Acórdão nº 683/17.2T8MTA.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 10-02-2022

Data de Julgamento10 Fevereiro 2022
Ano2022
Número Acordão683/17.2T8MTA.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
“W”, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra:
1.º - “X. Lda.” (Casa de Saúde do “X1”), [doravante “X. Lda.”];
2.º - “Y” [médico e Director Clínico da “X. Lda.”];
3.º - “Z” [médico e clínico exercendo funções na área de imagiologia na “X. Lda.”, doravante “Z”].
Peticionou o A. a condenação solidária dos Réus a pagarem-lhe “a quantia global de 30 294,66€ (trinta mil duzentos e noventa e quatro euros e sessenta e seis cêntimos) acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento, e ainda o que se vier a apurar em execução de sentença”.
Para tal alegou, em síntese, que, após indicação da sua médica de família, foi realizar um exame de colonoscopia, de rotina, nas instalações da ré “X. Lda.”, o qual foi realizado pelo réu “Z”. Durante esse exame, terá sofrido uma perfuração do intestino, o que lhe causou danos físicos e psicológicos, para além de patrimoniais.
Regularmente citados, os réus “X. Lda.” e “Y” apresentaram contestação, na qual invocaram a sua ilegitimidade processual, uma vez que apenas cederam as suas instalações para que uma terceira entidade – “H. Lda.” – com o devido licenciamento para esse efeito, aí realizasse exames no âmbito da especialidade médica em causa. Assim, nem a 1.ª Ré nem o 2.º Réu, seu director clínico, foram responsáveis pela realização do exame médico de colonoscopia ao Autor. Por fim, impugnaram a maior parte dos factos alegados em sede de petição inicial, por desconhecimento sem obrigação de conhecer e deduziram incidente de intervenção principal provocada da referida entidade.
Regularmente citado, o réu “Z” apresentou contestação em que impugnou grande parte dos factos alegados em sede de petição inicial, confirmou que foi o médico responsável pela realização do exame médico de colonoscopia ao Autor e alegou que fê-lo observando e cumprindo todas as exigências técnicas e todos os deveres de cuidado que a arte médica lhe impunha. Por fim, alegou que, por contrato de seguro, transferiu a sua responsabilidade civil profissional para a AGEAS Portugal – Companhia de Seguros, S.A., pelo que requereu a intervenção principal provocada desta.
Após contraditório, foi admitida a intervenção principal provocada, enquanto Rés, de:
4.º - AGEAS Portugal, Companhia de Seguros, S.A. [doravante AGEAS];
5.º - “H. Lda.” [doravante “H. Lda.”].
Regularmente citada, a interveniente AGEAS apresentou contestação em que confirmou a celebração de contrato de seguro com o réu “Z”, com um capital seguro de €150.000,00. No mais, aderiu à contestação apresentada pelo réu “Z”.
Regularmente citada, a interveniente “H. Lda.” apresentou contestação, em que aderiu à contestação apresentada pelo réu “Z” e impugnou a matéria alegada pela ré “X. Lda” por considerar que os utentes que se dirigiam à “X.1” (nome do local onde foi realizado o exame) contratavam com a ré “X. Lda.” e não com a ré “H. Lda.”, sendo a primeira a proprietária dos equipamentos e consumíveis e a responsável pelo pagamento aos profissionais de saúde, para além de ser responsável pela facturação aos utentes, excepto quando a entidade comparticipante era a ARS, situação em que a facturação era feita pela ré “H. Lda.”, por ser esta a titular da convenção respectiva.
Foi realizada audiência prévia:
. O Autor declarou desistir do pedido quanto ao réu “Y”, desistência essa homologada por sentença, com custas nessa parte pelo Autor em percentagem a fixar a final;
. Após contraditório, foi julgada improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade processual invocada pela ré “X. Lda.”;
. Foi determinado o aperfeiçoamento da petição inicial, no sentido do Autor melhor esclarecer a forma como foi agendada a colonoscopia (com quem contactou, de que forma, …) e os factos relativos à actuação do 3.º Réu que terão dado origem ao alegado “rasgão”;
. As partes declararam considerar assente a transferência de responsabilidade civil conforme o contrato de seguro existente entre o 3º e 4ª Réus, nos termos constantes dos documentos juntos a fls. 46, 47 e 91 dos autos;
. Foram fixados o valor da causa, o objecto do processo e os temas de prova.
Após instrução (concretamente a realização de prova pericial), procedeu-se à audiência de julgamento com observância de todas as formalidades legais.
Foi proferida sentença, onde, a final, se decidiu julgar a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveram-se os Réus e Intervenientes dos pedidos formulados pelo Autor.
Inconformado com tal decisão veio o A. recorrer da sentença, tendo apresentado as suas alegações, nas quais verteu as seguintes conclusões:
«1. O presente recurso assenta na propositura de uma acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, intentada pelo Autor, ora Recorrente, “W”, peticionando a condenação solidária da Ré “X. Lda.”, do Réu “Y” e do Réu “Z”, no pagamento da quantia global de 30 294,66€ (trinta mil duzentos e noventa e quatro euros e sessenta e seis cêntimos), 30 000,00€ por danos morais e o restante por danos patrimoniais, quantia essa acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento, e ainda o que se viesse a apurar em execução de sentença.
2. O Tribunal a quo veio a decidir pela improcedência total do pedido do Autor e é desta decisão que agora se recorre.
3. O Autor/recorrente nasceu em 19 de Outubro de 1949, e, em razão da idade, a médica de família prescreveu a realização uma colonoscopiade rotina.
4. O Réu/recorrido, Doutor “Z”, procedeu à referida colonoscopia, assessorado pelo anestesista, Dr. “F”, e pela enfermeira “G”, tendo detectado posteriormente que havia ocorrido uma perfuração iatrogénica do cólon.
5. A responsabilidade civil por acto médico traduz a obrigação de reparar o dano que uma pessoa ou entidade causa a outrem.
6. A responsabilidade civil médica pode ter origem em incumprimento de contratos – responsabilidade civil contratual - de negócios jurídicos unilaterais ou da lei, como pode também ter origem na violação de direitos absolutos ou na prática de certos actos, que, embora lícitos, são porventura suscetíveis de causar prejuízo a outrem – responsabilidade civil extracontratual.
7. A jurisprudência tem exemplos de decisões justas e equitativas em que os lesados são ressarcidos do dano, sem necessidade de fazer prova da culpa do agente causador da lesão.
8. No âmbito da responsabilidade médica, a prova é difícil (senão impossível) quando cabe ao lesado porquanto esta dificuldade acrescida resulta de se conseguir provar em tribunal se o paciente foi tratado pelo médico de acordo com as melhores práticas da ciência e da técnica (as denominadas leges artis), e se o facto danoso teve origem na não prestação dos melhores cuidados de saúde ou se teve origem em eventual evolução natural de patologia de que o paciente padeceria.
9. Aliás, á luz das premissas enunciadas, dificilmente se entende o papel das seguradoras, para as quais os profissionais de saúde (como em outras áreas da nossa sociedade) transferem a sua responsabilidade civil.
10. Segundo o próprio Réu, Dr. “Z”, havia alternativas à colonoscopia clássica (como a colonoscopia virtual ou TAC colonoscópico, não invasivo), e depreende-se daí que as eventuais condicionantes relatadas no processo clínico do paciente não foram tidas em conta.
11. In casu, havendo exames de diagnóstico para detectar eventuais patologias ou quando estas são detectadas tardiamente, estamos em face de um nexo de causalidade adequado para responsabilizar o(s) profissional(ais) de saúde pelos eventuais danos que possam causar nasaúde do paciente.
12. O facto de o paciente ter dado o seu consentimento formal para a realização de determinadas intervenções ou tratamentos médico-cirúrgicos não exclui nem reduz a responsabilidade dos médicos ou de outros profissionais de saúde legalmente habilitados que os pratiquem.
13. Porém, o consentimento informado, devidamente documentado e assinado, nunca apareceu nem se mostra junto aos autos.
14. Ora, a intervenção médico-cirúrgica, sem consentimento informado, é violadora das leges artis consagradas no Código Deontológico Médico, e daí, forçoso é concluir que, violando o médico as leges artis, estamos perante factos suficientemente graves merecedores da tutela do direito.
15. Acredita-se assim que a douta sentença recorrida interpretou e aplicou mal os artºs 342º, nº 1, 496º, nºs 1 e 2, 799º, nº 1, e 1156º e seguintes, todos do Código Civil.
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta decisão recorrida, e substituída por outra que se coadune com o que aqui se expõe, assim se fazendo JUSTIÇA.»
O Réu, “Z”, apresentou contra-alegações nas quais verteu as seguintes conclusões:
«A. Recorrendo sobre matéria de direito, o Recorrente não cumpre cabalmente o ónus de alegação e de formulação de conclusões, não indicando, nem no corpo das alegações, nem nas conclusões que extraiu, o sentido com que as normas constitutivas do fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, em violação do disposto no artigo 639.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Civil, o que implica ficar vazado de conteúdo o enunciado da conclusão 15, ante a sua deficiência e os enunciados das conclusões 6 e 8, ante a sua obscuridade.
B. Se sobre o Recorrente não impendesse o ónus da alegação e da prova da falta de destreza e distracção do Recorrido “Z”, como parece pretender a tese enunciada na sua conclusão 7, sempre o Recorrido “Z” lograria afastar a presunção de culpabilidade que sobre si impendia, por provar, como provou, que teve durante o exame a postura e o desempenho normais, não tendo actuado em nada de forma diferente do que era habitual nele ou noutros colegas gastroenterologistas, o que implicaria não poder
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