Acórdão nº 6730/17.0T8VNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-06-08

Data de Julgamento08 Junho 2022
Ano2022
Número Acordão6730/17.0T8VNG.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. nº 6730/17.0T8VNG.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 1

REL. N.º 683
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: João Diogo Rodrigues
Anabela Andrade Miranda
*
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1 – RELATÓRIO

AA, residente na Rua ..., ..., Vila Nova de Gaia, propôs a presente acção em processo comum contra BB, residente na Travessa ..., em ..., Vila Nova de Gaia, pedindo que
- seja declarada a nulidade do contrato de doação celebrado em 23.02.2016 com o efeito retroactivo previsto na lei;
- se ordene o cancelamento de todos os registos com base no aludido contrato de doação que tenham sido feitos ou venham a efectuar na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia;
- seja anulado o testamento a favor da Ré celebrado em .../.../2016, por incapacidade acidental do testador, que não tinha, nem o livre exercício da sua vontade, nem a capacidade de entender o sentido das declarações que prestou.
Alegou que, ela e a ré são filhas de CC e DD, ambos doentes; que em 23.02.2016 foi celebrado um contrato de doação a favor da ré, que não foi assinado pelos doadores, assentando no prévio destaque de uma parcela de terreno efectuado com falsificação da assinatura do doador, com consequente falsidade do contrato de doação; que o falecido CC outorgou testamento em .../.../2016 que instituiu a ré como herdeira da sua quota disponível, o que sucedeu quando o mesmo se encontrava incapaz de entender o sentido da sua declaração. Daí a sua pretensão de invalidação daqueles actos.
Regularmente citada, a ré contestação, impugnando a matéria alegada pela autora e concluindo pela improcedência da acção.
Além disso, requereu a intervenção principal de EE e E..., S.A., adquirentes do quinhão hereditário e do prédio referidos, bem como de FF, este ulteriormente absolvido da instância, por a sua citação ter provindo de simples erro de identificação.
EE aderiu à contestação da ré e a interveniente E... veio invocar o desconhecimento sem culpa de quaisquer vícios precedentes à aquisição do imóvel, com consequente boa-fé e inoponibilidade à chamada de qualquer nulidade ocorrida em momento anterior à transmissão.
Instruída e discutida a causa, foi proferida sentença que concluiu pela improcedência da acção, absolvendo réus e intervenientes.
É contra esta decisão que vem interposto o presente recurso, que a autora terminou formulando as seguintes conclusões:
I - A Apelante não se conformando com a douta sentença do Tribunal a quo, apresenta o presente recurso pedindo a sua revogação, porquanto e salvo o devido respeito, a Meritíssima Senhora Juiz não fez o correcto enquadramento jurídico dos factos apurados ao direito aplicável.
II - Considerando os factos considerados provados, deveria ter sido declarada a nulidade/ inexistência do contrato de doação por falsidade de assinatura no pedido de destaque da parcela de terreno objecto do contrato de doação, a nulidade do contrato de doação por falta de assinaturas e a nulidade/falsidade do termo de autenticação.
III - Quanto ao termo de autenticação do contrato de doação, resultou provado (ponto y) que os outorgantes não compareceram no escritório da senhora advogada perante esta no seu escritório, como está descrito no termo de autenticação, mas sim, a senhora advogada compareceu perante os outorgantes na residência destes.
IV- No termo de autenticação também se pode ler que “os signatários apresentaram o presente documento que consiste numa Doação tendo declarado que já leram e que estão perfeitamente inteirados do seu conteúdo”.
V- Em audiência de julgamento, o filho do doador FF afirma no seu depoimento “ o meu pai era analfabeto, só sabia ler e escrever o nome dele” - gravação sessão 03/11 (em acta 10h50 -11h06 no ficheiro 10h06 e aos 14 minutos e 56 segundos).
VI - Dada a relevância para a decisão da causa, este facto deveria ter sido incluído na matéria provada, pois, é falso o descrito no termo de autenticação.
VII- Nos termos do art. 150º e 151º 1, a) do Código do Notariado é requisito do termo de autenticação a declaração das partes de que já leram o documento ou estão inteiradas do seu conteúdo.
VIII - O termo de autenticação do contrato de doação foi celebrado sem observância das formalidades exigidas pelo Código do Notariado, pelo que, não respeitou nem obedeceu à forma prescrita por lei, o que equivale a falta de forma legal, logo nulo, sendo certo que não basta que constem as menções exigidas por lei, sendo indispensável que tais menções correspondam à realidade, que traduzam o que se passou no acto, sob pena de ser falso, como é, nos termos do artº 377º e 372º do Código Civil.
IX- Quanto à inexistência de assinatura dos doadores no contrato de doação, se estes não sabiam ou não podiam assinar, as assinaturas teriam de o ser por terceiro a rogo.
X- No contrato de doação consta a assinatura da donatária e de um terceiro ao contrato “GG”, sem mais.
XI -No termo de autenticação do contrato de doação existe a confirmação de uma assinatura a rogo mas não existe qualquer rogo à priori para confirmar, pois, este simplesmente não consta do documento particular objecto do termo de autenticação.
XII - O contrato de doação e o termo de autenticação são documentos distintos que não se confundem entre si, sendo o termo de autenticação um requisito legal de interesse e ordem pública que visa principalmente fins de certeza e segurança do comércio em geral.
XIII -Não constando a assinatura a rogo no documento particular ou indicação que os doadores não podiam ou sabiam assinar, não se encontra este assinado pelos doadores, pois o artigo 373.º do Código Civil estabelece que “os documentos particulares devem ser assinados pelo seu autor, ou por outrem a seu rogo, se o rogante não souber ou não puder assinar.”
XIV - As formalidades do contrato de doação são formalidades ad substantiam e não estando assinado, o contrato de doação é nulo nos termos do artº 220 do Código Civil.
XV – Quanto à nulidade/inexistência do contrato de doação por falsidade de assinatura no pedido de destaque da parcela de terreno objecto do contrato de doação, foi dado como provado, através de perícia realizada no âmbito dos autos de inquérito que correm os seus termos sob o número 787/16.9 GAVNG, na 4ª Secção DIAP de V.N. Gaia, que a assinatura no requerimento que originou e instruiu o processo administrativo de destaque de parcela na Câmara Municipal ..., não é do doador.
XVI - A parcela de terreno alvo de destaque é ela própria o objecto do contrato de doação, logo, dúvidas não existem da sua essencialidade. E sendo o procedimento administrativo desencadeado por uma assinatura falsa, o mesmo deverá ser considerado nulo senão mesmo inexistente, deixando o contrato de doação de ter objecto.
XVII - Perante a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo (acrescida da prova produzida no testemunho do filho FF na passagem supra identificada no artº 10º) e considerando o enquadramento
XVIII - Ao não considerar assim, o Tribunal a quo violou, entre outros, o disposto nos artigos 220º, 372º,2, 373º, 1 e 377º Código Civil e 150º e 151º,1, a) do Código do Notariado.
XIX- Pelo que, deve a sentença ser revogada e substituída por outra que, considerando as invalidades supra referidas, considere o contrato de doação e respetivo termo de autenticação nulos, com as demais consequências legais.
*
A ré ofereceu resposta ao recurso, defendendo a sua improcedência. A interveniente E..., S.A. também ofereceu resposta, defendendo a sua rejeição por incumprimento de forma, quanto à impugnação da matéria de facto, e, em qualquer caso, a sua
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