Acórdão nº 7037/22.7T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2024-01-18

Data de Julgamento18 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão7037/22.7T8GMR.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

RELATÓRIO

AA veio propor contra BB e CC ação declarativa, com processo comum.

Formulou os seguintes pedidos quanto ao imóvel e móveis que identifica na petição inicial:

a)- Ordenar que se proceda, ao abrigo do disposto nos artigos 2º, 3º, 8ºA e 8º-B, Nº 3 al. a), todos do Código de Registo Predial, ao registo da presente ação junto da competente Conservatória do Registo Predial;
b)- Declarar-se o reconhecimento pelos Réus do Autor como herdeiro e Cabeça de Casal da herança aberta por óbito da falecida irmã D. DD;
c)- Ser declarado nulo e de nenhum efeito o contrato de compra e venda com reserva do usufruto constantes do documento particular e o termo de autenticação (junto doc. Nº ...5) outorgado perante a Solicitadora EE e no escritório desta, em .../.../2020, através do qual a falecida D. DD declarou vender, com reserva do usufruto, ao 1º Réu e este declarou comprar a nua propriedade do antecedentemente identificado prédio urbano e, bem assim, de todas as declarações de vontade imputadas à falecida D. DD naquele documento;
d)- Ou, subsidiariamente, todas as declarações contratuais vertidas no supra referido contrato serem anuladas em virtude de erro na declaração por parte da falecida D. DD ou de erro essencial, reserva mental e/ou dolo parte dos Réus;
e)- Em qualquer dos casos, ordenar-se a restituição à herança aberta por óbito de DD do supra identificado prédio urbano e de todos os bens móveis elencados no artigo 51º da petição inicial;
f)- Ordenar-se o cancelamento das inscrições e averbamentos dos registos correspondentes e dos que posteriormente fossem efetuados pelos Réus na sequência do documento particular autenticado junto como doc. Nº ...5 ou que deles dependam, nomeadamente, e entre outros, o cancelamento das inscrições e averbamentos dos registos constantes da Apresentação Nº ...68 de 2020/09/15 de aquisição a favor do 1º Réu marido e das Apresentações referentes à reserva do usufruto a favor de DD e do respetivo cancelamento;
g)- Ordena-se a repristinação ao registo predial da descrição urbana Nº ...52 da freguesia ..., concelho ..., do registo de aquisição a favor de DD efetuado através da Ap. ...8 de 2003/08/14;
h)- Caso assim se não entenda, o que se não concede e por mera hipótese se acautela, subsidiariamente serem os Réus condenados a pagar e a restituír à herança aberta por óbito de DD:
h.1)- O montante de € 39.534,25 (trinta e nove mil quinhentos e trinta e quatro euros e vinte e cinco cêntimos) a título do preço contratualizado e não pago pelos Réus na sequência da outorga perante a Solicitadora EE em .../.../2020 do contrato de compra e venda com reserva do usufruto (doc. Nº ...5);
h.2)- Os juros de mora à taxa legal de 4% sobre a supra peticionada quantia de € 39.534,25, contados desde o dia .../.../2020 e vincendos até integral pagamentos, sendo que os juros de mora vencidos ascendem, neste momento, ao montante de € 3.743,30 (três mil setecentos e quarenta e três euros e trinta cêntimos);
h.3)- Os bens móveis melhor identificados no artigo 51º da petição inicial ou, subsidiariamente, procederem ao pagamento do montante de € 10.500,00 (dez mil e quinhentos euros),
i)- Tudo com as legais consequências.

Como fundamento dos seus pedidos alegou, em síntese, que DD faleceu e deixou como herdeiros os seus sete irmãos, sendo um deles o autor, ao qual compete o exercício das funções de cabeça de casal e a administração da herança, que ainda se encontra indivisa.
A falecida DD assinou um documento particular autenticado no qual declarou vender aos réus, com reserva de usufruto, um prédio urbano de que era proprietária, pelo valor de € 39.534,25.
Porém, DD assinou esse documento porque o réu a induziu em erro e a enganou, fazendo-a acreditar que apenas estaria a transmitir aos réus a propriedade de uma pequena parcela de terreno do prédio urbano, onde se localiza um poço e constituída por parcos metros quadrados, não tendo efetivo conhecimento do conteúdo do documento, das consequências decorrentes da sua assinatura e do negócio jurídico nele espelhado.
DD não tinha quer a consciência da declaração quer da vontade de transmitir aos réus a nua propriedade de parte ou da totalidade do prédio e de reservar para si apenas o usufruto e também nunca teve a consciência da declaração ou da vontade de receber dos réus o preço que consta no documento particular autenticado, o qual, aliás, nunca lhe foi pago.
A declaração de vontade de DD contida no contrato de compra e venda com reserva de usufruto não corresponde, nem nunca correspondeu, à sua vontade real, por ter sido determinada com recurso a erro, dolo e/ou reserva mental por parte dos réus, declarações de vontade que, por isso, são nulas e de nenhum efeito.
Por outro lado, para além de a falecida DD não ter recebido o preço da venda do prédio urbano, no valor de € 39.534,25, os réus impediram ainda que o autor e demais herdeiros retirassem do imóvel diversos bens móveis que pertenciam à falecida, os quais têm valor global não inferior a € 10 500,00.
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Os réus contestaram invocando, na parte que releva para o presente recurso, a ilegitimidade ativa do autor porquanto o mesmo não é o cabeça de casal da herança indivisa aberta por óbito de DD, sendo apenas um dos herdeiros.
Por outro lado, mesmo que o autor fosse o cabeça de casal, ainda assim não poderia intentar sozinho uma ação em que é pedida a anulação/nulidade de um contrato celebrado pela falecida e relativo a um bem imóvel de que a mesma era proprietária, tendo tal ação que ser proposta por todos os herdeiros.
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O autor pronunciou-se sobre a exceção de ilegitimidade ativa invocada pelos réus, defendendo que lhe compete o exercício do cargo de cabeça de casal e que a situação dos presentes autos se enquadra no artigo 2088º do CC, pois está em causa a restituição à herança de um bem imóvel cuja propriedade foi transmitida ilegitimamente e se encontra registada em nome dos réus e cuja posse os mesmos negam restituir à herança da falecida DD.
Por outro lado, o art. 2078º, nº 1, do CC, prevê que, sendo vários os herdeiros, qualquer um tem legitimidade para pedir separadamente a totalidade dos bens em poder do demandado, sem que este possa opor-lhe que tais bens lhe não pertencem por inteiro.
Assim, conclui que possui legitimidade ativa para intentar a ação, sem necessidade de intervenção dos restantes herdeiros.
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Foi proferido despacho que, além do mais, dispensou a realização da audiência prévia, fixou à ação o valor de € 96.787,52 e julgou procedente a exceção de ilegitimidade ativa de AA, por preterição de litisconsórcio necessário, absolvendo os réus da instância.
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O autor não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

“1ª- Independentemente do respeito - que é muito e que o mesmo lhe merece – não pode o Recorrente conformar-se com o despacho proferido pelo Exmo. Tribunal a quo, que, julgando procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa do Autor, por preterição do litisconsórcio necessário, absolveu os Réus da presente instância declarativa;
2ª- Entendendo o Apelante que, na prolação da mui douta sentença recorrida, foi incorretamente efetuada a aplicação e interpretação da lei, nomeadamente, entre outras, as normas legais que disciplinam a legitimidade processual, as ações de petição de herança e de reivindicação e o poder-dever de gestão processual;
3ª- Intentada a ação em crise nos autos apenas pelo Recorrente, nas invocadas qualidades de herdeiro e de Cabeça de casal da herança aberta pela saudosa DD, a presente instância não padece da apontada exceção ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário;
4ª- Em matéria do exercício dos direitos relativos à herança, estabelece o Nº 1 do artigo 2091º do Código Civil o critério supletivo legal de litisconsórcio necessário e segundo o qual, fora dos casos declarados nos artigos anteriores e sem prejuízo do disposto no artigo 2078º, aqueles direitos só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros;
5ª- Contudo, existem casos expressamente assinalados na lei em que se prevê a possibilidade de um único herdeiro ou o cabeça de casal possa litigar desacompanhados dos demais herdeiros, designadamente e entre outros, os artigos 2075º e 2078º e, ainda, 2088º e 2089º, todos do Código Civil, conferindo legitimidade, respetivamente, ao herdeiro e ao cabeça de casal para propor e fazer seguir a instância sem a presença em juízo dos demais herdeiros;
6ª- Como doutrinal e jurisprudencialmente se tem afirmado, atenta a grande semelhança entre a ação de petição da herança e a ação de reivindicação, a nota distintiva entre estes dois tipos de ação reside nos respetivos pedidos principais: enquanto na ação de petição de herança a pretensão principal reside no reconhecimento da qualidade sucessória do Autor, por sua vez a ação de reivindicação sustenta-se fundamentalmente no reconhecimento do invocado direito de propriedade;
7ª- Como refere Rodrigues Bastos, a ação de petição da herança “é a acção por meio da qual aquele que pretende ser chamado a uma herança reclama o reconhecimento da sua qualidade de herdeiro” e como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, o fundamental na petição da herança é “o fim duplo que a lei visa; por um lado, o reconhecimento judicial do título ou estatuto (de herdeiro) que o autor se arroga; por outro, a integração dos bens que o demandado possui no activo da herança ou da fracção hereditária pertencente ao herdeiro”;
8ª- Tendo em conta a configuração que legal, doutrinal e jurisprudencialmente vem sendo desenhada, a procedência da ação de petição da herança depende da verificação de três requisitos: i)- O reconhecimento judicial do Autor como herdeiro; ii)- O bem cuja restituição se peticiona pertença à herança, e iii)- A posse...

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