Acórdão nº 670/20.3T8CTB.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 13-12-2023

Data de Julgamento13 Dezembro 2023
Número Acordão670/20.3T8CTB.C1
Ano2023
Órgão Tribunal da Relação de Coimbra

Relatora: Helena Melo
1.º Adjunto: José Avelino Gonçalves
2.º Adjunto: Paulo Correia


Processo 670/20.3T8CTB

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

AA instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum contra os Réus BB e CC, pedindo que se reconheça o direito de propriedade da herança aberta por óbito de DD e EE sobre o prédio urbano situado na Rua ..., Freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...97 e inscrito na matriz sob o artigo ...25º e que se ordene a restituição do mesmo “à esfera jurídica da herança, livre de pessoas, bens e quaisquer ónus”.

Para além disso, solicita ainda a Autora que se declare a nulidade do contrato de compra e venda do referido imóvel celebrado por escritura pública de 30 de maio de 2018 e que se ordene o “cancelamento de todas as inscrições de aquisição registadas no respetivo registo predial com base na referida escritura e de eventuais registos subsequentes”.

Para tanto, alega em síntese, que a Ré BB instaurou o processo de inventário por óbito dos pais de ambas que corre termos no Cartório Notarial ..., a cargo da Ex.ma Senhora Dr.ª FF sob o número ...3/16 e no âmbito do qual a Ré, na qualidade de cabeça-de-casal, apresentou relação de bens da qual constava, entre outros, o prédio urbano atrás identificado.

Sucede que, contrariamente à vontade da Autora, que “sempre pretendeu participar, ativamente, na partilha do património dos seus pais, sendo inclusivamente sua intenção que lhe fosse adjudicado pelo menos um bem imóvel”, o referido processo de inventário “decorreu sem qualquer intervenção por parte da A., (…), até ao dia 25.03.2019, momento em que a A. ali suscitou diversas nulidades e irregularidades, cuja apreciação pela Exma. Sra. Notária foi agora ordenada, face ao recurso interposto da sentença homologatória da partilha”.

Ora, a Autora apercebeu-se, entretanto, de que todos os bens imóveis tinham sido adjudicados à Ré, sua irmã, “por quantias absolutamente irrisórias”, à exceção do prédio urbano atrás mencionado, cuja restituição à herança e nulidade da venda pede e que foi “vendido por negociação particular, mas ao companheiro da Ré, ora Réu, num ardil por estes montado e simulado”.

Contudo, “a Ré não ignora que a A. jamais concorda ou concordaria com a forma como a partilha foi levada a cabo”, tanto mais que “a forma da partilha evidencia manifesto e flagrante abuso de direito, má fé, dolo e simulação, revelando a má fé e dolo da Ré na preparação da partilha e a total comparticipação do Réu nesse fito”.

Na verdade, em sede de conferência de interessados realizada no dia 24 de novembro de 2017 foram adjudicados à Ré cinco imóveis “pela irrisória quantia global de € 21.517,00, quando, como é facto manifestamente notório, cfr. art. 412º do CPC, é totalmente inverosímil que haja bens imóveis cujo valor real se cinja a tais quantias, (…), pelo que atuou a Ré em manifesto abuso de direito, aproveitando-se da ausência e não intervenção da A. (…) para preencher o seu quinhão hereditário com bens cujo valor real é muito superior ao da adjudicação”.

Relativamente ao prédio urbano em questão nestes autos, sustenta a Autora ter existido, “além de má fé e dolo, clamorosa simulação também”, tendo em conta que “era precisamente o bem com o valor patrimonial mais elevado, correspondente a € 45.450,00”.

De facto, em sede de conferência de interessados realizada a 24 de novembro de 2017, “a Ré, premeditada e propositadamente, não requereu a adjudicação de tal bem para si, como se nenhum interesse tivesse no mesmo, requerendo antes a sua venda a terceiros, mas pelo valor patrimonial, correspondente a € 45.450,00, e desde logo indicou agente de execução para promover a respetiva venda”.

No entanto, “a verdade é que a Ré sempre teve interesse no referido bem”, “ali habitando, em fins-de-semana, períodos de férias e outras temporadas. E, pelo esquema que montou, em conluio com o Réu, obteve o mesmo efeito, mas por valor muito inferior ao valor patrimonial e ao valor real de mercado”, na medida em que, no âmbito do próprio processo de inventário, o imóvel acabou por ser vendido ao Réu CC que é o companheiro da Ré há cerca de onze anos, pelo preço de € 10.500,00, através de escritura pública outorgada no dia 30 de maio de 2018.

Assim, concluiu a Autora que a venda do prédio urbano efetuada no processo de inventário foi simulada uma vez que, a R. ao declarar, em sede de conferência de interessados, que não pretendia a adjudicação desse imóvel, a Ré implementou “um esquema para que o mesmo fosse adquirido indiretamente em seu benefício, pelo seu companheiro”, “com o fito único de enganar e prejudicar a A., o próprio Cartório e instâncias legais e jurídicas, e obter um benefício não devido”.

A Ré apenas declarou que não pretendia que o imóvel lhe fosse adjudicado de forma a evitar que o respetivo valor patrimonial, correspondente a € 45.450,00, aumentasse, nessa medida, o valor do seu quinhão hereditário, o que implicaria o pagamento à Autora das tornas correspondentes a metade desse valor.

Consequentemente, “a manter-se tal venda, por aquele montante, fica a A. prejudicada também, na medida em que o valor real do imóvel não acarreta para si um benefício patrimonial correspondente a apenas € 5.250,00, mas antes muito superior”, sendo certo que nem a Ré teve intenção de vender, nem o Réu teve intenção de comprar o imóvel, ambos pretendendo apenas que a Ré pudesse manter o uso e a fruição do imóvel pelo valor mais baixo possível.

Nestes termos, conclui a Autora que os Réus “simularam as suas declarações negociais” e que tanto a ata da conferência de interessados realizada no dia 24 de novembro de 2017, como a escritura pública de compra e venda outorgada no dia 30 de maio de 2018 estão inquinadas de falsidade.

Os Réus vieram aos autos apresentar a sua contestação, impugnando a generalidade dos factos alegados pela Autora em sede de petição inicial.

Assim, e uma vez que não atuaram da forma descrita pela Autora, concluem os Réus que a presente ação deve ser julgada improcedente, por não provada, absolvendo-se os Réus dos pedidos contra si formulados.

Por despacho proferido em 28.06.2023 foi declarada verificada a exceção dilatória consistente na inadmissibilidade do meio processual utilizado pela A. e, em consequência, foram os RR. absolvidos da instância.

A A. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:

(…).

Os RR. contra-alegaram e concluíram as suas contra-alegações do seguinte modo:

(…).

II – Objeto do recurso

De acordo com as conclusões da apelação, as quais delimitam o objeto do recurso, as questões a conhecer são as seguintes:

. se o despacho recorrido ofende o caso julgado que se formou sobre o despacho de 19.11.2020 que determinou a suspensão da instância;

. se não se verifica a exceção dilatória inominada consistente na inadmissibilidade do meio processual utilizado pela Autora.

III – Fundamentação

Na primeira instância foram considerados provados os seguintes factos:

1. No dia 6 de março de 2014 a Ré BB, na qualidade de cabeça-de-casal, declarou, no âmbito do procedimento simplificado de habilitação de herdeiros instaurado na Conservatória do Registo Civil ..., que os autores das heranças, DD e GG, faleceram, respetivamente, no dia .../.../2002 e no dia .../.../2014 e, para além disso:

“Que nenhum dos falecidos deixou testamento ou qualquer outra disposição de última vontade.

Que ao falecido, sucederam como únicas herdeiras:

- O cônjuge sobrevivo – EE, ora falecida;

- as filhas – BB,

– AA, ao tempo da abertura da sucessão casada com HH, no regime da separação de bens, presentemente dele divorciada.

Que à falecida sucederam como únicas herdeiras:

- As filhas, já identificadas – BB e AA.

Que não há quem lhes prefira ou com elas possa concorrer nas sucessões. (…).”.

2. A Ré BB instaurou, no Cartório Notarial ... a cargo da Ex.ma Senhora Dr.ª FF, o processo de inventário por óbito dos seus pais que correu termos sob o número ...3/16, no âmbito do qual apresentou, na qualidade de cabeça-de-casal, a relação de bens da qual constam os seguintes:

“A) Bens imóveis

Verba n.º 4

Prédio Urbano, afeto a habitação, composto de R/Chão e 1º andar, sito na Rua ..., Freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o Art. ...25º da Freguesia ..., concelho ... Processo: 670/20... Referência: ...04 Tribunal Judicial da Comarca ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...97, com valor patrimonial tributário de € 45.450,00 (…).

Verba n.º 5

Prédio Urbano, afeto a habitação, composto de casa abarracada de 1 pavimento e três divisões, sito em ..., Caminho ..., ..., Freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o Art. ...30º da Freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...15, com valor patrimonial tributário de € 25.210,00 (…).

Verba n.º 6

Prédio Rústico, composto de horta, oliveiras, figueiras, olival, cultura arvense em olival, cultura arvense de regadio, citrinos e vinha, com área de 3.600 m2, sito em ..., Freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o Art. ...6º, Secção ..., da Freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...98, com valor patrimonial tributário de € 57,90 (…).

Verba n.º 7

¼ Prédio Rústico, composto de construção rural, olival, cultura arvense em olival e cultura arvense, com área de 6.480 m2, sito em ..., Freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o Art. ...4º. Secção ..., da Freguesia ..., concelho ..., omisso na Conservatória do Registo Predial ..., com valor patrimonial tributário de € 37,99 (…).

Verba n.º 8

Prédio Rústico, composto de cultura arvense de...

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