Acórdão nº 6887/21.6T8VNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 13-11-2023

Judgment Date13 November 2023
Year2023
Acordao Number6887/21.6T8VNG.P1
CourtCourt of Appeal of Porto (Portugal)
Processo nº 6887/21.6T8VNG.P1

Acordam os Juízes da 5.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo
Relatora: Anabela Morais;
1.º Adjunto: Desembargador Miguel Fernando Baldaia Correia de Morais e
2º Adjunto: Desembargador António Mendes Coelho
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I _ Relatório
A autora Confraria ..., pessoa colectiva ..., com sede no Largo ..., Lugar ..., ... ..., intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra a ré AA, residente na Alameda ..., ... ... VNG, pedindo a condenação desta:
a) a despejar imediatamente o locado, entregando-o à Autora, livre e desocupado de pessoas, coisas e animais;
b) a pagar, à Autora, a título de indemnização, a quantia correspondente ao valor das rendas, elevado ao dobro, contadas desde a data da cessação do contrato até à efectiva restituição do locado, perfazendo o montante de €2.400,00 até à data da propositura da acção.
Para tanto, alegou, em síntese, o seguinte:
i. é legítima proprietária do prédio destinado a comércio, sito na Rua ..., Lugar ..., da União de Freguesias ... e ..., concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial urbana daquela união sob o artigo ... e que, por contrato escrito, celebrado com data de 01/06/2015, deu de arrendamento à sociedade comercial denominada “A..., Lda.”, incluindo o estabelecimento de café e snack-bar designado “B...” que nele se encontrava instalado, tendo sido convencionado entre as partes uma renda mensal, no valor de €800,00;
ii. o contrato foi celebrado pelo prazo de 5 anos, com início no dia 01/06/2015, e com renovações de um ano, destinando-se o local arrendado ao funcionamento e exploração de estabelecimento de café e snack-bar;
iii. com data de 15/01/2016, a ré celebrou com a sociedade denominada “A..., Lda”. um contrato, intitulado “Contrato de Trespasse”, pelo qual aquela adquiriu a esta o estabelecimento de café e snack-bar designado “B...”, instalado no prédio da autora supra identificado, com tudo o que o compõe, incluindo o direito ao arrendamento, passando, assim, a primeira a ocupar a posição de arrendatária do prédio da autora;
iv. por carta registada com aviso de recepção, enviada à ré, em 03/02/2021, e por esta recebida no dia 04/02/2021, comunicou-lhe a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento e que tinha de proceder à entrega do arrendado, no dia 30/05/2021, livre e desocupado;
v. por força da redacção dada pela Lei nº58-A/2020, de 30 de Setembro, ao artigo 8º da Lei nº1-A/2020, de 19 de Março, a data da entrega do arrendado foi diferida para 30/06/2021;
vi. até à presente data, a ré não procedeu à entrega, à autora, do local arrendado e vem procedendo ao pagamento do valor das rendas mensais vencidas até à data da entrada da acção em Juízo (21/09/2021).
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Citada, a apresentou contestação, com defesa por excepção e por impugnação.
Invocou o não cumprimento, na distribuição da presente acção, da Lei nº55/2021; a ineptidão da petição inicial por ausência de causa de pedir quanto à indemnização constante do pedido formulado em b) do petitório; e, ainda, que, por força da situação pandémica, o estabelecimento comercial esteve encerrado de 17 de Março de 2020 a 21 de Maio de 2020 e de 1 de Janeiro de 2021 a 6 de Maio de 2021, não tendo, nesse período, exercido qualquer actividade comercial por não dispor de serviço de takeaway ou de venda ao postigo. Tendo o estabelecimento se encontrado encerrado pelo período de sete meses, encontram-se preenchidos os pressupostos legais do artigo 8º, n.º 4 da Lei 1-A/2020 de 19 de Março, pelo que devia ter sido prorrogado o prazo do contrato pelo período correspondente, o que não se verificou.
Concluiu, pedindo que as excepções sejam julgadas procedentes ou, caso assim não se entenda, a improcedência da acção e, consequentemente, a sua absolvição dos pedidos.
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Pronunciando-se sobre as excepções, a autora pugnou pela validade e eficácia da notificação enviada à ré, em 04/02/2021, reafirmando que, por força do disposto no artigo 8º da Lei 1-A/2020, os seus efeitos apenas se produzem no dia 30/06/2021, data em que deveria ter entregado o arrendado. Sustenta que a norma invocada pela ré só se aplica aos estabelecimentos que no dia 1/01/2021 permaneciam encerrados por “determinação legal ou administrativa da responsabilidade do Governo”, o que não era o caso dos estabelecimentos de café e snack-bar, como o estabelecimento da Ré.
Concluiu, pedindo que as excepções sejam julgadas improcedentes.
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Foi dispensada a realização de audiência prévia.
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Por decisão proferida em 7/2/2023, foi julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide – alínea e) do artigo 277º, do Código de Processo Civil -, na parte respeitante ao pedido deduzido na alínea a), por a ré, em 4/1/2023, ter procedido «à entrega da chave do imóvel arrendado…».
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Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, tendo o Tribunal da Primeira Instância decidido “julgar procedente o pedido da autora formulado em b) e condenar a ré a pagar à autora, a título de indemnização a quantia correspondente ao valor das rendas, elevado ao dobro, contadas desde a data da cessação do contrato e até à sua efectiva restituição, ocorrida em 04/01/2023, a liquidar em execução de sentença, nos termos do n.º 2 do artigo 609º, do Código de Processo Civil.
Registe e notifique”.
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Não se conformando com a decisão, dela apelou a ré, formulando as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em 03 de julho de 2023 (ref.ª 447624429), através da qual o Tribunal a quo condenou a R. à A. “a título de indemnização, a quantia correspondente ao valor das rendas, elevado ao dobro, contadas desde a data da cessação do contrato e até à sua efetiva restituição ocorrida em 04.01.2023, a liquidar em execução de sentença, nos termos do n.º 2 do artigo 609º, do Código de Processo Civil”.
2. A sentença recorrida padece de flagrante nulidade, nos termos e para os efeitos do artigo 615º, n.º 1, al. b) do CPC, por falta de fundamentação.
3. O Tribunal a quo de forma inadmissivelmente absoluta limitou-se a mencionar que ao estabelecimento da R., concretamente, café e snack-bar, não se podia aplicar o disposto no n.º 4 do artigo 8º da Lei 75-A/2020, de 30 de dezembro, que determinava que a duração do contrato de arrendamento se prorrogava por período igual ao da duração do encerramento, porque não constava da lista de estabelecimentos que, por decisão legal ou administrativa do Governo, pudesse beneficiar de tal prorrogativa.
4. O Tribunal a quo não cumpriu, por isso, o ónus de fundamentação que impendia sobre si.
5. Sem prescindir, importa aludir que, o legislador, na lista do Anexo I do Decreto-Lei 3-A/2021, de 14 de janeiro, recorre a expressões, designadamente: “Restaurantes e similares, cafetarias, casas de chá e afins (…)” que nos permitem concluir que não quis excluir os cafés e snack-bar.
6. Assim, salvo melhor opinião, deve-se enquadrar o estabelecimento da Ré na lista de estabelecimentos que beneficia da prorrogativa do n.º 4 do artigo 8º da Lei 75-A/2020, de 30 de dezembro.
7. Pelo que, a oposição à renovação do senhorio não vai produzir efeitos, conforme entende o Tribunal a quo, a 30 de junho de 2021, mas apenas em janeiro de 2022, pois, o estabelecimento da Ré esteve encerrado por um período correspondente a 7 (sete) meses.
8. A Recorrente procedeu à entrega das chaves do locado em 04 de janeiro de 2023, todavia continuou a pagar ao A. o valor da renda acordado no âmbito do contrato de arrendamento e o A. recebeu todas essas importâncias.
9. Por conseguinte, não deve a Recorrente ser condenada ao pagamento das rendas em dobro, mas somente ao valor das rendas em singelo relativas ao ano de 2022.
10. Com o devido respeito, o quantum indemnizatório fixado pelo atraso na entrega do imóvel é desproporcional pois entendemos que o disposto no CC-1045-2 apenas se aplica às situações em que o arrendatário não entrega o locado e não paga a respetiva renda ao senhorio, o que não sucedeu nos presentes autos.
11. Condenar a Recorrente ao pagamento das rendas em dobro desde 30 de junho de 2021 faz com que o AA. esteja em evidente situação de enriquecimento sem causa, nos termos e para os efeitos do CC-473 pois obtém uma vantagem patrimonial injustificada e excessiva, pois, recebeu, durante todo o período em crise, as rendas pela utilização do locado.
12. Pese embora o Tribunal a quo tivesse conhecimento não só de que a oposição à renovação do contrato de arrendamento pelo senhorio só produziu efeitos a partir de janeiro de 2022, mas também que a Recorrente procedeu à entrega as chaves a 04 de janeiro de 2023, condenou-a a pagar a indemnização ao A. a liquidar em execução de sentença.
13. Pelo que, decisão em crise viola as disposições conjugadas dos artigos 8.º, n.º 1 e n.º 4 da Lei 75-A/2020, de 30 de dezembro, o artigo 609º, n.º 2 do CPC e 1045º do CC”.
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Notificada, a autora apresentou resposta, formulando as seguintes conclusões:
“1. A sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada, não padecendo de qualquer vício ou omissão que possa colocar em causa a decisão, dando pleno cumprimento ao disposto no nº4 do artigo 607º do CPC;
2. Existe lapso na argumentação da recorrente: quando refere ao Decreto-lei nº3-A/2021, a recorrente deve querer dizer Decreto 3-A/2021. Por outro lado, quando refere o ponto 7, deve querer dizer o ponto 7 do Anexo I, do referido decreto;
3. A sentença recorrida claramente refere que a excepção estabelecida no nº4, do artigo 8º, da Lei 1-A/2020 (na redacção da Lei 75-A/2020) não se aplica ao caso concreto;
4. O estabelecimento da Ré, café e snack-bar, não se enquadra naquela previsão legal, apenas aplicável aos estabelecimentos que tenham sido encerrados por disposição legal ou administrativa do governo em Março de 2020 e que em 1 de Janeiro de 2021 ainda permaneciam encerrados;
5. No de 1 de Janeiro
...

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