Acórdão nº 702/19.8BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 23-02-2023

Data de Julgamento23 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão702/19.8BELRA
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
P…, devidamente identificado como requerente nos autos de outros processos cautelares, instaurados contra o Município de Santarém, inconformado, veio em 21.6.2022 interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 3.6.2022 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que indeferiu a providência requerida, absolvendo a Entidade requerida do peticionado [a suspensão da eficácia do despacho nº 87/P/2019, de 11.4.2019, do presidente da Câmara Municipal de Santarém, que ordenou a entrega da parcela de terreno, com a área de 209 210 m2, destacada do prédio rústico sito na Quinta de S…, nas Ó…, Santarém, com todas as consequências legais].
No requerimento indica que o recurso tem efeito suspensivo e nas respectivas alegações a Recorrente formula as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«1 - O mandatário da Requerente comunicou em 06.06.2022 (cf. rfª 005504538), o seu impedimento para comparecer na audiência de discussão e julgamento designada para o anterior dia 02.06.2022, dando assim cumprimento ao disposto no artº 151º, nº 5, do CPC, comprovando documentalmente não só essa impossibilidade para estar presente mas também a incapacidade de comunicar ao tribunal a ausência.
2 - A Meritíssima Juiz a quo, invocando a norma do nº 1 do artº 613º do CPC, decidiu no sentido de que “não se reconduzindo o que vem peticionado à nulidade da sentença, pedido de reforma ou rectificação, o poder jurisdicional deste Tribunal mostra-se esgotado, encontrando-se impedido de emitir qualquer pronúncia quanto ao que vem requerido” (cf. despacho de 07.06.2022, rfª 005505044).
3 - A Associação Recorrente arguiu a nulidade deste douto despacho e, ainda, a nulidade do acto de realização da audiência de discussão e julgamento, da respectiva acta e da sentença, (cf. req. de 08.06.2022, rfª 005505811), aguardando-se pronúncia do tribunal quanto a esta matéria.
4 – Com efeito, é nulo o acto de realização da audiência de discussão e julgamento, a respectiva acta e a sentença – se entretanto proferida -, nos casos, como o dos autos, em que foi invocado e comprovado o justo impedimento do mandatário de uma das partes e alegada, ainda, a impossibilidade de comunicar esse impedimento ao tribunal antes da audiência ou contemporaneamente.
5 - Esta solução é imposta pelas normas conjugadas do nº 1 do artº 11º e do artº 35º, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e do artº 40º, dos nºs 1 e 2 do artº 140º, dos nºs 1 e 2 do artº 195º e dos nºs 1 e 3 do artº 603º, todos do Código de Processo Civil, ex-vi do artº 1º do CPTA.
6 – Termos em que deve ser decretada a nulidade do acto de realização da audiência de discussão e julgamento, da respectiva acta e da douta sentença, sob pena de violação destas disposições legais.
7 - Acresce que aquelas supracitadas normas são inconstitucionais, por violação do disposto no artº 20º, nºs 1 e 2, da Lei Fundamental, se interpretadas conjugadamente no sentido de que em sede de processo cautelar administrativo o acto de realização da audiência de discussão e julgamento, entretanto realizada, não deve ser decretado nulo, anulando-se, também, a respectiva acta, e declarada nula a sentença, se entretanto proferida, nos casos em que se comprove o justo impedimento do mandatário de uma das partes comparecer na audiência e comunicar ao tribunal essa impossibilidade até ao início do julgamento.
Nesta conformidade, julgando procedente o presente recurso, decretando nulo o acto de realização da audiência de discussão e julgamento, a respectiva acta e a douta sentença, farão Vªs Exªs, Venerandos Juízes Desembargadores, uma vez mais, JUSTIÇA!

Em 8.7.2022, a Requerente interpôs recurso jurisdicional do despacho do juiz a quo de 22.6.2022 [que decidiu: “(…) o Tribunal fica necessariamente impedido de emitir, naquela sede, qualquer pronúncia de mérito sobre a verificação do justo impedimento, nulidade da sentença e repetição da diligência de inquirição de testemunhas, pelo que inexiste qualquer nulidade por omissão de pronúncia, mantendo-se integralmente o despacho proferido.”], com efeito suspensivo, formulando as seguintes conclusões:
«1 – No requerimento que apresentou em Juízo em 08.06.2022 (rfª 005505811), a Recorrente arguiu de nulo o acto de realização da audiência final – porque concretizado sem a presença do seu mandatário, impedido que estava de comparecer e de comunicar esse impedimento ao tribunal, tal qual ele veio alegar nos autos, juntando prova, no requerimento de 06.06.2022 -, da respectiva acta e da douta sentença;
2 – O douto despacho recorrido, proferido em 22.06.2022 (rfª 005512038) não apreciou as sobreditas nulidades invocadas pela Recorrente, razão pela qual se mostra insanavelmente nulo por omissão de pronúncia, à face do disposto no artº 615º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil.
Termos em que, revogando o douto despacho recorrido e ordenando a baixa do processo para que seja sanada a identificada nulidade, farão Vªs Exªs, venerandos Juízes Desembargadores, uma vez mais
JUSTIÇA!».

O Recorrido contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade do/s recurso/s por coexistirem dois recursos com o mesmo objecto e pela improcedência do primeiro recurso, sem formular conclusões.

Em 14.7.2022, o juiz a quo proferiu despacho de admissão do recurso e sustentou a sentença proferida quanto à nulidade arguida.

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, não emitiu parecer.

Já depois da subida a este TCA, o Recorrido contra-alegou, pugnando em termos idênticos aos das primeiras contra-alegações, sem formular conclusões.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), o processo vem à Conferência para julgamento.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consistem no que respeita ao recurso de 21.6.2022, no essencial, em saber se:
- ocorre a nulidade do acto de audiência de julgamento, sem a presença da respectivo mandatário por justo impedimento, e consequentemente, da respectiva acta e da sentença cautelar proferida, devendo ser designada nova audiência sob pena de violação das normas conjugadas do nº 1 do artigo 11º e do artigo 35º, CPTA, e dos artigos 40º, 140º, nºs 1 e 2, 195º, nºs 1 e 603º, nºs 1 e 3, todos do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA;
- se estas normas [e a do artigo 118º, nº 6 do CPTA] são inconstitucionais, por violação do artigo 20º, nº 1 da CRP, se interpretadas no sentido de que, em sede de processo cautelar administrativo, a audiência de julgamento realizada não deve ser dada sem efeito, nem os actos subsequentes praticados, nos casos em que se comprove o justo impedimento do mandatário em comparecer àquela e de o comunicar ao tribunal esse impossibilidade até ao início do julgamento.

As questões suscitadas pela Recorrente no recurso de 8.7.2022, consistem, no essencial, em saber se o despacho recorrido, de 22.6.2022, não apreciou as nulidades por si arguidas quanto ao acto de realização da audiência final, sem a presença do seu mandatário por justo impedimento, tal como este alegou e juntou prova, pelo que se mostra o mesmo nulo por omissão de pronúncia, à face do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC.

A título prévio importará apreciar da alegada inadmissibilidade dos recursos pelo Recorrido, por versarem sobre o mesmo objecto.

E, caso assim não seja, se, como indica a Recorrente, o efeito dos recursos é suspensivo.

A matéria de facto relevante não é a que consta da sentença [apesar do que, por não ter sido impugnada aqui se dá a mesma por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 6 do artigo 663º do CPC, ex vi o nº 3 do artigo 140º do CPTA], mas a que resulta do circunstancialismo processual que se passa a enunciar, com remissão para as correspondentes fls. do SITAF e cujo teor aqui se dá, desde já, por integralmente reproduzido:

1. Por despacho de 6.5.2022 o juiz a quo designou data para inquirição das testemunhas arroladas, com o seguinte teor:
«Designo o dia 26 de Maio pelas 09h30 para inquirição das testemunhas arroladas pelas partes, para os efeitos do disposto no artigo 118.º, n.º 3, do CPTA, recordando-se as partes que as testemunhas deverão ser por si apresentadas, e que a falta da(s) testemunha(s) ou do(s) mandatário(s) não determina o adiamento da diligência (artigo 118.º, n.º 6, do CPTA).

*
Dê cumprimento ao disposto no artigo 151.º do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPTA.»
- cfr. fls. 1273;

2. Por ofícios de 6.5.2022, os Mandatários das partes foram notificados do despacho que antecede, via electrónica - cfr. fls. 1275 e 1276;

3. Na sequência de requerimento do Requerido para o efeito e com o acordo da Requerente, foi proferido despacho em 9.5.2022, alterando a data da inquirição para o dia 2.6.2022 - cfr. fls. 1296;

4. Por ofícios de 9.5.2022, os Mandatários das partes foram notificados, por via electrónica, do despacho que antecede - cfr. fls. 1297 e 1298;

5. Em 2.6.2022, pelas 9h30m e até às 11h47m, foi realizada a audiência de inquirição das testemunhas arroladas, extraindo-se da respectiva acta, designadamente, que: após uma espera de 30 minutos para comparência de todos os intervenientes, verificou-se que não se encontravam presentes o Ilustre Mandatário da Requerente, o Dr. Oliveira Domingos, bem como as quatro testemunhas arroladas por esta e duas das testemunhas do Requerido; os depoimentos destas duas testemunhas foram prescindidos; na sequência de um pedido de esclarecimentos dos Ilustres Mandatários do Recorrido, o juiz a quo proferiu o seguinte despacho:Nos termos do...

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