Acórdão nº 70600/21.7YIPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-03-30

Ano2023
Número Acordão70600/21.7YIPRT.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

ACORDÃO NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

PROCESSO 70600/21.7YIPRT.G1

Relatora: Raquel Rego
1º Adjunto: Jorge Teixeira
2ª Adjunta: Maria Amália Santos

I – RELATÓRIO

W..., com sede em .... 19 - ..., ..., intentou contra ... – FIOS E ARTIGOS TÊXTEIS, UNIPESSOAL, L.DA, com sede em ..., ..., Portugal, procedimento de injunção em cujo requerimento peticionou a condenação desta no pagamento de €173.720,50, sendo €156.970,99 de capital, €16.193,54 de juros de mora e €403,00, a título de “outras quantias”, acrescidos de juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que, no exercício da sua atividade comercial, a ré lhe efetuou várias encomendas de fios e linhas de algodão orgânico, tituladas pelas faturas que ali se enunciam, as quais encontram-se parcialmente em dívida, no montante total de €156.970,99.
Mais alegou que os materiais foram fornecidos nas condições e nos prazos acordados nas encomendas, não tendo sido apresentada qualquer reclamação por parte da ré, mas que esta, apesar de interpelada para o efeito, não procedeu ao pagamento.

A ré deduziu oposição, invocando que a autora lhe assegurou que o fio orgânico encomendado teria a sua natureza atestada através da entidade competente, por certificados de transação emitidos no prazo de 15 dias a contar da data de entrega dos documentos à entidade certificadora.
Que tais fios foram vendidos pela ré à sua cliente F..., que cancelou a encomenda por a Autora não ter entregue tais certificados de transação a comprovar a origem do material, o que transmitiu a esta.
Que, em 16/10/2020, a autora enviou, por e-mail, o certificado quanto ao fio N..., que a Ré não aceitou em virtude de a encomenda ter sido já cancelada pelo seu cliente e a malha ter sido transformada em peças.
Tendo a Ré perdido a confiança nos fios comercializados pela Autora, devolveu-lhe o fio N... que tinha em armazém, o que aquela aceitou.
Uma vez que a cliente da Ré se recusou a ficar com a malha em cru e tingida que não estivesse cortada e, ainda, em face dos demais prejuízos reclamados pela mesma, a ré ficou credora da Autora da quantia de €155.971,65, que imputou às faturas reclamadas no presente processo, do que resulta apenas o débito de € 999,35.
Subsidiariamente, sustentou que a Autora não cumpriu a condição essencial para que a Ré tivesse comprado o fio, relativa à qualidade do mesmo, razão pela qual não está obrigada ao pagamento do preço, tendo direito a recusar o cumprimento da sua obrigação.

A autora apresentou articulado de réplica, no qual invocou que a Ré não apresentou qualquer oposição às faturas com os n.ºs ...55 e ...34, que os certificados de transação foram entregues dentro do prazo permitido pelas regras internacionais e que, para além disso, a Ré não colocou como condição a entrega num determinado prazo dos certificados de transação.
Acrescenta que, quanto à mercadoria a que corresponde a fatura n.º...66, o certificado foi entregue no dia 16/10/2020 e, quando à mercadoria a que corresponde a fatura n.º ...67, o certificado foi disponibilizado no da 13/03/2021, e apenas nessa data, na medida em que a Ré tinha comunicado que pretendia cancelar as encomendas, não tendo pretendido, a partir dessa data, a entrega do certificado de transação.
Finalmente, alegou também que realizou os procedimentos habituais com vista à obtenção dos certificados logo que reuniu os documentos para o efeito, mas que, nesse período, ocorreu uma ação de fiscalização por existência de fraude na emissão de alguns deles e que, muito embora a Autora não tenha estado envolvida nessa situação, tal repercutiu-se sobre o processo de emissão dos certificados, retardando-o, para o que ainda contribuiu os constrangimentos impostos pela pandemia provocada pela doença Covid-19.

O processo seguiu os seus termos, vindo a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora:
i) €135.033,49, acrescida de juros, à taxa legal aplicável às transações comerciais, até integral pagamento:
- Sobre o montante de € 34.433,41, desde 10/11/2020;
- Sobre o montante de € 46.410,00, desde 01/12/2020;
- Sobre o montante de € 54.190,08, desde 20/12/2020;
ii) €40,00 a título de despesas administrativas de cobrança.

Inconformada, apelou a ré, em cujas alegações concluiu nos seguintes termos:
1 – O contrato celebrado entre a Recorrida e a Recorrente não pode que qualificado como um contrato de fornecimento;
2 – A Recorrente e Recorrida são sociedades comerciais que se dedicam à compra e venda de fios têxteis, sendo o contrato celebrado entre elas para a compra do fio um contrato de natureza subjetiva e objetivamente comercial, celebrado por empresas comerciais, no âmbito da sua atividade comercial, destinando a Recorrente o fio a revenda.
3 – A Recorrente comprou à Recorrida 19.500 Kg de fio N..., 100% orgânico e 19.500 Kgs de fio N..., 100% orgânico para revender.
4 – O fio tinha de ter o certificado de transação (certificação GOTS) para ser comercializado como fio orgânico;
5 – Foi condição essencial para a compra do fio pela Recorrente que o fio tivesse certificação GOTS, que lhe confere a qualidade de fio orgânico;
6 – A Recorrente vendeu em 1 de setembro de 2020 vendeu 7000 Kgs de fio N... e no dia 2 de setembro de 2020 vendeu 12.000 Kgs à F..., sua cliente, para fazer malha destinada à confeção de peças de vestuário.
7 – O fio comprado A Recorrente e a Recorrida no exercício da sua atividade industrial e comercial declararam comprar (Recorrente) e vender (Recorrida) fio 100% orgânico, com o respetivo certificado de transação, destinado a revenda;
8 – A Recorrida assegurou à Recorrente que o fio que lhe forneceu teria a certificação GOTS;
9 - A certificação GOTS garante o estatuto de têxtil orgânico desde a colheita da matéria prima, passando por uma produção ambiental e socialmente responsável até à rotulagem;
10 - As empresas certificadas que compram fibras orgânicas ou produtos têxteis intermédios ou acabados com certificado GOTS têm de receber e manter o respetivo “certificado de transação (TC) para têxteis processados de acordo com o GOTS”, certificado que é emitido para a quantidade total de fio comprada.
11 - As empresas que comercializam fios orgânicos são auditadas anualmente por empresas aprovadas pela I... (...) para verificação do cumprimento das normas GOTS;
12 - A norma GOTS impõe que para cada transação de fio orgânico seja emitido um certificado de transação pela empresa certificadora aprovada;
13 - Cada interveniente na cadeia tem de solicitar a emissão de um certificado de transação de transação que é emitido pela empresa certificadora no prazo de 15 dias após receber o pedido por uma organização certificada que é instruído com o documento de embarque e com a fatura;
14 – A fatura referente à compra efetuada pela Recorrente à Recorrida do fio N... em 29/04/2020 tem a data de 19/08/2020 e a fatura do fio N... do fio comprado em 30/06/2020 tem a data de 26/08/2020;
15 – A Recorrida não entregou à Ré os certificados de transação na data da entrega do fio referentes às faturas números ...67 e ...66;
16 – Para a emissão dos certificados de transação é necessário as faturas e do documento de embarque;
17 – A Recorrida tinha desde 19 de agosto de 2020, data da fatura ...67 e de 26 de agosto de 2020, data da fatura ...66 e dos documentos de embarque do fio com data de 2 de agosto de 2020 e 10 de agosto de agosto de 2020;
18 - A Recorrida na data da emissão das faturas tinha na sua posse os documentos de embarque do fio, condição necessária para solicitar a emissão dos certificados de transação;
19 - A Recorrida ao não pedir os certificados impediu que os demais intervenientes na cadeia pudessem solicitar os certificados de transação;
20 – Por não ter os certificado de transação a Recorrente não solicitou o certificado para a F... e esta para a sua cliente, o que levou ao cancelamento da encomenda por parte da F...;
21- Após o cancelamento da encomenda pela F... a Recorrente cancelou a encomenda do fio junto da Recorrida, mas antes de a cancelar contactou-a nos dias 1, 14, 15 e 21 de setembro de 2020 para lhe enviar os certificados;
22 - A Recorrida tinha obrigação entregar à Recorrente os documentos relativos aos fios, nos termos do nº 2 do artigo 882º do Código Civil, de forma que a Recorrente pudesse “fruir plenamente do direito” e, ao não fazer incumpriu a sua obrigação;
23 - A não entrega dos certificados de transação configura um defeito surgido depois da celebração do contrato de compra e venda do fio e da sua entrega à Recorrente, que leva ao cumprimento defeituoso do contrato imputável à Recorrida;
24 - A Recorrida assegurou à Recorrente que o fio tinha a certificação GOTS, condição essencial para a compra do fio;
25 – A Recorrida sabia a certificação GOTS era um requisito essencial para compra do fio;
26 - O não cumprimento da condição imposta pela Recorrente para a celebração do contrato de compra e venda do fio, existência do certificado de transação, configura um cumprimento defeituoso da obrigação assumida pela Recorrida que lhe é imputável;
27 - O fio objeto do contrato carece das qualidades asseguradas/documentos relativos (certificados de transação) e indispensáveis para a realização do fim a que se destinava - produção de malha para a confeção de vestuário com fio orgânico;
28 – O fio vendido pela Recorrida à Recorrente não podia ser comercializado como fio orgânico, por falta de certificado de transação, o que violou a obrigação assumida pela Recorrida;
29 - A conduta da Recorrida ao não entregar os certificados de transação, tendo na sua posse os documentos as faturas e documentos de embarque, tem de ser qualificada como cumprimento defeituoso da obrigação;
30 - A venda de coisa defeituosa verifica-se sempre que na transmissão da propriedade de uma coisa,...

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