Acórdão nº 707/20.6T8CNT.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 24-05-2022

Data de Julgamento24 Maio 2022
Ano2022
Número Acordão707/20.6T8CNT.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO LOCAL CÍVEL DE CANTANHEDE DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA)


I - Relatório

1. AA e marido BB, residentes na ..., instauraram acção declarativa contra CC e mulher DD, residentes em ..., pedindo que seja decretada a nulidade de um determinado registo.

Alegaram, em síntese, que: autores e réus colocaram termo a um litígio judicial, respeitante aos prédios inscritos sob os arts. ...41... e ...87º, da freguesia dos ..., de que são, respectivamente, proprietários, acordando os primeiros ceder aos segundos uma faixa de terreno integrada no seu prédio, e obrigando-se estes a construir, a expensas suas, um muro novo, cuja construção só se iniciaria com a presença do autor, bem como uma vala de escoamento junto ao mesmo; porém, decorridos dois anos sobre o dito acordo, os réus não cumpriram a referida obrigação, não tendo construído o muro, pelo que consideraram a obrigação definitivamente incumprida; após, os réus remeteram apenas uma carta, juntamente com a planta de implantação do muro e o respectivo projecto de estabilidade, que se mostram conformes ao decidido, e posteriormente fizeram registar uma alteração da área do seu prédio, acrescentando-lhe uma área que pertence ao terreno dos autores, instruindo tal pedido com a referida planta de implantação; a referida planta inclui a faixa de terreno dos autores que os mesmos cederiam contra a construção do muro; como o muro não foi construído a parcela de terreno não foi cedida aos réus; os réus prestaram falsas declarações para alterarem a área do seu prédio, pois que na requisição de registo declararam que a rectificação da área se devia a erro de medição, bem sabendo que estavam a incluir no seu prédio parte do prédio dos autores; o registo assim efectuado é nulo (art. 16º, a) e b) do C. R. Predial).

Contestaram os réus, invocando, a título de excepção, falta de interesse em agir por parte dos autores e que é inepta a petição inicial. Impugnaram a matéria alegada pelos autores quanto ao incumprimento do acordo, alegando que tendo remetido àqueles a planta de implantação do muro se disponibilizaram a iniciar os trabalhos, nomeadamente a presença do autor, sem que este se dispusesse a tal. Que não tinha carácter condicional a obrigação de cedência da faixa de terreno da construção do muro, que operou os seus efeitos com a prolação da sentença homologatória do acordo entre as partes, podendo os autores executar a sentença. Por fim, pediram a condenação dos autores como litigantes de má-fé, em multa e indemnização de 2.500 €.

Os autores responderam, mantendo a sua posição, contrapondo que os réus litigam de má-fé, e pedindo a sua condenação em multa e indemnização.

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Foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e, em consequência, absolveu os RR do pedido contra si formulado, bem como julgou improcedente os pedidos mútos de condenação de ambas as partes como litigantes de má fé.

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2. Os AA recorreram, tendo formulado as seguintes conclusões:

1 - Os RR prestaram falsas declarações para alterarem a área do seu prédio, á custa de parte do prédio dos AA, pois que, na requisição do registo, os RR declararam que a retificação da área se devia a erro de medição, bem sabendo que estavam a incluir no seu prédio, parte do prédio dos AA.

2 - Com base nos factos provados no ponto 8 e 9, essencialmente, o tribunal a quo considerou que as declarações dos RR para efeito de registo, constituem um título válido pelo qual os RR fizeram registar a seu favor uma parcela da propriedade dos AA/apelantes. Isto é, segundo a douta sentença, bastaram tais declarações singulares, sem o consentimento dos AA, nem contrato ou acordo validamente celebrados, para se operar a transferência da propriedade.

3 - Como se pode ver, na parte inferior da planta de implantação que serviu de base ao registo e encontra-se junta aos autos, aquela é limitada por uma linha reta tracejada e uma linha curva continua, interrompida a meio, sendo que, a linha continua interrompida corresponde ao atual muro que ruiu a meio; a linha tracejada corresponde ao local onde deveria ser construído o muro novo.

4 - Conforme acordo celebrado, homologado por sentença, a parcela que fica delimitada pelas duas linhas (tracejada e continua) constitui a área que os AA/apelantes cediam aos apelados para construção do muro novo e duas valas.

5 - Portanto, como o registo predial teve por base as declarações do apelante e a planta referida, é evidente que houve alteração na configuração do seu prédio cuja área foi retificada, visto que, passou a abranger uma parcela (pertença dos apelantes) que antes não existia naquele. Assim, são falsas as declarações de que

não houve alteração na dita configuração do prédio em contravenção com o disposto no art. 28ºdo CRP.

6 - No caso em apreço, por efeito do registo predial deu-se a transmissão duma parcela de terreno, sem contrato válido e sem liquidação e pagamento do respetivo imposto, que era devido, conforme art. 1º, nº3, d) CIS e TGIS, 1.1.

7 - Apesar da existência dum acordo, que se presumia válido e assim foi entendido pelo tribunal a quo, os apelados não o usaram para efeito do registo predial, evitando assim o pagamento dos impostos devidos, facto que fere de nulidade o registo efetuado, pois, neste transferiu-se a propriedade de uma parcela de um imóvel, sem contrato e sem liquidação nem pagamento de imposto.

8 - Além disso, requerido o registo nas circunstâncias em que foi, baseado em falsas declarações e sem contrato válido, os apelados evitaram a controlo por parte do conservador do registo, visto que, os instrumentos pelos quais se transmitem direitos sobre prédios, não podem ser lavrados sem que se faça

referência à inscrição desses direitos em nome de quem os aliena, art. 54º, nº 2 Código do Notariado. Por esta razão também é inválido o registo efetuado pelos RR/ apelados.

9 - Apesar de tudo, a cedência da parcela de terreno a favor dos apelados não pode constituir uma doação, como aparenta ser, pois, a lei não o permite, conforme o disposto no art. 1376º CC, visto que, a parcela a ceder, tem a área total de 1.620 m2 e compõe-se de terra de semeadura e pastagem, Doc.1

10 Conforme o disposto na Portaria n.º 219/2016, de 9 de agosto, alterada pela Portaria n.º 19/2019 de 15 de janeiro, artigo 3º, a unidade cultura está definida como segue:

- A unidade de cultura a que se refere o artigo 1376.º e para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 1379.º do Código Civil, na redação atual, para Portugal continental e por NUT III nos termos do Regulamento (UE) n.º 868/2014 da Comissão, de 8 de agosto de 2014, é a constante do anexo II da presente portaria e que dela faz parte integrante.

11 - No citado Anexo II, consta que:

No Centro, Região de ..., a unidade de cultura foi fixada em hectares como segue:

- Terreno de regadio, 2,5; Terreno de sequeiro, 4 e Terreno de floresta, 4.

12 - Tendo em conta que, o terreno a fracionar tem a área de 1.620 m2, que é inferior a 4 hectares, está abrangido pela disposição do art. 1376.º CC, logo, não pode ser fracionado.

13 - Além disso, dispõe o art. 1379º, CC - São nulos os atos de fracionamento ou troca contrários ao disposto nos art.1376 e 1378 CC.

14 - Nos termos expostos, salvo melhor opinião, é nosso entender que o acordo celebrado pelas partes em litígio, deve ser entendido como um contrato de comodato, tal como previsto no art. 1129º do CC, só assim seria válido.

15 - Resulta do acordo celebrado que, a parcela de terreno a ceder, tinha por fim a construção de um novo muro e duas valas, por parte do comodatário, portanto, não poderia ser aplicá-la a fim diferente do estipulado, art. 1131º CC.

16 - Após decorrido o prazo concedido pelo comodante, o comodatário entrou em mora e de seguida em incumprimento definitivo, pelo que, o comodante perdeu o seu interesse na construção do muro e valas e considerou que fora resolvido contrato por incumprimento definitivo imputado ao comodatário.

17 - Aliás, o comodante para resolver o contrato, nem necessitava de recorrer á figura da notificação judicial avulso, como fez, para fixar um prazo para que o comodatário cumprisse, pois, bastava-lhe interpelar extrajudicialmente este, visto que, dispunha de justa causa (incumprimento do dever de construir o muro e as valas), deixando a parcela cedida tal como a recebeu, durante dois anos, conforme art. 1140º do CC.

18 - Verifica-se que, por mero erro, a redação do ponto 9 dos factos provados, está incorreta, visto que, no acordo celebrado consta que, os autores cederiam uma parcela de terreno e não o contrário.

19 - Quanto à litigância de má fé, tendo em conta as declarações que os apelados fizeram na requisição do registo predial e as suas alegações produzidas na contestação, forçosamente se conclui que, ficaram preenchidos os requisitos previstos no art. 542º do CPC, visto que, com intenção de se apropriarem de uma parcela de terrenos dos apelantes, prestaram falsas declarações quando disseram que a retificação da área do seu prédio se baseava em erro de medida, bem sabendo que, conforme planta que juntaram, era sua intenção a inclusão de uma parcela de terreno dos apelantes no seu prédio.

Nestes termos e nos demais de direito deverá dar-se provimento ao recurso, consequentemente, deverá ser

substituída a sentença proferida no...

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