Acórdão nº 682/20.7T8TMR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-12-07

Data de Julgamento07 Dezembro 2023
Ano2023
Número Acordão682/20.7T8TMR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
O MINISTÉRIO PÚBLICO instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum, contra:
1.º- AA, e marido, BB;
2.º - CC, e marido, DD, formulando os seguintes pedidos:
«Se declare a nulidade do contrato permuta, acima identificado nos factos “ 7.º a 11°”, junto como doc. n° 5, com o consequente cancelamento de todas as inscrições registrais, inerentes, nomeadamente a respeitante à AP …, de …-11-2016, pela Conservatória de Registo Predial de Ferreira do Zêzere, descrito sob o n.º …, sobre o prédio urbano de 640,00 m2 inscrito na matriz urbana sob o artigo … (vide doc 5).»

Para fundamentar o pedido, alegou, em suma:
Por contrato de permuta celebrado no dia 25-11-2016, as Rés, cada uma proprietária de metade do prédio aí referido e com autorização dos respetivos Réus, declararam “que destacavam do mencionado prédio a parte urbana”, que, pela escritura, passava a constituir um novo prédio descrito como “prédio urbano”, composto por casa de habitação de rés-do-chão e 1.º andar, com área de 114 m2 e logradouro com 526 m2, sito no lugar de …, freguesia de Igreja Nova do Sobral, Ferreira do Zêzere, a confrontar do norte com …, do sul e nascente com CC e do poente com estrada, inscrito na matriz urbana sob o artigo …, com o valor patrimonial tributário de €9.120.
Mais declararam que, após o destaque, o prédio rústico passa a ter a seguinte descrição: prédio rústico sito em …, composto de cultura arvense com oliveiras, sobreiros e pinhal com 5320 m2, freguesia de Igreja Nova do Sobral, concelho de Ferreira do Zêzere, passando a confrontar a norte com … e …, inscrito na matriz rústica sob o artigo …, com o valor patrimonial tributário de €425,09.
No mesmo ato, estipularam que, através de permuta, a parte urbana ficaria propriedade dos primeiros réus e a parte rústica dos segundos réus.
Através desta permuta, as Rés autonomizaram a parcela urbana do prédio rústico sem nunca terem feito qualquer pedido prévio de licenciamento ou de operação de destaque junto da Câmara Municipal de Ferreira do Zêzere, pelo que padece tal ato prévio e, em consequência, o contrato de permuta, de nulidade.

Os Réus contestaram por exceção e por impugnação.
Por exceção, deduziram a ilegitimidade do Réu BB (sendo que o Autor desistiu do pedido em relação a este Réu; desistência que veio a ser homologada por despacho de 19-01-2021) e a exceção de caducidade do direito de ação (julgada improcedente em sede de sentença).
Por impugnação, alegaram, em suma, que são alheios à eventual falta de autorização prévia, licença administrativa ou qualquer intervenção da Câmara Municipal; sempre agiram de boa-fé e negam que tenham realizado qualquer fracionamento proibido por lei através da escritura de permuta de 25-11-2016, porquanto a edificação existente data de 1937, razão pela qual apenas se limitaram a proceder à desanexação entre um prédio urbano e um rústico que sempre foram distintos e autónomos, e que, apenas por erro, aquando da passagem do cadastro em 1989, passaram a ser um único prédio.

Respondeu o MINISTÉRIO PÚBLICO à matéria das exceções.

Após realização de audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente.

Inconformado, apelou o Autor, defendendo a revogação da sentença e a sua substituição por outra que julgue procedente a ação e declare a nulidade do loteamento/destaque, apresentando para o efeito as seguintes CONCLUSÕES:
(…)
Na resposta ao recurso, os recorridos defenderam a manutenção da sentença recorrida.

II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do Recurso
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), no caso, impõe-se apreciar da alegada nulidade do contrato de permuta com o consequente cancelamento de todas as inscrições registrais posteriores inerentes àquele por violação das regras do fracionamento e loteamento urbano.

B- De Facto
A 1.ª instância proferiu a seguinte decisão de facto:
Factos Provados
«1. Em 1989, surge na matriz predial rústica sob o n.º … da Freguesia de Igreja Nova do Sobral, concelho de Ferreira do Zêzere, o prédio com uma área de 5.960m2, dos quais 640m2 correspondiam a uma parcela urbana.
2. Essa parcela urbana está inscrita na matriz urbana desde o ano de 1937, tendo o atual artigo ….
3. Em 24 de Maio de 1993, o aludido prédio … foi descrito no registo predial, sob a ficha …, com a área total de 5.960m2 e correspondendo-lhe os dois artigos já mencionados: … e ….
4. No dia 19 de julho de 1993, o aludido prédio … foi doado às rés por DD, através de escritura pública celebrada no Cartório Notarial de Lisboa.
5. Donde, as rés tornaram-se, assim, comproprietárias do aludido prédio.
6. Em 24-11-2016, no Serviço de Finanças de Ferreira do Zêzere, a ré AA requereu a desanexação da área correspondente à parcela urbana do referido prédio (ou seja, os referidos 640m2 com o artigo 235), tendo declarado “que o seu prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia da Igreja Nova do Sobral, que erradamente se encontra implantado na parcela 3 (urb) do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo …, da referida freguesia”.
7. No dia 25-11-2016, no Cartório Notarial de Ferreira do Zêzere, as duas rés comproprietárias, cada uma proprietária de metade do referido prédio, declararam “que destacavam do mencionado prédio a parte urbana”, que passava a constituir um novo prédio descrito como “prédio urbano”, composto por casa de habitação de rés-do-chão e 1.º andar, com área de 114 m2 e logradouro com 526 m2, sito no lugar de …, freguesia de Igreja Nova do Sobral, Ferreira do Zêzere, a confrontar do norte com …, do sul e nascente com CC e do poente com estrada, inscrito na matriz urbana sob o artigo …, com o valor patrimonial tributário de €9.120”.
8. A par, declararam que, após o destaque, o prédio rústico passa a ter a seguinte descrição: prédio rústico sito em …, composto de cultura arvense com oliveiras, sobreiros e pinhal com 5.320m2, freguesia de Igreja Nova do Sobral, concelho de Ferreira do Zêzere, passando a confrontar a norte com … e …, inscrito na matriz rústica sob o artigo …, com o valor patrimonial tributário de €425,09.
9. E, no mesmo ato, estipularam que, através de permuta, a parte urbana ficaria propriedade dos primeiros réus e a parte rústica dos segundos réus.
10. Em sequência, na mesma Conservatória, procederam aos competentes registos daqueles atos: um prédio urbano de 640m2 inscrito na matriz urbana sob o artigo …, propriedade de DD e um prédio rústico de 5.320m2, inscrito na matriz rústica sob o artigo …, propriedade de CC.
11. Os RR. não pediram autorização prévia, licença administrativa ou qualquer intervenção da Câmara Municipal de Ferreira do Zêzere.
12. A edificação existente no prédio data de 1937.»

Factos Não Provados
«Nada mais se provou, com interesse para a decisão da causa.»

C- Do Conhecimento das questões suscitadas no recurso
Como supra enunciado, a questão a decidir prende-se com a alegada nulidade do contrato de permuta e com o consequente cancelamento de todas as inscrições registrais posteriores inerentes àquele por violação das regras do fracionamento e loteamento urbano.
Resulta dos factos provados que no prédio referido no ponto 1 dos factos provados, inscrito na matriz predial desde 1989 e descrito no registo predial desde 24-05-1993, existe uma área rústica com 5.960m2, dos quais 640m2 correspondem a uma área urbana com 640m2, edificada desde 1937, estando a primeira inscrita na matriz predial sob o artigo … da freguesia de igreja Nova do Sobral, e a segunda, sob o artigo … da mesma freguesia.
Este imóvel foi doado às Rés em 19-07-1993 e só em 24-11-2016 a parte urbana veio a ser objeto de desanexação passando a constituir um novo prédio, tendo, na mesma data, sido celebrada a escritura pública de permuta entre as comproprietárias, em ordem a que a parte urbana ficasse na titularidade dos primeiros Réu e a parte urbana na titularidade da 1.ª Ré.
Enfatizando esta sequência factual, o Autor/Recorrente defende que, apesar da construção erigida na parte urbana datar de 1937, a divisão do prédio não se materializou nessa data, não constituindo uma unidade autónoma e independente em relação à parte rústica, porquanto em 1989, quando o imóvel entrou no regime de cadastro geométrico, o prédio mantinha-se na titularidade da mesma pessoa que o inscreveu no registo predial como prédio misto, com as duas componentes rústica e urbana.
Donde, concluiu que, aquando da escritura de permuta, a operação de divisão para poder legalmente verificar-se teria de obedecer ao disposto no artigo 1376.º do Código Civil e ao regime do RJUE (Decreto-Lei n.º 555/99, de 16-12), o que não se verificou, pois nunca foi pedida ou conferida qualquer autorização prévia, licença administrativa ou intervenção da Câmara Municipal competente nesse sentido.
Já os Réus/Recorridos, com a concordância da sentença sob escrutínio nesta sede recursória, centram a decisão da questão em apreço num raciocínio diferente, enfatizando que, em 1937, quando foi construída a parte urbana, ocorreu a divisão do imóvel por assim decorrer do regime então vigente (Decreto-Lei n.º 46 673, de 29-11-1965), pelo que a inscrição no registo predial em 1993 como prédio misto não ilude, nem afasta aquele regime legal e a consequente divisão do imóvel.
Na sentença recorrida, a fundamentação que suportou a decisão, tem o seguinte teor (na parte que ora releva):
«(…)
...

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