Acórdão nº 696/22.2T8PTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29-02-2024

Data de Julgamento29 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão696/22.2T8PTL.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães
Acórdão
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

.I - Relatório

Recorrente e Autora: EMP01... LDA.”,
Recorridas e Rés:ADEGA COOPERATIVA DE EMP02... LIMITADA, 2ª AA e
3ª EMP03..., LDA
Apelação em ação declarativa com forma de processo comum

-- A Recorrente pediu que se profira sentença pela qual se venha a:
a) Anular-se, declarar-se nula ou ineficaz a admissão da 3ª Ré como cooperadora da 1ª Ré cooperativa, cancelando-se a respetiva inscrição como cooperadora;
b) Subsidiariamente em relação ao pedido formulado na alínea a), para o caso de a aquisição da qualidade de cooperadora ter resultado da transmissão de títulos de capital, anular-se, declarar-se nula ou ineficaz a autorização de transmissão de títulos de capital para a 3ª Ré cancelando-se a respetiva inscrição como cooperadora;
c) declarar-se que a 2ª Ré tinha conhecimento, aquando da admissão da 3ª Ré que a mesma desenvolvia atividade concorrente com a 1ª Ré, designadamente através da comercialização de vinho verde.
d) Subsidiariamente em relação ao pedido formulado na alínea c), para o caso de a aquisição da qualidade de cooperadora ter resultado da transmissão de títulos de capital, declarar-se que a 2ª Ré tinha conhecimento, aquando da autorização de transmissão de títulos de capital para a 3ª Ré que a mesma desenvolvia atividade concorrente com a 1ª Ré, designadamente através da comercialização de vinho verde;
e) declarar-se que a 2ª Ré tem conhecimento que a 3ª Ré continua a desenvolver, até à presente data, atividade concorrente com a 1ª Ré, designadamente através da comercialização de vinho verde sob a marca ..., sem que tenha tomado qualquer iniciativa disciplinar com vista ao sancionamento deste comportamento.
Alegou, para tanto e em síntese, que a 2ª Ré desenvolve atividade de produção e comercialização de vinho em todas as suas fases, comercializando-o desde 2021, pretensão que nunca escondeu; estatutariamente não podia ser admitida como cooperadora, como ocorreu em 2020, porque exerce uma atividade concorrente com a que é exercida pela 1ª Ré Cooperativa.
-- Foram apresentadas contestações em que, além da impugnação dos factos, se defendeu que a Autora recorreu indevidamente a Tribunal, preterindo o recurso interno obrigatório a que, como cooperador está obrigado, nos termos do Código Cooperativo, para a Assembleia Geral da Ré, o que constitui uma exceção dilatória inominada que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e conducente à absolvição da instância.
Foi proferido despacho que convidou as partes a pronunciarem-se sobre o conhecimento imediato do mérito com base na inexistência de decisão da Assembleia Geral da Ré sobre a questão objeto do pedido, que a Autora aproveitou, afirmando, em súmula, que não está em causa a admissão da 3ª Ré como cooperadora, mas a transmissão da posição da sócio, pelo que só será possível recorrer ao regime dos artigos 19º, nº 3 e 38º, alínea K), ambos do Código Cooperativo por via da aplicação analógica. Mais defendeu que o entendimento perfilhado no despacho conduz no caso concreto, à supressão dos direitos do cooperador, porque não teve conhecimento informação sobre a matéria, bem como invocou que nada na letra da Lei permite concluir que se esteja perante uma espécie de recurso hierárquico necessário.
Foi proferida sentença na qual se decidiu julgar-se a ação manifestamente improcedente, absolvendo-se os réus dos pedidos deduzidos em a) e b) e todos os réus da instância quanto aos demais pedidos formulados, por falta de interesse em agir.

É deste saneador-sentença que a exequente apela, formulando, para tanto, as seguintes
conclusões:

“1ª – A sentença recorrida dá por adquirido que, por força do disposto no número 3 do artigo 19º do CC, quando esteja em causa a decisão de admissão, recusa ou transmissão de posição de cooperador, é necessário interpor previamente recurso para a assembleia geral, para, só depois, ser possível recorrer à via judicial.
2ª – Este preceito limita-se a estipular que a “decisão sobre requerimento de admissão é suscetível de recurso para a primeira Assembleia Geral subsequente”, pelo que a letra da Lei não permite concluir que se esteja perante uma espécie de recurso hierárquico necessário.
3ª – é entendimento unânime do Supremo Tribunal de Justiça, ainda que a propósito do art.º 412º do CSC, que “o princípio geral da admissibilidade do recurso a juízo para defender os seus direitos, integrado no direito constitucional de acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos interesses legalmente protegidos estabelecido no artigo 20º da Constituição da República portuguesa exige a admissão de recurso directo à via judicial neste tipo de situações.
4ª – Também a doutrina perfilha a tese da admissibilidade “do recurso directo ao Tribunal para pedir a declaração de nulidade ou anulação de deliberação do conselho de administração independentemente dos recursos previstos no artigo 412º ou em simultâneo com estes.
5ª – Na presente ação está em causa a transmissão da posição e não a admissão de um cooperador, tendo a sentença recorrida considerado que o regime aplicável a estas situações é idêntico.
5ª – Analisando regime constante do Código Cooperativo verifica-se que assim não acontece.
6ª – Assim, o nº 2 do art.º 19º do CC estabelece que “a admissão é decidida e comunicada ao candidato no prazo fixado nos estatutos, ou supletivamente no prazo máximo de 180 dias, devendo a decisão, em caso de recusa, ser fundamentada”.
7ª – Diversamente, o nº 2 do art.º 86º determina nos casos de transmissão, que a recusa ou concessão de autorização ser comunicada ao cooperador, no prazo máximo de 60 dias a contar do pedido, sob pena de essa transmissão se tornar válida e eficaz. 8ª – Há, assim, uma manifesta diferença de regimes no que toca ao prazo de resposta do conselho de administração – 180 e 60 dias respectivamente - e às consequências do seu silêncio, uma vez que no caso de transmissão é possível que a autorização seja concedida de forma tácita por via do silêncio do conselho de administração.
9ª – Para além disso, a recusa tem que ser fundamentada no caso da admissão, o que não é exigido no caso da transmissão.
10ª - Por outro lado, o número 3 do art.º 19º do CC apenas estabelece a susceptibilidade do recurso nos casos de admissão e já não de transmissão de posição.
11ª - Coerentemente com este regime a alínea k) do art.º 38º atribui à assembleia geral a competência para “funcionar como instância de recurso, quanto à admissão ou recusa de novos membros”, não prevendo tal competência para os casos de transmissão ou recusa de transmissão.
12ª - Esta diferença de regimes não surge por acaso ou por esquecimento do legislador que alterou substancialmente, nos termos expostos nas conclusões 6ª a 11ª, o regime de admissão e transmissão de posição que estava previsto no código anterior (Lei nº 1/96, de 7 de Setembro), tendo mantido o regime que estabelecia a possibilidade de recurso apenas nos casos de admissão ou recusa da mesma.
13ª – O recurso à aplicação analógica da norma da alínea K) do art.º 38º está vedado atento o seu carácter excepcional e a interpretação extensiva da mesma “pressupõe que dada a hipótese, não estando compreendida na letra da lei, o está todavia no seu espírito, o que é expressamente excluído pela forma desenvolvida e autonomizada como o actual Código passou a tratar as situações de admissão e transmissão de posição.
14ª – Mesmo admitindo que o art.º 19º, nº 3 do Código Cooperativo fosse aplicável aos casos de transmissão da posição, a verdade é que este preceito determina que o recurso deve ser interposto para a primeira assembleia geral subsequente. 15ª – Tendo transmissão da posição sido autorizada em reunião da administração da Apelada adega realizada em 4 de novembro de 2020, assembleia subsequente realizou-se no dia 26 de Junho de 2021, tendo por objeto, entre outras coisas, a aprovação do plano de atividades para 2021 e do relatório e contas relativos a
15ª – Destes dois documentos apenas o relatório fez referência a que “durante o ano de 2020 verificou-se a admissão de três novos associados” sendo totalmente omissos sobre a ocorrência de qualquer transmissão de títulos de capital, nomeadamente para a Ré EMP03....
16ª – Para que um cooperador possa interpor recurso é indispensável que, antes da realização da assembleia subsequente, tenha conhecimento da existência da transmissão.
17ª – De outro modo, estaria encontrada a forma de o conselho administração admitir cooperadores de forma ilegal, inviabilizando qualquer hipótese de reacção por parte dos demais cooperadores, pelo que nunca o regime da alínea K) do art.º 19º poderia ter aplicação no caso concreto.
18ª – Na sentença recorrida refere-se que a Apelante poderia ter suscitado a convocação da assembleia, “se necessário também pela via judicial”.
19ª – O nº do art.º 651º do Código de Processo Civil permite às partes juntar documentos com as alegações quando a junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
20ª – Ora, se a sentença recorrida tivesse avaliado a matéria em discussão com um mínimo de profundidade as questões a seguir enunciadas teriam sido apreciadas com o concomitante reflexo na decisão proferida.
21ª – O número 3 do artigo 23º dos estatutos da Apelada Adega estabelece que a...

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