Acórdão nº 68584/22.3YIPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-11-09

Ano2023
Número Acordão68584/22.3YIPRT.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I- RELATÓRIO

EMP01..., LDA., apresentou contra o Município ..., a presente ação na qual pede a condenação do Réu no pagamento da quantia global de € 68.853,25 (sessenta e oito mil oitocentos e cinquenta e três euros e vinte e cinco cêntimos).
Para tanto, alegou, em síntese, que, no âmbito da respetiva atividade comercial, a Autora celebrou um contrato de prestação de serviços de higiene e limpeza com a Administração Regional de Saúde ... (ARS-...), que englobava a prestação de serviços de limpeza e higiene nas instalações do centro de saúde de ...; devido ao ”Auto de Transferência de Competências” assinado entre a ARS-... e o Réu, este passou a assumir a posição contratual da ARS-... nesse contrato; desta forma, a Autora continuou ininterruptamente a prestar serviços de limpeza e higiene no centro de saúde de ..., com funcionárias dos seus quadros de pessoal durante todo o ano de 2021; tais serviços prestados deram origem às faturas n.º ...35, no valor de € 24.599,61, n.º FA ...36, no valor de € 20.155,52 e FA ...37, no valor de € 21.849,97; interpelado para o pagamento, o Réu ainda não satisfez os montantes reclamados, os quais permanecem em dívida, assim como os juros entretanto vencidos.
O Réu apresentou oposição, sustentando a inexigibilidade da prestação que lhe é reclamada, uma vez que a ARS-..., quando adjudicou a prestação de serviços de limpeza já não dispunha de competência para o fazer, dado que, antes disso, havia transferido a competência para a gestão dos serviços de logística; por outro lado, e não obstante o exposto, reconheceu que a ARS-..., no ano de 2021, transferiu o montante de € 54.216,00, destinado ao pagamento de serviços de limpeza; e, por fim, alegou que a realização de quaisquer pagamentos pelo Estado e por outras pessoas de direito público, quando relativos a quantias superiores a € 3.000,00 (líquidos de IVA), estão dependentes da apresentação de declaração comprovativa regularizada parte destes perante a segurança social.
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A final foi proferida sentença que julgou a ação procedente e em consequência: i) Condenou-se o Réu Município ... no pagamento à Autora EMP01..., LDA., da quantia de € 66.605,10 (sessenta e seis mil e cinco euros e dez cêntimos), a título de capital;
ii) Condenou-se o Réu Município ... no pagamento à Autora EMP01..., LDA., dos juros moratórios, às taxas supletivas legais aplicáveis às transações comerciais:
- Sobre a quantia de € 24.599,61 (vinte e quatro mil quinhentos e cinquenta e nove euros e sessenta e um cêntimos), desde 30.01.2022, até integral pagamento;
- Sobre a quantia de € 20.155,52 (vinte mil cento e cinquenta e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos), desde 30.01.2022 até integral pagamento;
- Sobre a quanta de € 21.849,97 (vinte e um mil oitocentos e quarenta e nove euros e noventa e sete cêntimos), desde 30.01.2022 até integral pagamento.
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Inconformado com a sentença, o Réu interpôs recurso, finalizando com as seguintes conclusões:

1- Não obstante se ter verificado e reconhecido que a decisão de adjudicação da proposta apresentada pela Recorrida, datando de 06 de janeiro de 2021, é posterior à data em que foi celebrado o Auto de Transferências entre a ARS-..., o Ministério da Saúde e o Réu, o Tribunal a quo optou, ainda assim, por julgar totalmente procedente o peticionado pela Recorrida;
2- Nesse sentido, entendeu esse Tribunal que a posição contratual que a ARS-... ocupava no procedimento de contratação pública supra aludido transmitiu-se para o aqui Recorrente por via do disposto no artigo I/3 do Auto de Transferência, na medida em que, “através dessa disposição contratual, as partes consagraram, de modo antecipado, a aceitação da cessão contratual (na parte relativa ao contraente público) quanto a contratos cuja formação estivesse em curso, em virtude da abertura de procedimentos contratuais e pré-contratuais, ainda não terminados (desde logo por causa dos formalismos a observar em sede de contratação pública)” (pag. 12 da sentença);
3- É notória a errada interpretação que este tribunal a quo faz da disposição contratual aqui referida, bem como da legislação aplicável ao caso em concreto, não podendo a mesma manter-se;
4- Isto porque, e conforme decorre dos n.ºs 3 e 4 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 23/2019, de 30 de janeiro, a transferência de competências para os municípios de gestão e execução de serviços de apoio logístico (como é o caso dos serviços de limpeza) não prejudica, à partida, “os procedimentos contratuais e pré-contratuais já abertos pelo Ministério da Saúde e que se destinam aos serviços de apoio logístico” (n.º 3). No entanto, e conforme decorre do n.º 4 do mesmo artigo, tal só acontece consoante os moldes em que a transmissão da posição contratual é acordada nos termos do aludido Auto de Transferência que veio a ser celebrado entre o aqui Recorrente, a ARS-... e o Ministério da Saúde,
5- Quer isto dizer que a posição contratual assumida pelo Ministério da Saúde e pela ARS-... nos procedimentos contratuais e précontratuais já abertos só se transmite para os Municípios caso seja devidamente observada a forma e o procedimento previsto para o efeito no respetivo Auto, estando assim essa transmissão da posição contratual sujeita à forma como a mesma será estipulada no Auto de Transferência que vier a ser assinado;
6- Neste sentido, resulta do artigo I/3 do aludido Auto de Transferência (n.º ARSN_004/2020) que a transmissão da posição contratual está sujeita ao seguinte procedimento: “A transferência de competências relativa ao anterior n.º 1 não prejudica os procedimentos contratuais e pré-contratuais já abertos pelo MS e que se destinam à prestação de serviços logísticos, à locação de equipamento e ao pagamento de rendas e de outros encargos com imóveis abrangidos pelo presente Auto, pelo que as posições contratuais do MS nesses contratos são transferidas para o Município, conforme identificado nos Anexos V e
VI. Para tal, a ARS efetua as diligências necessárias, de acordo com a legislação em vigor, no sentido de informar e de obter o consentimento das entidades adjudicatárias associadas aos contratos, cujas posições contratuais da ARS são transmitidas para o Município”,
7- Desta feita, resulta desta disposição vinda de citar que a transmissão da posição contratual do Ministério da Saúde para o aqui Recorrente está sujeita ao cumprimento de dois procedimentos: (i) por um lado, assegurar-se o cumprimento do identificado nos Anexos V e VI do Auto; (ii) e por outro, a realização das diligências necessárias, por parte da ARS-..., de acordo com a legislação em vigor, no sentido de informar e de obter o consentimento das entidades adjudicatárias associadas aos contratos, cujas posições contratuais da ARS-... são transmitidas para o Município.
8- Neste sentido, decorre desse Anexo V a identificação dos contratos logísticos nos quais o Ministério da Saúde cederia a sua posição contratual para o Município, sendo que, e uma vez que o contrato ali identificado não corresponde ao contrato de prestação de serviços que veio a ser celebrado entre aquele Ministério e a Recorrida, surge uma nota em rodapé na qual se esclarece a forma como a cedência da posição contratual nesse contrato se desenvolveria;
9- Desse modo, prevê-se expressamente nesse Anexo V, na aludida nota de rodapé, que “os procedimentos respeitantes às prestações de serviços assinaladas encontram-se a ser desencadeados pela SPMS e ESPAP, sendo que nos termos do Decreto- Lei n.º 23/2019, de 30/01, e em conformidade com os artigos 316.º e seguintes do CCP, pode a entidade adjudicante ceder a sua posição contratual na sequência da aprovação prévia das assembleias municipais de todos os municípios que as integram, e da transferência de competências conforme ai determinadas. O adjudicante e o adjudicatário podem, mediante acordo entre as partes, celebrar um acordo de cessão contratual considerando os pressupostos da aplicação da Decreto-Lei n.º 23/2019, de 30/01”.
10- Resultando, por isso, deste Anexo V que relativamente àquele procedimento de contratação que se encontrava a ser desencadeado e que viria a culminar com a adjudicação de serviços à Recorrida, e para que pudesse ocorrer, de forma válida, a transmissão da posição contratual para o aqui Recorrente, seria necessário, além do cumprimento das normas legais em vigor (316.º e ss. do CCP), a aprovação prévia da Assembleia Municipal do Município aqui Recorrente ou a celebração de um acordo de cessão contratual entre aquela entidade adjudicante e o aqui Recorrente,
11- Sendo que, e conforme resulta da prova documental constante nos presentes autos, nenhum desses procedimentos, dos quais este Anexo V faz depender a validade da transmissão da posição contratual, foi aqui cumprido;
12- Ainda assim, entendeu o Tribunal a quo que “a referida nota de rodapé mais não é do que a afirmação pelas partes outorgantes do «Auto de Transferência» da admissibilidade da cessão da posição contratual, à luz do regime previsto no CCPub, onde, efetivamente, se prevê que, na falta de estipulação contratual ou quando outra coisa não resultar da natureza do contrato, são admitidas a cessão da posição contratual e a subcontratação (cfr. artigo 316.º, do diploma citado). Sendo que a disposição contratual prevista no artigo I./3., em conjugação com o Anexo V, consubstancia, ela próprio, o acordo destinado à cessão entre a administração central e o Município (daí que a ARS-..., como admitido pelo Réu, efetuou a transferência do valor da remuneração acordada para a prestação dos serviços de limpeza, no ano de 2021, para o Município Réu)” (página 14 da sentença);
13- Adotando assim o entendimento de que os procedimentos previstos naquela nota de rodapé apenas se aplicariam caso não tivesse existido, entre as partes outorgantes do Auto de Transferência, qualquer estipulação contratual...

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