Acórdão nº 684/16.8T8BRG.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11-01-2024
Data de Julgamento | 11 Janeiro 2024 |
Ano | 2024 |
Número Acordão | 684/16.8T8BRG.G2 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. Relatório
AA; BB; e CC,
vieram intentar a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra DD, peticionando:
1. A declaração de nulidade e de nenhum efeito do contrato denominado de dação em cumprimento e da respectiva escritura pública celebrada no dia 16.02.2007, no Cartório Notarial da Notária EE, sito na rua ..., ..., exarada de fls. 39 a fls. 40 verso, do ...... de tal cartório notarial, outorgada por FF, como primeiro outorgante, e pela ré DD, sua mulher, como segunda outorgante;
2. A declaração de nulidade e de nenhum efeito dos actos de transmissão efetuados por FF a favor da ré da propriedade do veículo automóvel de marca ..., ..., de matrícula ..-..-UV, e do veículo autocaravana, de marca ..., modelo ..., matrícula ..-..-FE;
3. O cancelamento das inscrições no registo em nome da ré do direito de propriedade relativos aos prédios identificados na referida escritura pública de dação em cumprimento e aos veículos de marca ..., ..., de matrícula ..-..-UV e do veículo autocaravana, de marca ..., modelo ..., matrícula ..-..-FE;
4. A declaração de que os prédios urbanos identificados na escritura pública de dação em cumprimento, os referidos veículos e o dinheiro existente nos bancos em contas bancárias tituladas ou co-tituladas por FF à data em que o mesmo foi acometido de AVC (13-01-2016) pertencem à herança ilíquida e indivisa aberta pelo seu óbito;
5. A declaração de que a ré é devedora à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de FF dos montantes em dinheiro que indevidamente levantou das contas bancárias tituladas e co-tituladas por FF desde 13.01.2016;
6. A declaração de que a ré deve à referida herança ilíquida e indivisa as quantias em dinheiro que o referido autor da herança lhe entregou em empréstimo, por diversas vezes, entre o dia .../.../2001 (data do casamento) e o dia 15.01.2016 (data do óbito), a liquidar em execução de sentença;
7. A declaração de que a celebração do contrato de dação em cumprimento e respectiva escritura pública, bem como dos actos de transmissão dos veículos, o não reconhecimento por parte da ré de que tais bens (referidos prédios e veículos) e o dinheiro referido nos pedidos 5. e 6. da petição inicial, pertencem à herança de FF, e a detenção pela ré desses bens (prédios, veículos e dinheiro) como bens seus, constitui sonegação e ocultação dolosa de bens da referida herança;
8. A condenação da ré a restituir à herança ilíquida e indivisa de FF, livres de ónus e encargos e de pessoas e bens, os prédios identificados na referida escritura pública de dação em cumprimento, os supra identificados veículos automóveis, o dinheiro que o autor da herança lhe entregou emprestado entre o dia .../.../2001 e o dia 13.01.2016 e o dinheiro que desde o dia .../.../2016 levantou das contas bancárias tituladas e co-tituladas por FF;
9. A condenação da ré no reconhecimento dos pedidos 1 a 8.
Alegaram, para o efeito, em síntese, que o contrato de dação em cumprimento bem como os actos de transmissão dos veículos a favor da ré, foram simulados, porquanto não corresponderam à vontade real dos contraentes, traduzindo antes a concretização de um acordo prévio entre o FF, pai dos autores, e a ré, casados no regime de separação de bens, cuja intenção subjacente foi apenas a de prejudicar e enganar os autores, com o fim de impedirem que à data do óbito daquele tais bens integrassem a sua herança e pudessem assim integrar o quinhão hereditários dos autores.
Invocaram, ainda, que o FF emprestou à ré, durante o período compreendido entre 08.06.2001 e 15.01.2016, quantia superior a € 500.000,00, que importa seja restituída à herança. Mais alegaram que a ré procedeu ao levantamento das quantias depositadas nas contas tituladas pelo pai dos autores, fazendo-as suas, depois deste ter sofrido um acidente vascular cerebral no dia 13.01.2016.
Acrescentaram que a ré se encontra na posse dos prédios objecto da dação em cumprimento, dos referidos veículos automóveis, bem como das quantias acima aludidas, sonegando-os à herança aberta por óbito do FF, sabendo que os mesmos não lhe pertencem.
A ré contestou, impugnando os empréstimos das quantias em dinheiro alegadamente realizados pelo FF a seu favor, invocando desconhecer a aplicação que este fez do dinheiro que tinha. Mais alegou que a dação em cumprimento, bem como as transmissões dos veículos foram realizadas para satisfazer um crédito que detinha sobre o seu cônjuge, resultante das quantias referentes a rendas de dois prédios, sua propriedade, que auferiu entre os anos de 2002 e 2010, que foram entregues ao FF para que as gerisse, e daquelas que suportou com despesas de saúde deste, sendo que o seu cônjuge jamais as restituiu.
A ré deduziu, ainda, reconvenção, peticionando, caso seja declarado nulo o contrato de dação em cumprimento, a condenação dos autores a reconhecerem que a herança indivisa aberta por óbito de FF lhe é devedora da quantia de € 242.250,00, acrescida de juros desde a data da notificação da contestação e até integral pagamento, referente às rendas mensais provenientes dos arrendamentos dos prédios sua propriedade onde se encontravam instalados dois estabelecimentos comerciais, que o seu cônjuge recebeu, fazendo-as suas, entre os anos de 2002 e 2010.
Concluiu, nestes termos, pela improcedência da acção e consequente absolvição dos pedidos e, caso assim não se entenda, pela procedência do pedido reconvencional.
Os autores apresentaram réplica, impugnando a factualidade vertida na reconvenção, concluindo nos termos constantes da petição inicial e pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.
Por sentença datada de 24.10.2016, proferida no apenso A, foram habilitados, como herdeiros do autor AA, entretanto falecido, os aí requeridos GG, HH e II, a fim de com eles prosseguirem os termos da presente acção, no lado activo.
Na sequência do despacho de convite ao aperfeiçoamento datado de 06.12.2016, os autores prestaram os esclarecimentos constantes a fls. 345/346, relativos ao negócio através do qual foi transferida o direito de propriedade dos veículos de matrículas ..-..-UV e ..-..-FE para a ré.
Realizou-se a audiência prévia, no âmbito da qual foi admitida a reconvenção deduzida pela ré, tendo sido, ainda, proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Realizada a audiência final, foi prolatada sentença, com data de 5.06.2020, a julgar totalmente improcedente a acção e a julgar extinta a instância reconvencional por inutilidade superveniente da lide.
Inconformados os autores apelaram da aludida sentença.
Porém, uma vez que os autores haviam já anteriormente interposto duas apelações autónomas de despachos interlocutórios proferidos pelo Tribunal a quo, referentes a requerimentos de prova, foi determinada a suspensão da instância recursória até ao trânsito em julgado da decisão final a proferir nos recursos dos mencionados despachos interlocutórios que corriam em separado (processo nº 684/16....).
Os recursos interpostos pelos aqui autores quanto às referidas decisões intercalares foram julgados parcialmente procedentes, tendo sido revogadas a decisões interlocutórias recorridas, com o consequente deferimento da solicitação de documentos/informações, bem como a prestação complementar de esclarecimentos por parte da ré, pelo que foi considerado estar verificada uma circunstância que obstava ao conhecimento do recurso da sentença proferida em 5.06.2020, determinando-se a extinção da instância recursiva referente à sentença final e a baixa definitiva dos presentes autos à primeira instância.
Reaberta a audiência final pelo tribunal a quo com vista a cumprir o superiormente determinado, foi proferida nova sentença final em 17.04.2023, constando o seguinte do respectivo dispositivo:
“IV. DECISÃO.
Termos em que face ao exposto, o Tribunal julga a ação improcedente, por não provada, e, em consequência absolve-se a Ré DD dos pedidos.
E julga-se extinta a instância relativa ao pedido reconvencional, por inutilidade superveniente da lide.
*
Custas da ação e reconvenção a cargo dos autores – arts. 527º, nº 1, e 536º, n.º 3 do C.P.C. Registe e Notifique.”.
Novamente inconformados com tal sentença, dela apelaram os autores, tendo concluído as suas alegações de recurso nos seguintes termos:
«V – CONCLUSÕES:
VOSSAS EXCELÊNCIAS, OS SENHORES JUÍZES DESEMBARGADORES, POR DOUTO ACÓRDÃO, JULGANDO QUE:
1. A decisão ou julgamento de facto padece dos seguintes vícios:
1.1 De insuficiência/omissão de factos relevantes para o objecto dos autos.
1.2 De erro na apreciação e valoração da prova, designadamente de erro na apreciação e valoração do depoimento da ré DD, pois não atendeu ás muitas confissões que a ré fez relativamente a factos que lhe são desfavoráveis e interessam ao objeto dos autos.
1.3 De erro na apreciação e valoração dos depoimentos/declarações prestados pelos autores e pelas testemunhas arrolados pelos autores.
1.4 De erro na apreciação e valoração da prova, designadamente na interpretação de documentos juntos aos autos.
1.5 De erro na apreciação e valoração da prova, por falta de conjugação do depoimento prestado pela ré DD, com os depoimentos prestados pelos autores, com os depoimentos das testemunhas e com os documentos juntos nos autos.
1.6 De erro de julgamento.
1.7. De violação da lei.
2. Quanto ao contrato-promessa e compra e venda, assinado pela ré DD, no dia 16 de Fevereiro de 2007, cuja cópia parcial consta de folhas 1140 verso a 1141 verso dos autos, apesar da sua manifesta relevância para o objecto dos autos e apesar de terem sido apurados e provados esses factos, o Tribunal recorrido omitiu, na sua decisão de facto, todos os factos a ele relativos, referindo que não inclui tal contrato-promessa e os respectivos factos nos factos provados por não serem nem factos...
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