Acórdão nº 695/22.4T8VVD-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23-11-2023
Data de Julgamento | 23 Novembro 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 695/22.4T8VVD-A.G1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
I - RELATÓRIO
AA e BB, reclamaram da relação de bens apresentada pela cabeça de casal nos seguintes termos:
«III – DOS BENS EM FALTA
(…)
11.º Assim como devem existir outras que não estejam em seu nome mas que lhe pertence a meação, porquanto era casado com a cabeça-de-casal desde 26/02/2020 a 28/06/2021.
12.º Posto isto, também as contas bancárias que constem em nome da cabeça de-casal pertencem à herança, porquanto deve ser feita a partilha do património comum do casal – pelo que desde já se requer a cumulação de inventários.
13.º O salário e todos rendimentos auferidos pelos cônjuges durante a constância do casamento são bens comuns.
14.º Pelo que deve igualmente ser relacionado as contas bancárias em nome da cabeça-de-casal - requer-se a V. Exª se digne oficiar junto do Banco de Portugal para que venha informar aos autos o mapa de contas da cabeça-de- casal caso não o faça livremente. (…).»
Apresentaram ainda o requerimento de refª ...34, em que vieram requerer a junção da sentença e ata de audiência de discussão e julgamento, onde consta a transação celebrada, referente a um acidente de viação sofrido pelo inventariado.
Sobre estes requerimentos recaiu o seguinte despacho:
«(…)Vai indeferida a cumulação de inventários requerida no artigo 12º da reclamação à relação de bens, por carecer em absoluto de fundamento legal;
• Vai indeferida a diligência requerida junto do Banco de Portugal para informar acerca do mapa de contas tituladas pela cabeça-de-casal, por manifestamente irrelevante para a boa decisão da causa e descoberta da verdade material, uma vez que aqueles saldos bancários não integram o acervo hereditário a partilhar, mas somente os saldos existentes nas contas tituladas ou co-tituladas pelo inventariado à data do óbito;
o Assim, determina-se oficiosamente, ao abrigo do disposto no art. 411.º do CPC, que se oficie ao Banco de Portugal, para, igualmente ao abrigo do dever de colaboração, vir aos autos informar acerca da existência de contas à ordem e a prazo, instrumentos financeiros e demais ativos ali relacionados, bem como todas as contas/ bancos e aplicações financeiras em nome do inventariado, reportadas à data do óbito do mesmo; (…)
Por requerimento de refª ...34, os requerentes vieram ainda requerer a junção aos autos da sentença e acta de audiência de discussão e julgamento, onde consta a transacção celebrada, referente a um acidente de viação sofrido pelo inventariado.
Ora, como tem vindo a ser sustentado maioritariamente pela jurisprudência, com a entrada em vigor da Lei no 117/2019 de 13 de Setembro, a reclamação contra a relação de bens já não constitui um incidente do processo de inventário, inserindo-se na marcha regular do processo em causa; assim, não obstante a indicação das provas dever ser feita com os requerimentos e respostas, nos casos em que o processo comporte uma fase instrutória, com a designação de data para inquirição das testemunhas arroladas pelos interessados, a apresentação dos documentos pode ser efetuada até vinte dias antes da data em que se realize tal inquirição, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 423.º do CPC – cf. a titulo de exemplo, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 12.01.2023, processo n.º 487/21.8T8VCT-A.G1, in www.dgsi.pt.
Nestes termos, atento o legalmente disposto no n.º 2 do art. 423.º do CPC, admite-se a junção aos autos do documento ora apresentado (acta de audiência final com transacção celebrada no processo n.º 4617/18...., que correu termos no Juízo Central Cível ... – Juiz ...), porque tempestivo.
Não obstante o supra exposto, uma vez que os requerentes não lograram demonstrar que não puderam apresentar os referidos documentos juntamente com os articulados (sendo que a acta tem data de 14.03.2022, vão os mesmos condenados em multa processual, a qual se fixa em 2 UC, em conformidade com a parte final do preceito legal acima mencionado.»
*
É deste despacho que indeferiu a junção de documentos e os condenou em multa pela junção de outros considerada tardia, que os interessados vêm recorrer, formulando as seguintes conclusões:1. Por despacho proferido no âmbito do processo supra referenciado, foi decidido, entre outros, o seguinte: “ – Vai indeferida a diligência requerida junto do Banco de Portugal para informar acerca do mapa de contas tituladas pela cabeça-de-casal, por manifestamente irrelevante para a boa decisão da causa e descoberta da verdade material, uma vez que aqueles saldos bancários não integram o acervo hereditário a partilhar, mas somente os saldos existentes nas contas tituladas ou co-tituladas pelo inventariado à data do óbito.”
2. E decide ainda: “Não obstante o supra exposto, uma vez que os requerentes não lograram demonstrar que não puderam apresentar os referidos documentos juntamente com os articulados (sendo que a ata tem data de 14.03.2022), vão os mesmos condenados em multa processual, a qual se fixa em 2 UC, em conformidade com a parte final do preceito legal acima mencionado.”
3. Salvo melhor entendimento e com o devido respeito, que é muito, não podem os Requerentes aceitar nem concordar com as decisões supra citadas, porquanto violam normas jurídicas do direito substantivo e processual civil, o princípio da descoberta de verdade material e o princípio da igualdade das partes.
4. Atenta a Relação de Bens apresentada, vieram os Requerentes apresentar a sua Reclamação contra a Relação de Bens (refª ...24), onde vem alegar e requerer o seguinte:
“11º Assim como devem existir outras que não estejam em seu nome mas que lhe pertence a meação, porquanto era casado com a cabeça-de-casal desde 26/02/2020 até 28/06/2021.
12º Posto isto, também as contas bancárias que constem em nome da cabeçade-casal pertencem à herança, porquanto deve ser feita a partilha do património comum do casal.
13º O salário e todos os rendimentos auferidos pelos cônjuges durante a constância do casamento são bens comuns.
14º Pelo que deve igualmente ser relacionado as contas bancárias em nome da cabeça-de-casal – requer-se a V. Exª se digne oficiar junto do Banco de Portugal para que venha informar aos autos o mapa de contas da cabeça-de-casal caso não o faça livremente.”
5. Sendo que o requerimento do meio de prova veio indeferido, com fundamento na manifesta irrelevância para a boa decisão da causa e descoberta da verdade material, por aqueles saldos bancários não integrarem o acervo hereditário a partilhar, o que não aceitam nem concordam.
6. O inventariado e a cabeça-de-casal eram casados sob o regime de comunhão de adquiridos, sendo que os bens comuns constituem uma massa patrimonial pertencente aos dois cônjuges em bloco, sendo os dois titulares de um único direito sobre ela: metade do valor do património comum e não a metade de cada bem em concreto – Ac. T. Relação de Évora, de 25.01.2007, processo n.º 1807/06-2, disponível in dgsi.pt.
7. E refere o artigo 1724º do Código Civil que fazem parte da comunhão o produto do trabalho dos cônjuges.
8. Sendo que é do conhecimento geral e não carece de qualquer prova que os produtos de trabalho e rendimentos que auferem cada cônjuge são depositados/recebidos em contas bancárias.
9. Independentemente do titular da conta bancária, certo é que a propriedade dos valores ali depositados integram o património comum do casal.
10. Mas ao decidir deste modo, o Tribunal a quo assume e presume que os valores depositados nas contas bancárias tituladas pelo cabeça-de-casal apenas a este lhe pertence, como sendo bem próprio, mas tal não é verdade.
11. Em caso de dúvidas, como bem refere o artigo 1725º do Código Civil, sobre a comunicabilidade dos bens móveis (como se trata do dinheiro), presumem-se bens comuns.
12. Pelo que, até prova em contrário, os bens mobiliários depositados em instituições bancárias pelo casal são bens comuns, cujo inventariados tem direito à meação, ainda que não esteja determinada a sua quota-parte.
13. Sendo que a sua quota parte será determinada no presente processo de inventário, se todos os bens estiverem ali relacionados, caso contrário, ficarão sempre estes bens (o dinheiro do casal) por partilhar.
14. Tal decisão de indeferimento viola, aliás, os artigos 1724º e 1725º do Código Civil, bem como o princípio da descoberta da verdade material.
15. Assim, deve a prova requerida para comprovar nos autos todas as contas existentes e tituladas em nome do casal (seja em conjunto ou individual) ser admitida por demonstrar-se relevante e essencial para a boa decisão e justa composição do litígio, sem prejuízo de a cabeça-de-casal ter direito à meação nesses bens, como legalmente está previsto.
16. A multa processual aqui sindicada carece de...
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