo 385º do Código Civil.”
L) Assim o dever previsto no nº 3 do artº 4º da Portaria só afectará a validade do acto processual em apreço, se e somente se, a parte depois de notificada para apresentar os originais não o fizer. O que no caso em apreço nunca aconteceu.
M) A Srª. Juiz de Instrução não estava obrigada por lei a formular o convite à recorrente para junção dos originais, mas, na nossa modesta opinião, devia tê-lo feito atento todo o processado anterior e o dever de boa-fé processual, o dever de recíproca correcção e o princípio da cooperação, cujo respeito deve pautar e orientar as relações entre os diferentes intervenientes processuais (cf. artºs 7º, 8º e 9º do Código do Processo Civil, e artº 3º do Código do Processo Penal).
N) Não podendo olvidar, igualmente, a Srª Juiz de Instrução o dever de Informação e o dever de Reciprocidade, consubstanciados nos artºs. 7º e 8º da Portaria nº 642/2004 de 16 de Junho (versão actualizada).
O) refere ainda a Srª. Juiz de Instrução no despacho que o convite para juntar os originais a existir gera “um desequilíbrio injustificado entre os interesses em conflito”. Ora, sempre ressalvando uma melhor opinião, cremos que esse desequilíbrio nem se verificaria aqui, na medida em que não há sequer ainda arguidos constituídos neste processo.
P) Alfim, é ainda de dizer que a Srª. Juiz de Instrução tem práticas contraditórias na matéria sub judice. Com efeito, após ter rejeitado liminarmente o requerimento de abertura de instrução da recorrente, a Srª. Juiz de Instrução proferiu despacho de deferimento de requerimento apresentado para constituição de assistente no âmbito de um processo judicial no qual a patrona oficiosa da recorrente é mandatária dos ali ofendidos (conforme certidão extraída do processo nº 713/19.3GCFAR, Ministério Público, Procuradoria da República da Comarca de Faro, DIAP- 1ª Secção de Faro, Doc. 2, que aqui se dá por reproduzida na íntegra para todos os legais efeitos).
Q) Este mencionado requerimento de constituição de assistente foi elaborado da exacta maneira como o foram todos requerimentos da recorrente, e também foi enviado por correio electrónico simples e pelo mesmo endereço electrónico (Doc. 2, idem); também neste requerimento não foi aposta assinatura digital ou validação cronológica, nem foi entregue o original do requerimento na secretaria do Ministério Público de Faro (Doc. 2, idem); e não obstante foi aceite pela Srª. Juiz de Instrução (Doc. 2, idem)- o que traduz uma situação de venire contra factum proprio, salvo o devido respeito por melhor opinião.
R) De sublinhar que tal despacho da Srª. Juiz de Instrução deferindo o pedido de constituição de assistente tem um intervalo de tempo de apenas 8 (oito) dias sobre a data do despacho ora em crise, sem que nesse interim tenha havido qualquer alteração legislativa quanto a esta matéria (Doc. 2, idem).
O) Foram, deste modo, violados, pela decisão em apreço, as seguintes normas jurídicas: artºs. 4º, nº 5 do DL 28/92 de 27/02; artºs 7º, 8º e 9º do Código do Processo Civil e artº 3º do
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