Acórdão nº 6748/22.1T8LSB.L1-4 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-10-11

Ano2023
Número Acordão6748/22.1T8LSB.L1-4
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


1. Relatório


1.1. A, B, C, D e E, intentaram a presente acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra SINDICATO DA BANCA, SEGUROS E TECNOLOGIAS - MAIS SINDICATO, (EX -SINDICATO DOS BANCÁRIOS SUL E ILHAS), pedindo a condenação do Réu a reconhecer ser aplicável, e aplicar efetivamente, aos AA. o Acordo Coletivo de Trabalho para o Sector Bancário firmado pelo R., publicado no BTE n.° 29, de 08/08/2016, com a última alteração publicada no BTE n.° 10/2019, de 15/03/2019, bem como ser condenado a assegurar-lhes todos os direitos e obrigações que emerjam desse ACT., durante o período de duração dos vínculos celebrados com a Réu e por efeito da sua cessação, com as legais consequências. Alegam, para tanto, que AA. e R. celebraram contratos de trabalho entre si; no âmbito daqueles contratos ficou acordada uma cláusula de remissão para o ACTV do Sector Bancário, com vista à regulação de tudo aquilo que não encontrasse regulação nas cláusulas do contrato de trabalho; em 2021, o R. e a FETESE (Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Escritório e Serviço, que representa o SITESE) acordaram num novo Acordo de Empresa, cuja publicação ocorreu no BTE, n.° 9, de 8 de março de 2021; acto imediato, entendeu o R. deixar de aplicar aos AA. o ACT do Sector Bancário; fê-lo, no entanto, de forma ilegítima, pelo que deve ser condenada na aplicação à relação de trabalho dos AA. aquele ACTV do sector bancário, por força da cláusula remissiva neles contida.

Citado o Réu, teve lugar a audiência de partes, sem conciliação.

O Réu contestou. Alegou, em suma, que aquela cláusula remissiva visou cobrir lacunas de regulamentação do contrato de trabalho; com a aprovação do AE entre o R. e a associação sindical onde os AA. estão filiados, passou este IRCT a regular aquelas matérias, deixando de existir lacunas que pudessem ser integradas com recurso àquele ACTV do sector bancário; finalmente, sustenta que a lei só permite a adesão do trabalhador a um IRCT quando, por força do princípio da filiação, não lhes seja aplicável um outro, sob pena de frustração das finalidade da regulamentação colectiva de trabalho. Conclui no sentido da improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.

Foi dispensada a realização de audiência prévia.

Foi proferido despacho saneador, dispensado a fixação do objecto da acção e a selecção dos temas de prova.

Realizou-se audiência final

Proferida sentença nela se finalizou com o seguinte dispositivo:
“Face ao exposto, julgo improcedente a presente acção e, em consequência, absolvo o R. do pedido”.

1.2. Inconformados com esta decisão dela recorrem os Autores, formulando as seguintes conclusões:
1. Durante todo o período de vigência do Acordo de Empresa de 2003, por causa do estabelecido no contrato de trabalho dos Recorrentes, que previa a aplicação do ACTV do Sector Bancário, sempre foi este que lhes foi aplicado, e não as normas do referido AE de 2003,
2. Donde, resulta inequívoco que, de facto, o ACTV do Sector Bancário sempre se sobrepôs a qualquer outro instrumento de regulamentação coletiva que, ao longo da vigência dos respetivos contratos, tenha entrado em vigor ou tenha sido aplicado a outros trabalhadores do Recorrido.
3. Sempre assim foi porque a aplicação deste ACT do Sector Bancário resultou de um exercício de auto-vinculação das partes, reconhecendo a própria sentença recorrida que, «as partes ao remeterem para o ACTV do sector bancário, com vista à regulação do que não se encontra no contrato de trabalho expressamente convencionado, estão a incorporar no contrato de trabalho aquelas cláusulas (ou parte delas).»
4. E ainda que «É manifesto que as “normas” contidas no ACTV do sector bancário conformam o contrato de trabalho e versam diretamente sobre o conteúdo da relação laboral.».
5. Sendo certo que os Recorrentes, à data da celebração do contrato com o Recorrido, não se incluíam no universo de trabalhadores a quem esse IRCT seria aplicável por via do princípio da dupla filiação, o que reforça, portanto, o carácter negocial que presidiu que esteve na origem desta estipulação contratual dos Recorrentes.
6. É, por isso, evidente o erro de julgamento de que padece o raciocínio supra transposto, que foi utilizado pelo Tribunal a quo na decisão recorrida para concluir pela aplicação aos Recorrentes, a partir de 2021, por aplicação do art.º 497.º do CT e do princípio da dupla filiação, do novo AE de 2021 e não, como até então, do ACTV do Sector Bancário.
7. É que, de facto, não pode ignorar-se que a remissão que é feita na clausula 4.ª e na cláusula 6.ª do contrato de trabalho do Recorrentes remete especificamente para o ACTV do Sector Bancário,
8. Não se fazendo qualquer referência no contrato de trabalho dos Recorrentes, como bem se destaca no acórdão do TRL de 12.02.2020, a um qualquer instrumento de regulamentação coletiva que eventualmente e futuramente o viessem substituir!
9. O que os Recorrentes quiseram consagrar especificamente nos respetivos contratos de trabalho – porque foi essa a sua vontade e não outra – foi que lhes deveria ser aplicado o ACTV do Sector Bancário, não só no que diz respeito à sua remuneração (cláusula 4.ª), como também em caso de omissão (cláusula 6.ª).
10. É este o sentido da “cláusula de remissão dinâmica” que está em apreço, ou seja, que seria aplicado aos Recorrentes o ACTV do Sector Bancário,
11. Não só na versão em vigor na altura da estipulação contratual, mas também nas várias versões que este ACTV viesse a adotar por via de eventuais revisões salariais, por forma a que os Recorrentes, como se compreende, pudessem beneficiar, por exemplo, dos aumentos remuneratórios que vieram a ocorrer ao longo dos anos com base na revisão desse ACTV do Sector Bancário.
12. Contudo, não pode daqui extrair-se que os Recorrentes alguma vez pretenderam que lhe fossem aplicáveis quaisquer outros instrumentos de regulamentação coletiva que, porventura, no futuro, viessem a substituir este ACTV.
13. Não poderia, portanto, ser mais adequado e aplicável à situação concreta em apreço nos autos o excerto em que o acórdão do TRL, de 12.02.2020, refere que não cumpre, pois, ao julgador, no fundo, proceder a uma interpretação restritiva daquela que foi a vontade do trabalhador aquando da celebração do seu contrato de trabalho e, nessa medida, «fazer uma interpretação de modo a considerar que a remissão seria para qualquer CCT que viesse a vigorar no sector bancário.».
14. Assim, de igual modo, deveria o Tribunal a quo ter decidido – tal como o TRL no acórdão supra invocado – que «Por conseguinte, entende-se que as remissões que eram feitas para o ACTV do sector bancário não podem ser entendidas como uma remissão para o CCT que o substituiu»,
15. Do mesmo modo que, no caso dos autos, as remissões feitas nos contratos de trabalho dos Recorrentes para o ACTV do sector bancário não podem ser entendidas como uma remissão para qualquer IRCT que o viesse substituir e, como tal, para o AE de 2021.
16. Além do exposto, não pode igualmente aceitar-se o argumento do Tribunal a quo de que o facto de os Recorrentes serem sócios do SITESE é determinante da conclusão de aplicabilidade aos Recorrentes do novo AE de 2021 ao invés do ACT do sector bancário.
17. Ora, com o devido respeito que o douto Tribunal a quo nos merece, não pode concordar-se com o entendimento e com o raciocínio jurídico supra transcrito, até porque do mesmo resultaria, como bem se verá, uma total anulação daquela que foi a vontade dos Recorrentes (e de qualquer trabalhador nas mesmas circunstâncias) no momento da celebração dos respetivos contrato de trabalho,
18. E tudo pelo simples facto de serem sindicalizados…
19. Este raciocínio defendido pelo Tribunal a quo não pode colher, pois, como resultou assente do conjunto da matéria de facto dada como provada nos autos, a aplicação aos Recorrentes do ACTV do Sector Bancário resultou de uma escolha dos mesmos ao abrigo da sua autonomia privada,
20. Escolha essa que foi acolhida e aceite pela sua entidade empregadora, e que levou à consagração expressa nos seus contratos de trabalho do ACTV do sector bancário.
21. Não se fixou a aplicação do ACTV do sector bancário aos Recorrentes por aplicação de qualquer princípio da filiação,
22. Sendo inequívoco e devidamente aceite pelo Tribunal a quo que os Recorrentes nem sequer faziam parte do conjunto de trabalhadores a quem aquele ACTV seria aplicável.
23. Assim, e insiste-se, o ACTV do sector bancário só foi aplicável aos Recorrentes até ao ano de 2021 porque assim ficou estabelecido nos respetivos contratos de trabalho logo aquando da sua celebração e do início da sua relação laboral.
24. É que, da mesma forma que o ACTV do setor bancário não lhes foi aplicado por aplicação do princípio da dupla filiação, não pode, quase trinta anos depois, considerar-se que os Recorrentes alguma vez pretenderam que a sua relação laboral passasse a ser regida por outro instrumento de regulamentação coletiva designado por via de aplicação deste princípio da dupla filiação.
25. Nas palavras do douto acórdão do TRL de 12.02.2020, «A nova convenção coletiva foi revogada, mas para as partes que assim o quiseram. Ou seja, a quem o ACTV era aplicado por força do princípio da filiação o mesmo foi substituído precisamente por força desse princípio.»
26. Nesta conformidade, não tendo o ACTV sido aplicado aos Recorrentes por força do princípio da dupla filiação, não pode considerar-se que, por força desse princípio, o mesmo teria sido substituído com efeitos para o vínculo laboral dos Recorrentes.
27. Nesse sentido, continua o douto acórdão do TRL dizendo que «para as partes aqui em causa para quem o ACTV era aplicado por força de um acordo “particular” entre as partes, só por acordo entre as partes
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